Disputa por rejeitos de minério na barragem Itabiruçu continua. Vale contesta alvará de pesquisa da Itabiriçu Nacional
A mineradora Vale ingressou com agravo de instrumento no Tribunal Regional Federal, em Belo Horizonte, para suspender o alvará de pesquisa obtido pela Itabiriçu Nacional Pesquisa Mineral junto ao antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) – e que foi confirmado pela Agência Nacional de Mineração.
Solicita a não prorrogação da outorga, como requer a empresa detentora do título mineral em um polígono definido na barragem do Itabiruçu, em Itabira, Minas Gerais.
A empresa detentora do título aguarda autorização judicial para ingressar na área para realizar as prospecções minerais. A Vale contesta esse direito, alegando inclusive riscos à segurança da barragem, que está a montante de núcleo habitacional, na chamada zona de autossalvamento em caso de ruptura da estrutura.
Alega ainda que as prospecções geológicas necessárias para a realização da pesquisa mineral na barragem irão prejudicar as suas atividades no complexo minerário local. E que resultariam em “estrondosos prejuízos, com potencial impacto nas condições de estabilidade das estruturas e na integridade do material”. Leia também aqui e aqui.
Perícia
A perícia autorizada em juízo irá avaliar eventual renda e danos que possam ser provocados pela pesquisa mineral na área do alvará, em imóvel (barragem) pertencente à mineradora Vale.
O processo que visa autorizar o ingresso de geólogos e demais pesquisadores na área da Vale corre na 2ª Vara Cível da Comarca de Itabira, assim como a autorização para que seja realizada a perícia para avaliar eventuais danos.
O alvará de pesquisa foi concedido pelo Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM (ANM) pelo prazo de três anos, tendo sido renovado posteriormente pela ANM.
Em 9 de maio do ano passado foi feita a primeira diligência pericial na área da concessão do alvará de pesquisa, tendo sido constatada, segundo manifestação dos advogados da Itabiriçu nos autos, “a extração mineral pela Vale na área da pesquisa da poligonal autorizada pela ANM à empresa Itabiriçu”.
A autorização judicial ainda não é para que se faça a pesquisa, mas para que a perícia avalie eventuais danos que as prospecções geológicas possam causar à área e ao proprietário do imóvel – e também à segurança da barragem.
A mineradora Vale se nega permitir o ingresso do perito e assistentes técnicos em sua área, mesmo havendo a autorização judicial. E pede a anulação do alvará de pesquisa renovado pela ANM, cuja “validade não teria sido contestada pela mineradora Vale na fase licitatória”.
Entretanto, o pedido de anulação não foi aceito pela agência reguladora, uma vez que “a Vale jamais solicitou ao DNPM o bloqueio do subsolo relativo às suas áreas de servidão”.
E que só agora, afirmam os advogados da Itabiriçu, mesmo não tendo apresentada essa justificativa em juízo, ingressa com o pedido de anulação.
Diz ainda que a Vale poderia “ter impedido a outorga do alvará se tivesse, com base no art. 42 do Código de Mineração, comprovado que qualquer atividade minerária era incompatível com a destinação do solo para servidão minerária e requerido ao DNPM o mencionado bloqueio”.
Inconformismo
Os advogados da Itabiriçu Nacional sustentam ainda que a Vale não se conforma por ter perdido o direito de pesquisa na área ao não participar da licitação pública, “por seu descaso ou desinteresse à época em pesquisar novamente a referida área”.
Por seu lado, a Vale alega que a área já havia sido objeto de pesquisa, “cujo resultado atestou ausência de potencial mineral no local”.
O alvará concedido pelo DNPM, e posteriormente confirmado pela ANM, se refere apenas à pesquisa no local. Portanto, não se traduz em autorização para eventual exploração do minério encontrado na área da outorga.
“No entanto, a agravante (Vale), sem alvará, executa lavra em larga escala na poligonal da Itabiriçu”, denunciam em juízo os advogados da Itabiriçu.
Segundo eles, a comprovação dessa extração, sem autorização da ANM, foi feita pela Delegacia de Crime Ambiental, por meio de fotos que comprovam a presença de equipamentos da mineradora extraindo minério de ferro na área da concessão do alvará de pesquisa.
Alegam ainda que, mesmo que inexista minério de ferro para futura exploração na área, “nada impede que possa ocorrer outras substâncias minerais tais como argila, saibro, areia, quartzo, feldspato, caulim, ouro ou rocha para brita”.
Reserva antropogênica reintegra ao subsolo, considera parecer da AGU
A disputa gira em torno de quem pertence o bem mineral, chamado de reserva antropogênica, disposto na barragem.
Ou seja, o que está em disputa é estabelecer se esse bem mineral retornou para a União ou se continua sob o domínio da empresa de mineração que o gerou.
Parecer emitido, em 2 de março de 2012, pelo procurador federal Frederico Munia Machado, coordenador de Assuntos Minerários da Advocacia Geral da União (AGU), conclui que “os materiais descartados durante o processo de lavra se confundem com o solo e o subsolo.”
E para que se tornem objetos de reaproveitamento econômico é necessária a autorização ou concessão da União. Portanto, se assim foi estabelecido, o seu aproveitamento econômico depende da existência de título minerário.
“Em se tratando de área com lavra já concedida, basta que o seu titular apresente ao DNPM estudos técnicos que demonstrem a potencialidade econômica do reaproveitamento daquele material, bem como os métodos de extração e concentração mineral que será adotado para tal reaproveitamento”.
Pelo parecer da AGU, “o aproveitamento econômico das substâncias minerais existentes no rejeito ou no estéril somente será possível após um título autorizativo de lavra válido”.
Segundo os advogados da Itabiriçu, o parecer do procurador da AGU foi acatado pelo DNPM/ANM. “O aproveitamento de estéril e rejeito, quando disposto fora da área de concessão, em área titulada de terceiro, conforme nesta ação está muito bem declarado pela AGU/ANM, pertence ao detentor do título mineral da poligonal da área que contenha a substância mineral que integra o subsolo da União”.
Ou seja, a prevalecer o parecer da AGU, o direito de pesquisa pertence à Itabiriçu Nacional que venceu a licitação. Daí, sustentam os advogados, não pertenceria à mineradora Vale que, por “cochilo ou desinteresse”, não participou da licitação para obter o alvará de pesquisa.
Nesse caso, a Vale seria “apenas” detentora do solo onde foram depositados os rejeitos de minério.
Sem acordo
“Percebe-se que a dificuldade para a elaboração de acordo amigável para ingresso na área e início da pesquisa autorizada, por parte da Vale, e também para o acordo judicial, é ato meramente protelatório que não pode impedir a fase de pesquisa que antecede a mineração”, afirmam os advogados da Itabiriçu Nacional.
E complementam: “o propósito da Itabiriçu é o de conseguir executar a pesquisa mineral na área de sua poligonal.” E que assim espera conseguir “cubar a reserva mineral da jazida antropogênica e contribuir com o meio ambiente”, com o aproveitamento da substâncias minerais lá existentes.
Com a exploração dos rejeitos, sustentam que a medida “irá colaborar com o esvaziamento do reservatório que põe em risco a comunidade local, pois fica logo a montante da cidade de Itabira/MG”.
Legitimidade
“O alvará de pesquisa da Itabiriçu é legítimo, obtido por licitação pública”, afirma o geólogo Everaldo Gonçalves, diretor-proprietário da Itabiriçu Nacional.
“Todo minério existente na área (na barragem) integra o subsolo da União, que ora nos foi concedida para pesquisa dentro de sua poligonal, nos termos do que foi afirmado em juízo pela AGU”, sustenta o geólogo.
Vale não reconhece direito de pesquisa e classifica como interesses especulatórios
Procurada pela reportagem deste site, a assessoria de imprensa da Vale responde, preliminarmente, que a mineradora não tem como prática comentar processos judiciais em andamento.
Porém, em relação a essa disputa de parte dos rejeitos da barragem Itabiruçu, esclarece:
- A Vale já realizou pesquisa mineral na área mencionada, tendo concluído pela inexistência de potencial geológico por meio da apresentação de Relatório Final de Pesquisa negativo, com o consequente descarte da área pela própria Vale.
- Assim, a Vale não “perdeu” a área por não ter participado de procedimento licitatório. Ao contrário, o que houve, repita-se, foi o descarte da área pela própria Companhia diante da comprovada ausência de potencial.
- Os materiais (rejeitos, estéreis e produtos) porventura depositados pela Vale são de sua propriedade, nos termos da legislação mineral em vigor e do entendimento consolidado pela Procuradoria Jurídica da ANM (Parecer PROGE n°. 246/2017 e Nota PROGE n°. 243/2018).
Por fim, diz que “a Vale não reconhece quaisquer interesses especulatórios de terceiros sobre materiais de sua propriedade”.
Particularmente defendo a não mineração, dado que é uma destruição venenosa. Mas como não tem jeito mesmo, estou na torcida pela Itabiriçu Nacional Pesquisa Mineral. Que ela vença a perigosíssima CVRD/Vale.