Discurso de Lula em Itabira reforça o SUS e os investimentos em saúde, mas foge do debate sobre o pós-mineração
Foto: Ricardo Stuckert/PR
Presidente deixa o prefeito Marco Antônio sem resposta ao ignorar a urgente demanda por investimentos que preparem o município para o fim das atividades minerárias
Carlos Cruz
Durante a inauguração do Centro de Radioterapia do HNSD, nessa quinta-feira (11), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concentrou seu discurso na defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) e na retomada dos investimentos federais na área. Ele afirmou que o país vive um processo de reconstrução após anos de desmonte e que a expansão da rede de oncologia é parte central dessa agenda.
“O SUS é a maior política pública já criada no Brasil. Foi ele que segurou este país na pandemia, foi ele que garantiu atendimento quando muitos não tinham para onde correr. E é ele que vai continuar garantindo dignidade ao nosso povo”, disse Lula, destacando que seu governo retomou obras, reativou programas e voltou a financiar equipamentos de alta complexidade.
O presidente afirmou ainda que a instalação do acelerador linear em Itabira simboliza “o Estado voltando a cuidar das pessoas”, reforçando que saúde pública é investimento, não despesa.
Prefeito diz que União também tem dívida histórica com Itabira

Antes de Lula falar, o prefeito Marco Antônio Lage (PSB), que o apoiou na última eleição presidencial e deve repetir o apoio em 2026, fez um discurso contundente dirigido ao presidente da República. Ressaltou que Lula foi o primeiro chefe de Estado a manter contato direto com a população em solo itabirano, já que outros presidentes, como Médici e Collor, passaram pela cidade apenas em visitas à Vale, sem diálogo com o povo.
Lage lembrou que Lula conhece profundamente o dilema da cidade, pois acompanhou por décadas o debate sobre o esgotamento das minas e a dependência econômica da mineração.
“Presidente, o senhor sabe o que Itabira representa para o Brasil. Sabe o que saiu daqui para construir este país. E sabe também o tamanho do desafio que enfrentamos agora. O minério está acabando, e Itabira não pode acabar junto”, afirmou.
O prefeito lembrou ainda a dívida histórica acumulada pela União com o município. Recordou que, quando Getúlio Vargas criou a Companhia Vale do Rio Doce em 1942, impôs a Itabira uma isenção tributária que perdurou até 1969, quando foi instituído o Imposto Único sobre Minerais (IUM). Mesmo assim, apenas 20% do tributo ficava com o município, enquanto 70% ia para o Estado e 10% para a União.
“Durante quase três décadas, Itabira viu sua montanha de hematita desaparecer sem receber praticamente nada em troca. E mesmo depois, continuamos com a menor fatia. A cidade que sustentou o Brasil ficou com os passivos. Essa é a dívida histórica que precisa ser enfrentada”, cobrou o prefeito, sob aplausos.
Silêncio estratégico
Apesar da contundência do discurso de Marco Antônio Lage, Lula não tratou publicamente do tema da mineração. Com isso, o presidente evitou compromissos sobre o pós-mineração e não mencionou a dívida histórica citada pelo prefeito.
O silêncio foi interpretado como cautela política, uma vez que o tema envolve a Vale, o governo federal e decisões complexas que exigem articulação entre diferentes esferas.
Nos bastidores, integrantes da comitiva afirmaram que Lula demonstrou interesse em dialogar com a mineradora sobre a possibilidade de instalar em Itabira uma indústria de beneficiamento de minério, mas sem assumir compromissos públicos.
Mesmo que venha a se concretizar, a instalação de uma planta de processamento, seja de itabiritos mais pobres em ferro ou de rejeitos, não altera o quadro estrutural de extrema dependência econômica da mineração. Trata-se de uma iniciativa que agrega valor para a mineradora, gera empregos e impostos, mas mantém a cidade presa ao mesmo ciclo extrativo que a colocou na atual situação de vulnerabilidade.
O desafio que Itabira precisa enfrentar
Para Itabira, o desafio é urgente. Trata-se de construir uma nova base econômica capaz de assegurar a sustentabilidade do município após o esgotamento das minas.
Isso exige políticas públicas consistentes, investimentos estruturantes e participação ativa da União, seja ampliando a presença na educação superior, seja por meio do BNDES, com linhas de financiamento que atraiam indústrias de base tecnológica para o município.
Também implica pressionar a própria Vale, que carrega uma dívida histórica com a cidade que lhe deu origem e forneceu as condições de acumulação de capital para que se tornasse uma das maiores mineradoras do mundo.
Expectativas e incertezas
Mesmo sem abordar o tema publicamente, Lula recebeu documentos com diagnósticos e propostas para a transição econômica de Itabira, inclusive dos vereadores, que reivindicam apoio presidencial para a instalação de uma montadora de veículos elétricos no município.
“Assim como o minério de ferro foi estratégico para o esforço de guerra em 1942, agora precisamos que a mobilidade elétrica seja estratégica para o esforço de reconstrução econômica da nossa cidade. É uma chance de virar a página e escrever um novo capítulo para Itabira”, defendeu o presidente da Câmara, Carlinhos “Sacolão” (Solidariedade), na reunião de terça-feira (9).
O prefeito reforçou, em conversas reservadas com o presidente, secretários, e deputados da base governista, que o apoio federal é decisivo para que a cidade consiga implementar projetos estruturantes e romper com a dependência mineral.
A presença do presidente, somada à entrega do acelerador linear, foi interpretada como um gesto político relevante para a saúde da população local e da região.
Mas, para Itabira, o desafio de criar novas bases econômicas para não correr o risco de se tornar uma cidade quase fantasma após a exaustão mineral, que já ocorre de forma lenta, gradual e irreversível permanece aberto.
A expectativa era transformar a atenção momentânea da visita presidencial em compromissos concretos que ajudassem a cidade a enfrentar o pós-mineração. Mas Lula boquifechou-se.
Um desfecho ainda em aberto
Sem que Lula se posicionasse sobre o tema, permanece a dúvida: o governo federal continuará ignorando a dívida histórica que tem com Itabira?
Ou assumirá, daqui para frente, o papel de apoiar a reestruturação econômica de uma cidade que gerou imensa riqueza para o país e contribuiu decisivamente com os aliados na Segunda Guerra Mundial, sem receber um centavo de imposto ou compensação em troca?
Lula passou por Itabira sem tocar no assunto. Resta saber se refletirá sobre o apelo do prefeito e se decidirá cumprir um papel histórico: ajudar a cidade a superar a crise e se tornar um exemplo de reconversão econômica, social e ambiental para para o mundo, criando uma nova realidade.
Caso contrário, Itabira corre o risco de se transformar em um “case” de fracasso, esquecida por não ter mais o que oferecer à Vale e ao país após o exaurimento final de suas riquezas minerais.
Um desfecho que ninguém deseja, mas que, até aqui, pouco tem sido feito para evitar a derradeira derrota incomparável.










Qual é o patrimônio imaterial, o DNA industrial e de inovação, que Itabira desenvolveu em 83 anos de mineração, e por que esse conhecimento não está sendo capitalizado pela cidade para criar seu próprio futuro?
Em resumo, o que faltou pensar foi que o maior ativo de Itabira pode não estar mais no subsolo, mas na mente de seu povo e na sua história industrial.
Quer dizer que o presidente não respondeu ao prefeito…. Lula não se importa