Desrespeito, negligência, incompetência e impunidade: Vale mais uma vez emporcalha Itabira com pó de minério. E agosto está só no começo

Fotos: Reprodução

Carlos Cruz

Desde meados da década de 1980, quando a Vale adquiriu as Minas do Meio da Companhia Aços Especiais de Itabira (Acesita), e de uma só vez fez corte raso destruindo a exuberante vegetação remanescente da Mata Atlântica que antes encobria a serra do Esmeril, deixando toda a sua encosta com solo descoberto, a mineração emporcalha a cidade com o pó de minério, como se observou no início da tarde deste sábado (10).

Leitores deste site enviaram fotos e vídeos registrados de vários bairros, mostrando o arraste da poeira carregada de sílica e pó preto de minério, com os ventos fortes soprando em direção e encobrindo toda a cidade. É uma situação que se repete não como farsa, mas como incompetência, negligência, desrespeito e impunidade todos os anos, com maior incidência no mês de agosto. Ou seja, dias piores virão.

Poeira da Vale fotografada no alto do Pousada do Pinheiro

E o mais grave: as autoridades municipais, vereadores, prefeitos, representante do Ministério Público/Curadoria do Meio Ambiente, há muito não tomam uma atitude mais enérgica para coibir esse abuso cometido contra toda população itabirana.

A poluição do ar pela mineradora Vale em Itabira não só emporcalha a cidade com tanta sujeira, como agrava a saúde dos moradores com as rinites, faringites, e outras doenças respiratórias.

A exuberante Mata Atlântica na serra dos Esmeril, fotografada por Tibor Jablonsky e Ney Strauch, em 1952 (Foto: acervo IBGE/Vila de Utopia)

Sugismunda

Essa poluição do ar por partículas de minério em suspensão se repete todos os anos, impunemente. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente até que aplica multas à mineradora sugismundona por poluição do ar de Itabira, sempre quando os índices extrapolam o parâmetro “máximo” admissível, raramente registrados pelo automonitoramento realizado pelo próprio agente poluidor.

E como sempre, a empresa desdenha das multas, recorre e não paga. Isso quando não raro invalida os índices que extrapolam os parâmetros máximos, alegando que houve uma queimada próxima e ou qualquer outro evento crítico que não tenha vindo de suas minas.

Outra imagem da Serra do Esmeril com a sua Mata Atlântica, clicada do bairro Penha (Foto: Tibor Jablonsky e Ney Strauch/IBGE/Vila de Utopia

Minas que estão descobertas há quatro décadas, sem cobertura florestal, gramíneas e nem mesmo com polímeros que deveriam ser aplicados em todas as áreas descobertas, e não esse arremedo de controle que se vê na encosta do Esmeril.

A poluição do ar em Itabira neste ano com certeza vai ser maior e com consequências mais graves, em decorrência das pilhas de estéril a seco que estão ocupando o alto da encosta do Esmeril em vários pontos.

Dessas pilhas virão os arrastes de poeira contendo sílica mais fina, o que pode agravar ainda mais as doenças respiratórios, com o pó chegando até os pulmões.

Daí que é preciso dar continuidade ao estudo epidemiológico das doenças respiratórias em Itabira, o que deveria ter ocorrido há mais de duas décadas, conforme foi recomendado pelo professor Paulo Saldiva, da USP, mas que pelo visto ficou para as calendas gregas.

Omissão e prevaricação

Arraste de poeira fotografada por morador do bairro Colina da Praia

Para não serem acusados de omissos e de prevaricação, já passou da hora da procuradoria jurídica da Prefeitura e o Ministério Público de Minas Gerais, por meio da Curadoria do Meio Ambiente, reabrir a ação civil pública proposta pelo então  promotor José Adilson Marques Bevilácqua, em 1985, a pedido do jornal O Cometa, contra a mineradora por poluir o ar e degradar paisagísticamente a Serra do Esmeril, com a supressão da mata nativa.

Essa ação civil pública permanece sem julgamento pela Justiça local, outra omissão histórica que acontece em Itabira, cidade da impunidade que a Vale tanto desrespeita, mesmo sendo o seu berço histórico, atributo que para ela não tem a menor importância.

Aqui é só a “mina”, como sempre a trataram os engravatados dirigentes da mineradora encastelados confortavelmente no escritório central do Rio, que a Gulosa, como bem assim a chamou o poeta Drummond, não quis transferir para Itabira para ser a sua sede.

Gulosa também por querer tudo para ela, sempre procurando levar vantagem sobre tudo, como na lei de Gerson, monopolizando as outorgas de água, deixando a cidade sem esse imprescindível recurso em quantidade e qualidade necessárias – e ficando com tudo o mais se encontra no subsolo itabirano ainda por ser descoberto e lavrado, sem a contrapartida devida e justa, tirando proveito da Lei Kandir, sonegando o pagamento de IPTU na cidade.

Se a transferência da sede do Rio para a “boca da mina” ocorresse, cumprindo o estatuto de criação por Getúlio Vargas, em 1942, com certeza Itabira seria uma cidade melhor para se viver, sem tanta poluição, pois essa seria seria mitigada, caso os seus altos dirigentes sentissem toda esse drama da poeira em suspensão descarregada pela sempre negligente, omissa e incompetente mineradora Vale.

“Vale paga minério de Itabira com doenças respiratórias”, manchetou o Jornal do Brasil em 1985

Pó preto acumulado em um alpendre do bairro Pará

“As questões ambientais em Itabira desde então (com o desmatamento da serra do Esmeril) foram se agravando e as ações corretivas negligenciadas”, escreveu neste site a professora Maria Alice de Oliveira Lage, primeira presidente do Codema e uma das poucas vozes que, historicamente, tem criticado as omissões e os crimes ambientais da mineradora Vale em Itabira.

Não foi à toa que, em um domingo de agosto de 1985, manchete de capa do Jornal do Brasil, na época o diário de maior circulação nacional, registrou em chamada de capa, em reportagem especial assinada pelo jornalista Nairo Almeri: “Vale paga minério de Itabira com doenças respiratórias”.

E é exatamente isso que a mineradora Vale continua fazendo desde sempre, impunemente, em Itabira.

Em tempo, para complicar a situação com mais poluição do ar, Pontal está em chamas desde a manhã deste sábado, como acontece todos os anos. É uma “terra de ninguém”, mas que é da mineradora Vale, que mantém a área sem vigilância e equipe reduzida para combater o fogo e queimadas em suas áreas. Só agora à tarde começaram a dar combate ao fogo.

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