Descomissionamento de minas é etapa final de um projeto de exploração que já tem mais de 80 anos em Itabira

Fotos e imagens:Reprodução

Carlos Cruz

Em 2012, a Vale contratou a Tüv Süd Bureau de Projetos e Consultoria para elaborar o plano de descomissionamento da Área de Abrangência para o Fechamento Integrado das Minas do Meio e Conceição, em Itabira.

O estudo foi concluído em 2013 com projeção de investimentos para execução das ações propostas de R$ 6.245.851.677,74, em valores da época, sem atualização. Em valores atuais, isso dá uma bagatela de mais de R$ 14,6 bilhões, já precificado pelo mercado.

O resultado final é um calhamaço que não foi divulgado pela Vale em Itabira, mas que a Vila de Utopia disponibiliza para consulta aqui: https://viladeutopia.com.br/wp-content/uploads/2022/01/Fechamento-Itabira-OS_16_RC-SP-046-13_R1_Vol_I-II-4-1.pdf

Na apresentação do relatório, os consultores internacionais sustentam que o Plano de Fechamento de Mina (PFM) teve por base práticas nacionais e internacionais, com base nas experiências de países com tradição em mineração como Austrália, Canadá, Chile, Estados Unidos, Finlândia, Inglaterra, entre outros.

E também com base na padronização feita pelo Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM). “O ICMM recomenda que o risco residual para a companhia seja mínimo e que a comunidade receba benefícios que continuarão a existir mesmo sem novas contribuições da mineradora”, ressaltou a consultoria.

Entre as componentes estratégicas do plano de fechamento, segundo o documento, estão a estimulação da economia regional, a integração e a inclusão social, a legitimação social e a reabilitação ambiental, por meio de Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (Prad).

Cava da mina Cauê antes de receber rejeitos e material estéril

Caracterização

De acordo com o Plano de Fechamento de Minas (PFM) de 2013, para efeito de descomissionamento, são considerados os conjuntos de cavas, pilhas de disposição de estéril (PDE’s), além das barragens de contenção de rejeito e sedimentos, que se estendem por uma faixa de quase 15 quilômetros a noroeste de Itabira, dominando a paisagem da cidade.

Das três minas contempladas, a mina Conceição e Minas do Meio encontram-se atualmente em operação, enquanto a Mina Cauê foi paralisada (exaurida), em fevereiro de 2006.

“Atualmente, sua Instalação de Tratamento de Minério (ITM Cauê) continua em operação, recebendo o minério extraído das Minas do Meio, para a produção de sinter feed e pellet feed.”

Já a cava Cauê, a partir da exaustão da mina, passou a ser utilizada para a disposição de parte do rejeito gerado na usina homônima – e de estéril proveniente também das Minas do Meio (PDE Aba Oeste).

Na extremidade sudoeste localiza-se a mina Conceição, que teve sua operação iniciada em 1957 e que, desde então, tem sido uma das minas mais produtivas da Vale no estado de Minas Gerais.

Segundo o relatório, em 2013, as reservas totais de minério, incluindo reservas prováveis e provadas, somavam 607,5 milhões de toneladas, com um teor de 46,3%, com projeção, na época, de exaustão para o ano de 2025.

Entretanto, esse horizonte de exaustão tem sido sucessivamente alterado – e atualmente está previsto par 2031.

Leia aqui: Previsão da exaustão do minério de Itabira tem mudado com o tempo nos relatórios da Vale

Quanto as Minas do Meio é formada pelas cavas de Dois Córregos, Esmeril, Onça e Chacrinha – e mais a cava Periquito, que “continua isolada”. Elas formam uma grande cava com mais de 4,5 quilômetros de extensão.

“Atualmente (2013), as reservas totais de minério de ferro das Minas do Meio somam 295,7 Mt, com teor médio de 50,8%, e projeta-se a exaustão da mina para o ano de 2022.”

Barragens e minas cercam a cidade

Histórico

O documento apresenta um histórico da mineração em Itabira desde a exploração do ouro de aluvião, no final do século XVII.

“Esses veios auríferos encontravam-se agregados ao ferro das serras de Conceição, Itabira e Santana, e sua exploração exigia técnicas mais sofisticadas e maior dispêndio de capital e mão-de-obra.”

E prossegue: “Para tanto, alguns mineradores organizaram-se em companhias, utilizando mão-de-obra escrava e alcançando significativa produção, trazendo aparente prosperidade ao povoado e consequente crescimento demográfico.”

Já o histórico da exploração de minério de ferro tem início em 1907, com a criação do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil. Foi quando as pesquisas geológicas classificaram as jazidas de minério de ferro de Itabira entre as mais ricas do mundo.

“A primeira tentativa de explorar essa riqueza foi feita pelo grupo inglês Brazilian Hematite Syndicate, que adquiriu participação na Estrada de Ferro Vitória a Minas e firmou acordo com a Companhia Porto de Vitória.

Em 1911, a empresa organizou a Itabira Iron Ore Co. com autorização do governo brasileiro para explorar e exportar o minério de ferro de Itabira.”

No entanto o empreendimento não foi viabilizado. E, em 1919, o controle da companhia foi transferido para um grupo associado de investidores, liderados pelo americano Percival Farquhar.

“Para se adequar à Constituição de 1934, Farquhar associou-se a capitalistas brasileiros fundando a Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia. A companhia começou a explorar o minério, realizando o transporte até o porto de Vitória.”

Com isso, o primeiro embarque do minério extraído das minas de Itabira foi de 5.750 toneladas. Teve como destino Baltimore, nos Estados Unidos. “Em julho de 1943, foi concluída a construção do trecho final da ferrovia, do município de Desembargador Drummond a Itabira.”

Mas foi com a 2ª Guerra Mundial, após a assinatura dos Acordos de Washington entre Estados Unidos e Inglaterra, que o governo federal encampou a Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia e criou a estatal Companhia Vale do Rio Doce, de economia mista.

“Em janeiro de 1943 a CVRD teve sua constituição definitiva e a aprovação dos estatutos da empresa que fixaram sua sede administrativa em Itabira.”

Mas isso só ocorreu no papel, pois na prática a sede administrativa da então estatal – e agora da Vale S.A – sempre foi no Rio.

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As Minas do Meio ainda contam com reservas remanescentes e hoje recebem rejeitos em suas cavas

Crescimento urbano

Embora fossem os bairros Explosivo, Camarinha, Cento e Cinco, Sagrado Coração (esses já inexistentes) e Campestre.“planejados” para servir como vilas operárias, houve também um crescimento urbano desordenado. Foi assim que surgiram outros bairros, sem planejamento e infraestrutura urbana adequada, situação que, em muitos casos, persiste até os dias atuais.

“A urbanização irregular nasceu em Itabira no início da década de 1970, período de expansão das instalações da CVRD quando empreiteiras trazem para o município grande quantidade de trabalhadores para a construção das barragens do Pontal e Itabiruçu, do hotel da CVRD e de um hospital.”

Foi assim que a “atividade minerária junto ao núcleo urbano de Itabira criou uma verdadeira zona de imbricação e uma simbiose cidade/mina”.

Estabeleceu-se assim uma linha contínua com cerca de 16 km de extensão, com “a coexistência de duas realidades, muitas vezes conflituosas entre si”, conforme consta do relatório de fechamento de mina de 2013.

Dependência econômica

Dada a extrema dependência do município à atividade mineradora, o documento avalia os impactos que o fechamento das minas certamente irá ocasionar não só no município, mas também na região.

“Tais impactos podem ser mitigados, compensados e até mesmo suprimidos através da adoção de práticas operacionais mais adequadas durante a vida útil da unidade e através da adoção de programas de caráter socioeconômicos que contribuam para a qualificação profissional e manutenção dos níveis de trabalho e renda municipais após a extinção dos empregos ligados à mineração.”

É o que deveria ter ocorrido desde 1942, quando a extração de minério em larga escala teve início em Itabira.

Mas até então, essa política “desenvolvimentista” de busca de alternativas econômicas ficou só nas intenções e cartas de compromisso para o itabirano acreditar que tudo seria diferente, mas que na prática, pelos menos até aqui, serviram para deixar tudo na mesma dependência.

Impactos do fechamento das minas

O documento avalia os impactos econômicos e sociais decorrentes do fechamento das minas de Itabira.

“No município a indústria da mineração, representada pela Vale, domina e condiciona o comportamento da indústria municipal. Mensurada através do emprego direto, a indústria da mineração absorve cerca de 80% deste, revelando o peso descomunal dessa indústria na economia do município.”

Além disso, o documento confirma o que este site vem frisando desde que foi lançado, em 2017.

“No tocante à indústria de transformação, mecânica e metalurgia que são as mais significativas instaladas no município, além da indústria alimentícia e construção civil, a própria Vale se torna o principal ‘mercado consumidor” dos produtos e serviços dessas empresas.”

Ou seja, o que se fez até então em termos de diversificação econômica no município não passa de uma falácia, um sofisma enganador. É só verificar entre as empresas instaladas no Distrito Industrial o grau de dependência a um só comprador, a própria Vale.

Diversificação é urgente, aponta relatório de fechamento de mina de 2013

Desde muito antes de 2013 que se fala na urgência da diversificação econômica em Itabira. No início da década de 1990, a Associação Comercial de Itabira (Acita) lançou o projeto Itabira 2025, com apoio da Vale.

O objetivo era definir as políticas públicas e privadas para a diversificação, tornando o município independente da mineração, etapa que deveria ser concluída daqui a três anos.

Deu em nada, é só observar os resultados práticos. Nem mesmo registro documental desse projeto existe na entidade de classe.

“As análises iniciais permitiram inferir um impacto de ‘Alto Grau’ no momento do primeiro fechamento, das Minas do Meio, e um grau de impacto “Moderado a Alto” no fechamento da Mina de Conceição, considerando o potencial de recuperação social e econômica do município, que alteraria o contexto socioeconômico municipal no tempo decorrido entre os dois processos de fechamento.”

O relatório com certeza erra ao considerar que o fechamento da mina Conceição teria um impacto de moderado a alto. Dada as condições atuais de dependência do município à mineração, o fechamento dessa mina terá impacto negativo de alto grau para a economia local.

Novas ocupações

Para a ocupação das áreas mineradas exauridas, o documento propõe três classes de usos futuros possíveis: urbano-industrial/comercial; agroflorestal e uso conservacionista.

O uso comercial propõe a concepção de modelos de negócio, baseados na aptidão comercial da região.

Sugere a comercialização das áreas de propriedade da Vale após o fechamento dos ativos, com três finalidades: imobiliária (residencial, comercial ou industrial); agronegócio; turística e/ou recreativa.

Já para o uso corporativo, compreendem-se áreas que possibilitam atividades diversas, cuja administração deve ser feita pela Vale ou por empresas que pertençam à sua estrutura. Esse uso admite as seguintes finalidades: negócios; programas sociais; e pesquisas.

Para o uso conservacionista compreendem as áreas designadas pela Vale como unidades de conservação da natureza, bens tombados e geossítios.

Para fins de utilidade pública, a disponibilidade de áreas mineradas vai depender do interesse público. “A Vale poderá doar para uso público, misto ou parcerias público-privadas, após proceder a desativação, recuperação ambiental, verificação das condições de estabilidade física e avaliação de riscos geológico-geotécnicos.”

Leia mais na postagem de amanhã, quarta-feira (19):

Cultivo de plantas medicinais e insumos farmacêuticos estão entre as alternativas propostas para Itabira

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