Depressão e fúria se alteram com o arrego do capitão ainda presidente

Rafael Jasovich*

Bolsonaro fraquejou? Ao acenar à harmonia entre os Poderes e ceder a pressões de aliados para recuar no discurso beligerante contra o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da República rachou a sua base mais ideológica nas redes sociais e grupos de aplicativos de mensagens.

Famosos e anônimos que costumam apoiar incondicionalmente o chefe do Executivo estão mostrando abatimento desde o fim da tarde de quinta-feira (9), quando o arregão divulgou sua carta à nação dizendo que suas falas contundentes podem ser apenas fruto do “calor do momento”.

Cuidado: ele já fez isso várias vezes. Ruge e depois recua.

O sentimento de traição é maior entre a franja de bolsonaristas que busca uma ruptura institucional no rastro dos atos de 7 de setembro, marcados por pauta abertamente golpista contra o STF.

Militantes como os caminhoneiros que enfrentaram a polícia para permanecer na Esplanada dos Ministérios após a manifestação, e os que promoveram bloqueios de estradas na maioria dos estados com o objetivo de dar um ultimato ao Senado e ao Supremo, sentiram duro baque na mobilização.

O explosivo militante Zé Trovão, que postou mais de 10 vídeos ao longo do dia conclamando a população a se juntar aos protestos de caminhoneiros pelo Brasil e tentou descolar o movimento da liderança de Bolsonaro, se calou em seu grupo no Telegram após a publicação da carta.

Fugiu para o México, o fujão.

Num grupo de apoiadores de sua causa no mesmo aplicativo, chamado Amigos Zé Trovão Patriota, contudo, o sentimento foi de decepção e quase incredulidade quando surgiu a notícia da carta do presidente. Muitos chegaram a questionar a veracidade da informação num primeiro momento e depois se entregaram a lamentos.

Em grupos bolsonaristas do WhatsApp o apoio sem questionamentos também se quebrou. Apesar de boa parte dos internautas bolsonaristas investirem no discurso de “confiança” no presidente, muitos lamentaram o passo atrás após as promessas de endurecimento contra o Judiciário que Bolsonaro vinha fazendo.

“O sistema venceu”, lamentou o perfil Te Atualizei, cujo canal no YouTube foi desmonetizado pelo Tribunal Superior Eleitoral sob a acusação de propagação de fake news relativas às urnas eletrônicas.

“O sistema declarou guerra ao povo. O presidente sucumbiu ao sistema”, avaliou o comentarista e youtuber Rodrigo Constantino. “Game over”, ou “fim de jogo”, escreveu Allan dos Santos, editor do portal Terça Livre. “Continuo aliado, mas não alienado”, alertou o pastor Silas Malafaia, na noite dessa quinta.

Mesmo com o chamado à manutenção do radicalismo, porém, os bolsonaristas que se recusavam a deixar a Esplanada dos Ministérios aceitaram a desmobilização exigida pela Polícia Militar do Distrito Federal.

A corporação vinha mantendo uma postura de não provocar o confronto nos últimos dias, permitindo aos manifestantes ocupar a área central da cidade, em mobilização que teve atos de violência contra jornalistas e tentativa de invasão ao Ministério da Saúde, além de repetidos esforços para acessar a Praça dos Três Poderes e o prédio do STF.

Após divulgar a carta, Bolsonaro reagiu às críticas durante sua live semanal nas redes sociais.

“Eu sempre disse que ia jogar dentro das quatro linhas da Constituição. Alguns se irritam, querem que eu saia por aí escalpelando os outros, fechando instituições, prendendo, atirando. Eu até reconheço que você está bastante chateado com muita coisa que acontece no Brasil”, disse o presidente. Mentiu outra vez?

“Alguns querem reação imediata. Dizem ‘eu autorizo’, mas eu não vou sair das quatro linhas e vou dizer a alguns: você tem que andar nas quatro linhas também”, completou ele.

O golpe fracassou, mas com certeza virão outras tentativas. É da natureza do capitão ainda presidente.

*Rafael Jasovich é jornalista e advogado, membro da Anistia Internacional.

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