Demolição preventiva de casarão histórico em Itabira gera questionamentos e põe em dúvida a eficácia da fiscalização municipal

 Fotos: Rodrigo Oliveira

Carlos Cruz

A coletiva de imprensa realizada na Prefeitura de Itabira na terça-feira (14) suscitou debates sobre a eficácia da legislação e da fiscalização municipal para a efetiva proteção do patrimônio histórico, que ao longo do século passado e agora também no presente, tem sofrido com perdas incomparáveis.

Segundo o prefeito Marco Antônio Lage (PSB), a decisão pela demolição preventiva do casarão teve por base pareceres e laudos técnicos, além de informações da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDUMA), após um serviço irregular de terraplanagem na avenida Daniel de Grisolia, realizado pelo empresário Manoel Henrique Andrade, comprometer a estrutura do casarão da rua Tiradentes.

A terraplanagem irregular, que cortou o talude de sustentação do casarão, levou ao colapso da estrutura. Mesmo após a aplicação de multas, as ações punitivas revelaram-se insuficientes para impedir o dano irreversível.

O casarão pertencia ao espólio de Chiquinho “Delegado” Martins da Costa e Laís Sampaio. Foi desapropriado para que a prefeitura executasse as intervenções com sua demolição preventiva, para impedir o colapso de edificações próximas e garantir a segurança dos moradores vizinhos e de todos os que passam pela localidade.

Diferentemente do que anunciou o prefeito, nem mesmo as telhas cumbucas foram retiradas manualmente do casarão e preservadas para uso futuro em projetos de reconstrução
Limites da fiscalização

De acordo com o prefeito, todas as medidas de fiscalização foram acionadas dentro dos limites da legislação municipal. No entanto, devido às falhas na lei, a Prefeitura se viu obrigada a optar pela demolição como única forma de garantir a segurança das construções e dos moradores vizinhos.

“Empregamos todos os meios legais disponíveis, mas as normas atuais são insuficientes para lidar com situações como essa”, disse Lage. “Todas as medidas legais foram observadas para impedir que a situação chegasse a esse lamentável desfecho.”

Mas a história pode ser mais complexa e precisa ser melhor analisada à luz dos fatos e situações decorrentes. Isso porque é bem possível que nem toda a legislação municipal tenha sido observada.

Por exemplo, a legislação ambiental de Itabira impõe a necessidade de uma licença específica para a remoção de terra em imóveis urbanos, a ser concedida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA), além de exigir que o empreendedor, no caso o empresário Manoel Andrade, apresente os Estudos de Impacto de Vizinhança (EIV), avaliando os impactos ambientais e sociais causados pela intervenção.

No entanto, essa legislação ambiental não foi observada pelo empresário, como também não foi exigida o seu cumprimento, pelo visto, pelos agentes fiscalizadores da prefeitura.

Se assim ocorresse, certamente a “obra” de remoção de terra do talude que abalou a estrutura do casarão teria sido embargada antes de seu início, ou mesmo depois, mas antes de se chegar à situação irreversível de demolição preventiva.

Além disso, para que ocorresse o embargo, não seria necessário que moradores vizinhos apresentassem denúncias à Prefeitura.

Por iniciativa própria, os fiscais do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Urbano dispunham de meios legais para impedir o avanço da obra por todos os meios, inclusive com o uso de força policial, se necessário.

Mas nada disso aconteceu em tempo hábil para evitar o colapso do casarão histórico, restringindo-se a fiscalização na aplicação de inócuas multas, de valores irrisórios como forma punitiva e nada coercitva para o empresário pagar.

Perdas históricas
Reportagem da revista O Cruzeiro  narra os graves acontecimentos que culminaram com a perda de um patrimônio histórico e religioso incomparável, a igreja martriz Nossa Senhora do Rosário (Foto: O Cruzeiro – Acervo: ABI – Pesq.: Cristina Silveira)

Se a legislação atual do município, mesmo sendo falha, fosse observada a rigor, por certo a demolição do casarão teria sido evitada se a fiscalização fosse eficiente. Sem isso, resta lamentar mais essa perda incomparável para o patrimônio histórico de Itabira.Antes, o município já havia testemunhado demolições similares no passado, como a da matriz de Nossa Senhora do Rosário em 1970, tida como precipitada.

Um pouco antes, Itabira assistiu à perda do bonito sobrado onde hoje está a praça em frente ao Banco do Brasil, consumido por incêndio de causa nunca apurada. No andar de cima funcionava a Câmara Municipal e no térreo havia uma loja de venda de material plástico.

Outra perda incomparável foi o colapso total do casarão do antigo Ginásio Sul-Americano nos anos 1980. Hoje, o espaço abriga uma pizzaria.

O histórico casarão do Gynásio Sul-Americano tombou literalmente ao chão em meados da década de 1980, mesmo com todas as advertências publicadas no jornal O Cometa (Foto: Acervo de O Cometa)

E assim, sucessivamente, outras perdas incomparáveis podem ainda ser relacionadas, como a retirada do calçamento com pedras de hematita do centro histórico, entregues à Vale para pagamento de suposta dívida do município com a mineradora.

Legislação e fiscalização

Com todo esse histórico de falhas e omissões na preservação do patrimônio histórico de Itabira, surge, segundo o prefeito, a necessidade urgente de edição de uma legislação mais rigorosa para punir os recalcitrantes, como o empresário Manoel Andrade, que adquiriu recentemente o sobrado da família de Jody Machado, derrubado para virar estacionamento na rua Sizenando de Barros.

Mas como se observou nesse triste e lamentável episódio, não basta editar novas leis, pois “os lírios não nascem da lei”, como disse Drummond, e “muito menos do asfalto”, como parodiou o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto.

A legislação precisa ser eficaz para não permanecer como letra morta, como se observou no caso da remoção de terra no lote da avenida Daniel de Grisolia. E para isso a fiscalização deve ser permanente, preventiva e também eficaz.

O prefeito promete encaminhar à Câmara Municipal um projeto de lei ainda em fevereiro, antes da necessária revisão do Plano Diretor de Itabira, para tornar a punição mais rigorosa para quem não respeita o patrimônio histórico de Itabira.

É preciso também contratar mais fiscais para o Meio Ambiente e para o Desenvolvimento Urbano e Obras, por meio de concursos públicos, como manda a Constituição Federal.

Outra perda incomparável foi do casarão ao lado do hotel Itabira, demolido para que fosse construído um “moderna” loja de confecções masculinas (Foto: Miguel Bréscia)
Dúvidas atrozes

Diante de todo esse episódio, uma série de perguntas pertinentes precisam ser feitas e clamam por respostas claras e objetivas. Será que todas as medidas legais realmente foram mesmo tomadas pela Prefeitura? A fiscalização tanto da SMDUMA quanto da Secretaria de Meio Ambiente foi suficiente? Ou foi omissa e ineficaz para fazer cumprir a legislação já existente?

É preciso também verificar se houve negligência ou omissão da Prefeitura ao não exigir do proprietário Manoel Henrique Andrade o cumprimento da legislação ambiental, incluindo a obtenção de licença prévia e a apresentação de Estudos de Impacto de Vizinhança. Esses dois preceitos de controle de possíveis impactos em momento algum foram exigidos.

São questionamentos que a administração municipal precisa responder à sociedade itabirana, que permanece atenta e espera por ações mais decisivas para proteger o legado histórico remanescente de Itabira.

O que diz o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano

O secretário municipal de Desenvolvimento Urbano de Itabira, Jader Túlio Cristiano Magalhães, nega que tenha havido negligência ou omissão de sua pasta. Ele afirmou, na coletiva de imprensa, que as ações de acompanhamento e fiscalização tiveram início em janeiro de 2024.

No entanto, ele mesmo reconhece que isso só ocorreu após receber diversas notificações de moradores vizinhos, que apresentaram denúncias de uma obra irregular em pleno centro de Itabira.

Portanto, as ações de fiscalização não ocorreram por iniciativa dos agentes, mesmo sendo flagrantes as irregularidades e as falhas técnicas visíveis na execução do serviço de terraplanagem no lote da avenida Daniel de Grisolia, realizada pelo empresário Manoel Andrade.

O serviço ocorreu sem licença ambiental prévia e sem que fosse apresentado estudo de impacto de vizinhança, mesmo tendo o município de Itabira, por meio da fiscalização e do controle urbanístico, acompanhado as intervenções no terreno desde 2022, conforme acentuou o secretário na coletiva de imprensa.

Magalhães reiterou que a falha não pode ser imputada aos fiscais, sustentando que é devida à fragilidade da legislação municipal.

Contudo, a prefeitura só começou a agir mais incisivamente em janeiro de 2024, quando a Defesa Civil foi acionada após denúncias de moradores vizinhos e após ocorrerem os primeiros deslizamentos de terra da encosta, que revelaram o risco acentuado de desmoronamento do casarão, com consequências e danos maiores.

Fiscalizações e multas

Disse ainda o secretário que, em 2024, várias vistorias identificaram que as obras de contenção executadas e apresentadas pelo empresário não estavam em conformidade com as boas práticas de engenharia.

Por conta disso, notificações e multas foram aplicadas, com a primeira no valor de R$ 8.941,00 em abril, seguida de uma segunda multa de R$ 17.800,00 em agosto, após descumprimento dos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) estabelecidos e assinados pelo engenheiro responsável e pelo empresário em junho do ano passado, multas essas inócuas e que certamente não foram pagas.

Após o descumprimento do TAC municipal, pelo qual o empresário teve prazo de 60 dias para executá-lo após o período chuvoso, com medidas preventivas para estabilizar o talude que colocava edificações vizinhas em risco, novas vistorias realizadas em agosto concluíram que as intervenções realizadas não estavam de acordo com as melhores práticas de engenharia e mantinham o risco de colapso do casarão.

Foi quando novas ações administrativas e jurídicas foram abertas contra o empresário. Em setembro de 2024, segundo o secretário, uma ação judicial promovida pelo Banco do Brasil contra o proprietário isentou o município de responsabilidades que são devidas pelo infrator.

Sem as medidas preventivas que deveriam ser executadas pelo empresário, conforme ele se comprometeu ao assinar o TAC, e com as fortes chuvas no início deste mês, a Defesa Civil reiterou a necessidade urgente de se fazer a demolição controlada do casarão.

Casarão do antigo Hospital Nossa Senhora das Dores: prefeito promete dar início à sua restauração ainda neste ano (Foto: Carlos Cruz)
Sem passar “pano” para ninguém

Em 13 de janeiro deste ano, o município publicou um decreto de desapropriação do imóvel, tornando-o de interesse público.

Com base nos laudos periciais e notificações anteriores, a prefeitura seguiu com a demolição desse patrimônio histórico, para “preservar a segurança dos moradores da região e minimizar os riscos iminentes de outras rupturas e colapsos estruturais”.

Diante de tudo isso, e ainda com as ocorrências anteriores que comprovam a falta de fiscalização da Prefeitura sobre o que ocorre no território de Itabira – a exemplo do derramamento de óleo no córrego da Pureza por empresa instalada no distrito industrial sem alvará de funcionamento e licenciamento ambiental – , é preciso agir com total transparência e responsabilidade pública, conforme destacou o próprio prefeito na coletiva de imprensa.

“Constatamos a necessidade de apuração completa dos fatos. Se houve qualquer omissão ou conivência do poder público, processos administrativos serão abertos e servidores serão exonerados. Nosso governo não passa pano para ninguém,” assegurou Marco Antônio Lage.

Ressarcimentos

Sobre o casarão demolido, o prefeito explicou que a prefeitura assumiu essa responsabilidade para garantir a segurança dos imóveis vizinhos do entorno e das pessoas. Disse ainda que serão tomadas pela prefeitura as medidas necessárias para garantir a estabilidade do lote ora desocupado, assim como do trecho da histórica rua Tiradentes.

Para isso, segundo anunciou o prefeito, será necessário construir um muro de contenção, obra que deveria ter sido executada pelo empresário Manoel Andrade, de quem será cobrado judicialmente para que arque com todos os gastos com a demolição do casarão, além das estruturas necessárias para a contenção e controle da estabilidade do terreno.

“A ação judicial, já proposta pelo município, prevê o ressarcimento integral dos custos, pois os recursos da prefeitura são destinados aos serviços públicos, à saúde, à educação e não para corrigir falhas de empresários que não respeitam o nosso patrimônio histórico. Quem causou o problema deve pagar a conta,” afirmou o prefeito.

O casarão estava à venda por R$ 800 mil em uma imobiliária da cidade. Entretanto, para o pagamento da desapropriação, a Prefeitura fará as avaliações legais necessárias para garantir que os proprietários não sejam prejudicados, buscando o ressarcimento integral dos danos causados, mas também sem onerar o município além do que é devido.

Toda essa conta de ajuste final deve ser incluída na cobrança judicial da dívida a ser paga pelo empresário Manoel Andrade, que foi quem causou todo esse prejuízo, além de desrespeitar a legislação e o TAC municipal assinado, o que pode ser perfeitamente tipificado como crime contra a coletividade e interesses difusos da população.

 

 

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5 Comentários

  1. A repetição, repetição, repetição.
    A engenharia e as novas tecnologias poderiam preservar a casa. Faltou estudos.
    E o secretário de Obras, o que tem a dizer?
    E o IPHAN de Itabira, para que serve?
    Berço esplêndido…
    Tão nem aí….
    Vergonha.
    Não há descanso para nós sem unidade, sem sermos grandes e vivos.
    A longa calda da derrota incomparável. . . ……………………….
    Bom mesmo é sentar no Buteco do Nilo e esquecer os compromissos.
    Que horas são?

    1. Essa obra era para ter sido embargada desde o princípio. Para iniciar uma obra desse porte, com grande remoção de terra, era para o empresário ter apresentado o Estudo de Impacto de Vizinhança, assinados pelos vizinhos da área . Ou seja, a CEF, o proprietário do casarão, o síndico do prédio acima e o BB. Todos foram negligentes e omissos por ter permitido o início da obra. Além da Prefeitura, através das Secretarias responsáveis, deveriam ter acionado o CREA.
      que também faz fiscalização.
      Uma obra dessa envergadura em pleno centro de Itabira com enorme impacto, será que ninguém desses órgãos, não viu, não foi na região bancária, não passou de carro no centro e viu o impacto que essa obra estava trazendo? E o Gerente da CEF o que ele fez para embargar a obra? A prefeitura falhou miseravelmente e o CREA também. Os comerciantes prejudicados cabem uma Ação pedindo indenização sobre lucros cessantes contra àqueles que tinham o dever de fiscalizar. Nesse caso, Prefeitura, CREA, IPHAN e CEF (omissão) etc.
      Uma pena o casarão ter sido demolido. Historicamente, Itabira dá a mínima pelo o seu patrimônio histórico.

  2. É aqui em Timóteo , vale do aço, ocorreu uma situação semelhante, uma casarão construído na época da construção da Acesita.casarao conhecido como hotel Acesita. Foi demolido da noite p dia ,dando lugar para drogaria Araújo.já faz uns quatro anos, e nenhuma satisfação foi dada pela prefeitura de Timóteo.

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