Curiosidades históricas da Serra do Milagre do Itambé do Matto Dentro
Por padre Ernesto Augusto Lages, no Jornal Conceição do Serro, 1904
Uma descrição preciosa das figuras hieroglíficas, obra de arte e de expressão dos primeiros habitantes dessa porção do Espinhaço, encontradas em Itambé do Mato Dentro, é o que nos deixa o padre Ernesto Lages na crônica transcrita abaixo. Hoje, o local virou área de preservação permanente: além de proteger as pinturas rupestres, é também das nascentes dessa serra que a prefeitura capta a água de classe especial que abastece a cidade
Em uma excursão que fiz, há muitos anos, acompanhado pelo simpático e bom amigo compadre José Simões Vieira, tive ocasião de visitar, copiar fielmente e decifrar a significação das figuras hieroglíficas, existentes na Serra do Milagre do Itambé do Matto Dentro. O povo do lugar assim denomina aquela serra, porque, não lhe sendo possível explicar a razão da existência de tão misteriosos sinais, tudo atribui a um milagre!
Os desenhos, ou figuras, não se acham reunidas em uma só pedra, porém, disseminadas em muitas lajes existentes na mesma serra, e, para reuni-las em um só quadro e fazer depois a decifração, foram-me necessárias quatro horas de penosíssimo trabalho, tendo muitas vezes, de galgar escarpadas rochas e saltar sobre fundos e negros abismos.
Meu bom compadre, por causa de sua invejável musculatura, não teve coragem de acompanhar-me em todos os passos dados, a bem da ciência e resolveu, pacientemente esperar-me deitado sobre uma grande pedra.
Eis o que consegui examinar e reunir, como dizem os pintores, em uma só tela:
1º. Quadro
Em uma grande pedra branca, que formava com uma outra fronteira, largo corredor, estava desenhada a figura de um homem, completamente nu, tendo a cabeça e os longos braços voltados para o alto da pedra, onde existem cinco estrelas negras, imitando as do cruzeiro do sul.
Ao lado das estrelas, em forma de raios, descem diversos traços, compridos e unidos como pontos de admiração incompletos; três palmos, além desses sinais, existe toscamente desenhado um boré, ou trombeta usada entre os indígenas, sobre três traços verticais, sendo os mesmos atravessados horizontalmente, por um quarto de maiores dimensões.
Abaixo, se acha desenhado como alguma perícia, um grande Tatú, tendo a seu lado uma escada, que entre os índios do Brasil simboliza o poder.
Este primeiro quadro é terminado por uma seta, cuja ponta está voltada para a figura humana que tem os braços levantados para o céu.
2º. Quadro
Na segunda pedra, vêm-se cinco Tatús, bem desenhados, voltados, em linha, para o norte, tendo o da frente a misteriosa escada unida aos pés; três palmos, além, com as cabeças voltadas para os Tatús, estão desenhados: um veado sem armas e um lagarto, tendo sobre as cabeças uma seta voltada para o lado dos Tatús, aí não vi a escada do comando.
No fundo desse quadro, figura um lindo Galheiro, tendo aos pés a escada; porém, duas vezes mais comprida que as mencionadas, o que levou-me a crer que eram três tribos aliadas, cabendo o comando à tribo Galheiro.
3º. Quadro
No terceiro quadro, figura o Galheiro, tendo aos pés a escada; porém, com falta de muitos degraus; em sua frente, estão desenhados três Tatús, o primeiro da frente com uma corda no pescoço e os dois últimos varados por duas setas.
4º. Quadro
Neste quarto e último quadro, vi desenhado um grande Tacape, descansando sobre muitos ossos, caveiras e outros objetos, em uma verdadeira confusão!!
Eis o que meus olhos viram, na misteriosa Serra do Milagre, onde ainda hoje descansa em lugar desconhecido o cemitério da Grande Tribo…
Interpretação
Em uma noite em que o venerando Pajé da Tribo Tatú observava os astros e via, com espanto e terror, que eles tinham a corda da desgraça, ouviu-se, por três vezes, o som do Boré, juntamente com o grito de guerra das valentes tribos aliadas – Lagarto, Veado e Galheiro. Travou-se renhido combate, no qual a Tribo Tatú ficou completamente destruída e prisioneiro o seu chefe. Todos os prisioneiros receberam sobre o luzente crâneo, o terrível golpe de Tacape e suas carnes, ainda palpitantes, foram devoradas pelos vencedores.
13 de julho de 1904