Crítico diz que Drummond deixa em livros o seu testamento literário
Imagem: Candangos, de Di Cavalcanti, 1960
Observa Wilson Martins (SL, O Estado de São Paulo, 23/4/60) que, desde 1945, Carlos Drummond de Andrade “vem publicando, de cinco em cinco anos, as suas “poesias completas”, acrescidas, de volume para volume, de um livro novo”.
E indaga WM: “Qual é a razão desse constante retorno sobre si mesmo e desse incessante lançamento de tentáculos sobre o futuro”? E sugere que esses diversos volumes de poesias completas talvez sejam um testamento ou um balanço.
Ora, não é nada disso: o editor José Olímpio – e não o poeta CDA – é o responsável por esse antipático expediente que obriga o leitor a pagar o preço de um volume de trezentas páginas por apenas alguns poemas.
Colocado o problema nessa base falsa, o crítico WM inicia a sua apreciação do Drummond de hoje e de ontem, procurando explicar sua poesia pelo fato de ser ele um jovem de província na época do modernismo e por ser, além de provinciano, mineiro: “enquanto os carbonários de São Paulo ainda se preocupavam demais com o passado, ele, como bom mineiro, já pensava institivamente no futuro”.
Com isso WM desliga CDA do processo geral da poesia brasileira moderna e vê a sua obra como o produto de uma espécie de esperteza mineira, equivalente à fábula da cigarra e da formiga, na qual CDA desempenharia o papel desta ultima.
Mas ninguém ignora que o primeiro livro de Drummond data de 1930 e que já então o modernismo tinha oito anos de vida intensa: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Murilo Mendes e Bandeira – para só falar desses – tinham trabalhado a matéria bruta da realidade redescoberta, tinham rearticulado a linguagem coloquial num nível literário.
Como deixar de ver a poesia de Drummond como elo desse desenvolvimento, dessa reestruturação verbal?
Mas o que interessa a WM é saber se o poeta vem fazendo um testamento ou um balanço. Passa a examinar os títulos dessas sucessivas edições de poesias completas, para concluir que os Poemas de 1959 são mais um testamento do que um balanço.
Essa conclusão, entretanto, não impede ao crítico afirmar adiante que A Vida Passada a Limpo (parte final dos Poemas)- “transforma-se, afinal, no simples balanço de uma obra literária que, já agora, cobre trinta anos da vida brasileira”.
O artigo de WM sobre Drummond não é mais que uma desnecessária especulação sobre o óbvio.
[Suplemento Literário do Jornal do Brasil (RJ), 7/3/1960. BN-Rio – Pesquisa e fotos das imagens: Cristina Silveira]