Corrupção no Rio provoca duelo do Judiciário com o Legislativo

Athaliba dos Anjos*

O Rio de Janeiro, que já foi considerada Cidade Maravilhosa, protagonizou um show deprimente para o Brasil e, até, para o exterior, declarando aberto duelo entre os poderes Judiciário e o Legislativo. É o que ficou configurado no período de 24 horas entre os dias 16 e 17 de novembro, quinta e sexta-feira, quando a justiça decretou a prisão de três deputados do PMDB e a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), em sessão extraordinária, decidiu pela anulação judicial.

Filho do presidente da Alerj, Felipe, continua preso. No destaque da capa, PMs dispararam tiros de balas de borracha no protesto (Fotos: Google)

Tão logo a sessão terminou com placar de 39 votos a 19, parlamentares detidos deixaram a prisão por meio de mensagem da Alerj encaminhada à direção da cadeia, e não por ordem judicial. O desembargador Abel Gomes, responsável pela prisão dos deputados, não foi notificado da decisão tomada pela Alerj. No fim da tarde, ele já não se encontrava no gabinete. Caberia a ele expedir mandado de soltura e, na sua ausência, a opção seria o presidente da Seção Criminal, desembargador Ivan Athié, ou o presidente do TRF-2, André Fontes. Não houve comunicação oficial da decisão ao TRF e isso representa uma tensão a mais nas relações da Alerj com a Justiça Federal, avalia investigadores da Operação Cadeia Velha.

Em nota, a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap) confirmou que os três deputados foram soltos a mando da Alerj: “A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária informa que recebeu, no final da tarde desta sexta-feira, resolução da Assembleia Legislativa que determina a soltura dos deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, que estavam na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica. Os três deputados foram soltos em cumprimento a determinação”.

Como foi o caso

Em decisão unânime, por 5 votos a zero, os desembargadores da 1ª Seção Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª região (TRF-2), na quinta-feira, decretaram a prisão do presidente da Alerj, Jorge Picciani, e de outros dois deputados: Edson Albertassi e Paulo Melo, ex-presidente da Alerj e secretário estadual de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH). Os três deputados, filiados ao PMDB-RJ, além de outras pessoas, são acusados de corrupção, investigados na operação Cadeia Velha. E foram conduzidos à Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, onde se encontra preso, há um ano, o ex-governador Sérgio Cabral Filho.

A partir daí – como era previsto –, a movimentação entrou noite adentro e varou a madrugada na Alerj, na busca de uma articulação política para livrar os parlamentares da cadeia. O governador Pezão – ele e o vice-governador Francisco Dorneles estão cassados – e já havia exonerado cinco deputados que ocupavam secretarias para retomarem seus lugares na Alerj e votar a favor da aprovação do deputado Edson Albertassi ao cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, dias antes. E isso só não aconteceu porque a justiça suspendeu a indicação e Albertassi acabou desistindo.

A procuradora-regional da República, Silvana Patini, antevia que “a Alerj pode até derrubar a prisão, mas tem que manter o afastamento dos deputados. Caso isso não aconteça, a PRR vai recorrer novamente. É uma decisão histórica para enfrentar o crime organizado”.

Foi o que aconteceu na sessão extraordinária de sexta-feira, em menos de três horas. Além de derrubar a decisão judicial, a sessão também garantiu a permanência do mandato dos parlamentares acusados de receber propinas para beneficiar empresas de ônibus, entre outros crimes, segundo o Ministério Público, contrariando decisão da segunda instância do Judiciário no Rio. A aprovação foi baseada na decisão da Comissão de Constituição e Justiça da Alerj, que optou por revogar a prisão preventiva dos deputados e determinar o retorno deles às atividades parlamentares.

No parecer da CCJ, o relator Milton Rangel (DEM) argumentou que “a complexidade dos fatos demanda apuração criteriosa, que não permita conclusões apressadas, em atenção ao princípio constitucional da presunção de inocência e do contraditório e ampla defesa”, aprovado por quatro votos a dois.

O prédio da Alerj – Palácio Tiradentes, sede do antigo Congresso Nacional, entre 1926 e 1960 – foi totalmente isolado por grades de ferro e cercado por PMs do Batalhão de Choque, que lançou bambas de gás lacrimogêneo e disparou balas de borracha contra os manifestantes, impedidos de ocupar as galerias do plenário, que tem o nome do jornalista Barbosa Lima Sobrinho, que governou Pernambuco e foi presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Aliás, os deputados aliados de Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi deram ordem a funcionários para ocupar as galerias.

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) pediu a expulsão do deputado Paulo Ramos, após ele votar a favor da libertação de Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, contrariando a orientação da bancada e dos outros quatro deputados do partido que votaram pela manutenção da prisão. O PSOL expediu nota afirmando que o deputado Paulo Ramos “tomou hoje uma atitude inaceitável. E dessa forma, o deputado se colocou ao lado da máfia dos transportes, das empreiteiras e de todos aqueles que saquearam o Estado do Rio. Ao se colocar ao lado dessas máfias, Paulo Ramos perdeu completamente as condições de permanecer nas fileiras do nosso partido.

O parlamentar, que já está afastado do partido, argumentou que “o Judiciário não respeita a Constituição. Hoje, a maioria do Poder Legislativo enfrentou uma decisão extravagante do Poder Judiciário porque a própria Constituição diz que o deputado só pode ser preso em delito flagrante delito ou crime inafiançável.”

E também a direção do Partido dos Trabalhadores (PT) anunciou que suspendeu o deputado Andre Ceciliano, que votou pela soltura de Picciani, Melo e Albertassi, em mensagem no Twitter, informando que há um processo disciplinar em curso que será submetido à direção nacional. Ceciliano também foi afastado da bancada do partido.

Vexame do secretário de Cultura

O secretário de Cultura, André Lazaroni: vexame

O secretário de Cultura, deputado André Lazaroni (PMDB) cometeu uma gafe quando discursava durante a sessão da Alerj. Ao defender a soltura dos colegas, ele se confundiu e citou “Bertoldo Brecha”, personagem da Escolinha do Professor Raimundo, quando na verdade queria se referir ao dramaturgo alemão Bertolt Brecht. A frase citada por ele foi a seguinte:

“Ai do povo que precisa de heróis.”

O deputado Marcelo Freixo (PSOL) disse que tentou corrigir Lazaroni.

“Eu fui surpreendido, não sabia que o deputado conhecia o filósofo Bertolt Brecht, de quem gosto muito e sempre utilizo nas minhas campanhas”, disse. Semana passada Freixo espalhou camisas com a frase “Nada deve parecer impossível antes de mudar”, de Brecht. “Mas Brecht nunca trabalhou no Programa do Chico Anysio. Eu corrigi o deputado por mania de professor de história, não costumo fazer isso, mas aí foi demais. Em homenagem ao Brecht, achei justo que corrigisse”.

Bens bloqueados                    

O desembargador federal Abel Gomes determinou, na sexta-feira, o bloqueio cautelar de contas e o arresto de bens de 13 pessoas e 33 empresas investigadas na Operação Cadeia Velha. Os valores dos bens bloqueados dos deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi somam R$ 270 milhões, correspondendo, respectivamente aos seguintes valores:  R$ 154.460.000,00, R$ 108.610.000,00 e R$ 7.680,000,00.  A decisão foi tomada em medida cautelar penal apresentada pelo Ministério Público Federal, que encaminhou ao relator uma listagem com nomes e valores referentes aos bens das pessoas físicas e jurídicas. A ordem de bloqueio envolve ativos financeiros e bens móveis e imóveis, incluindo veículos, embarcações e aeronaves. O desembargador também determinou a prorrogação da prisão temporária, por mais cinco dias, de quatro investigados na Operação Cadeia Velha: Felipe Carneiro Monteiro Picciani (filho do deputado Jorge Picciani), Ana Cláudia Jaccoub, Marcia Rocha Schalcher de Almeida e Fabio Cardoso do Nascimento.

*Athaliba dos Anjos é repórter e correspondente do Vila de Utopia.

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