COP28: Onde avançamos (ou não) e qual é o tamanho do desafio para conter a crise climática
Foto: Reprodução/ Agência Pública
Desde o Acordo de Paris, planeta só aumentou as emissões de CO2 e ficou mais quente; chegou a hora de acertar as contas
Por Giovana Girardi
Infografista: Bruno Fonseca
Agência Pública – Oito anos depois de a maior parte dos países do mundo decidir atuar para conter o aquecimento global, por meio do Acordo de Paris, começou nessa quinta-feira (30) a 28ª Conferência do Clima da ONU, em Dubai, diante de uma série de evidências de que já estamos enfrentando uma grave crise climática e pouco avançamos para resolvê-la.
No Acordo de Paris, 195 países se comprometeram a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, como gás carbônico (CO2) e metano (CH4), a fim de conter o aquecimento global do planeta a bem abaixo de 2º C, com esforços para limitar o aumento a 1,5 ºC em relação aos níveis anteriores à Revolução Industrial.
A COP28 é o momento de fazer um balanço global (o chamado Global Stocktake – GST) para avaliar onde houve progressos, ou não, nas ações adotadas desde então. E os indicadores são quase todos muito ruins. Houve poucos avanços, e, mesmo se os compromissos assumidos no Acordo de Paris forem cumpridos, o planeta ainda ruma para um aquecimento entre 2,5 ºC e 2,9 ºC.
Chegamos ao fim de 2023 – muito provavelmente o ano mais quente do registro histórico –, com emissões de gases de efeito estufa e a concentração deles na atmosfera batendo recordes, ao mesmo tempo que os planos para reduzir essas emissões continuam muito aquém do necessário. Eventos extremos se multiplicam por todo o planeta, acumulando perdas humanas e econômicas, enquanto não evoluímos em ações que nos preparem para lidar com eles.
O Acordo de Paris “impulsionou uma evolução quase universal da ação climática, estabelecendo metas e enviando sinais ao mundo sobre a urgência de resposta à crise climática”, mas “é necessário muito mais agora em todas as frentes”, aponta a primeira mensagem de um relatório técnico produzido pela Convenção do Clima da ONU (UNFCCC) para orientar os países a fazer agora em Dubai o GST.
Espera-se que as nações não apenas diagnostiquem os acertos e erros, mas também cheguem a um plano que possa colocar o planeta nos trilhos de um aquecimento mais razoável para a vida humana. Isso significa definir caminhos para aumentar a ambição em termos de redução das emissões, para estabelecer formas de implementar essas metas e para aumentar a adaptação dos países aos eventos que já estão acontecendo.
Os custos atualizados da adaptação para países em desenvolvimento são estimados entre US$ 215 bilhões e US$ 387 bilhões por ano nesta década. Necessidade que é de 10 a 18 vezes maior do que os fluxos internacionais de financiamento público.
É possível entender o tamanho do desafio em alguns indicadores divulgados nas últimas semanas. Confira a seguir:
Emissões ainda crescentes
Apesar de ações virem sendo tomadas, em alguma medida, em praticamente todo o mundo para conter as emissões, globalmente elas desaceleraram, mas ainda não caíram, e a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera segue batendo recordes.
Entre 2021 e 2022 as emissões cresceram 1,2%, batendo um novo recorde no ano passado: 54,7 bilhões de toneladas de CO2e (1 bilhão de toneladas = 1 gigatonelada), de acordo com o Emissions Gap Report 2023 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
Descompasso entre metas e ações
O problema é que o tempo para inverter essa curva está se fechando. Para conter o aumento da temperatura em 1,5 ºC em relação aos níveis pré-Revolução Industrial, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) afirma que é preciso reduzir em 43% as emissões até 2030, na comparação com os níveis de 2019.
Mas as metas assumidas pelos países no Acordo de Paris, as chamadas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) devem resultar em uma redução de algo apenas entre 2% e 8% até o fim da década. Isso deixa o mundo no caminho de um aumento da temperatura de 2,5 °C a 2,9 °C neste século, segundo o Emissions Gap Report, do Pnuma.
Quanto mais quente, pior
A temperatura média do planeta já está subindo rapidamente e alguns meses de 2023 já foram mais de 1,5 ºC mais quentes que o período pré-industrial. Desde julho, todos os meses bateram o recorde para o período, e pela primeira vez, em 17 de novembro, em meio à última onda de calor que atingiu partes do Brasil, o planeta teve um dia já 2 ºC acima da média pré-industrial.
A expectativa é que este será o ano mais quente do registro histórico. Não à toa, virou meme nas redes sociais que este, na verdade, seria o mais frio do resto das nossas vidas.
Renováveis crescem, mas fósseis tem planos ainda maiores
Um dos indicadores de que houve esforços para tentar conter o aquecimento global é o aumento da participação de fontes renováveis na matriz elétrica mundial. Em 2015, elas representavam 22,7% da geração elétrica no mundo. Em 2021, passaram para 27,8%, de acordo com o relatório Renewable Energy Statistics 2023, da Agência Internacional para as Energias Renováveis (Irena).
Por outro lado, os países conjuntamente ainda planejam produzir mais que o dobro (110%) da quantidade de combustíveis fósseis em 2030 que seria consistente com a limitação do aquecimento a 1,5 °C e 69% a mais do que o compatível com 2 °C. É a queima de carvão mineral, petróleo e gás natural, que explodiu após a Revolução Industrial, a principal fonte dos gases que aquecem o planeta.
O excesso de produção planejada para o carvão, por exemplo, que é o combustível mais poluente, cuja queima mais emite gás carbônico, é 460% acima do que seria necessário para cumprir a meta de 1,5 ºC, de acordo com o Production Gap Report 2023, do Pnuma.
Uma justificativa que costuma ser dada para manter o investimento em fósseis é que o recurso vai ser usado para a transição energética. Mas em 2021 e 2022, apenas 1% do fluxo monetário das indústrias de petróleo e gás foi investido em energia limpa, segundo o relatório World Energy Investment 2023, da Agência Internacional de Energia (IEA).
Uma das expectativas da COP em Dubai era que ela trouxesse um indicativo claro para que os países estabelecessem um prazo para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. A ciência aponta que isso é imprescindível para contermos o aumento da temperatura. A possibilidade de que haja qualquer menção nesse sentido em uma COP cujo anfitrião é um país produtor de petróleo, porém, é remota.
O presidente da conferência apontado pelos Emirados Árabes é um empresário do setor. Sultan al-Jaber lidera a gigantesca petroleira estatal Abu Dhabi National Oil Co (Adnoc) e foi denunciado, às vésperas do início da COP, de planejar usá-la como “oportunidade para fechar acordos de petróleo e gás”, com vários países, inclusive com o Brasil, de acordo com reportagem publicada na segunda-feira (27) pela BBC.
Nesta quarta-feira (29), al-Jaber concedeu uma entrevista coletiva negando as acusações. “Essas alegações são falsas, não são verdadeiras, são incorretas e não são precisas. E é uma tentativa de minar o trabalho da presidência da COP28″, disse.
Talvez o mais provável de esperar como resultado desta COP, além do balanço global preferencialmente robusto, é que os países se comprometam a triplicar mundialmente a fatia das energias renováveis até 2030. Há algumas semanas, China e Estados Unidos – respectivamente o maior emissor atual e o maior emissor histórico – fecharam um acordo bilateral que prevê essa meta, o que aumentou as expectativas de que ela também conste do acordo de Dubai.
Reportagem originalmente publicada na Agência Pública