Controvérsia histórica: Brás Martins da Costa x Os Padres

Pesquisa e acervo: 
Cristina Silveira

Seção Livre. Itabira do Matto Dentro. É curioso o motivo porque o tempo abriu-me uma assinatura – por ter eu devolvido esse periódico, que, por infelicidade minha, é documento dos indiscretos, acompanhei de uma carta particular, que foi analisada até aos pontos dos ii por abalizados professores.

É meu artigo que foi recebido de baioneta calada pelos delicados redatores do Tempo, um dos quais passou para a vala comum dos a pedidos, porque reconheceu indigno, aos olhos de todos, o que escreveu.

Peço-lhes que não envolvam nas iras celestes aqueles que nenhuma parte tiveram em meu artigo.

Auto-retrato: Brás Martins da Costa (Foto extraída do livo Retratos na Parede, concepção e organização de Altmair Barros e Robinson Damasceno)

Antes de remete-lo para a tipografia, mostrei-o a alguns amigos, cujas opiniões e conselhos gosto de ouvir; mas isto não é razão para que o Tempo atire também contra eles sua cólera.

Não tratarei de retribuir-lhe insultos sem alcance. Cada um dá o que tem.

O desprezo, a que sou votado pelo acolito do redator, não significará meus hábitos, porque, graças a Deus, tenho vivido sem mendigar auxílio de pessoa alguma.

Além de ex-promotor interino sou empregado de casa comercial, o que me dispensa de, para viver, andar à cata de empregos públicos, acompanhando sempre as oscilações da política.

O acolito podia dizer que entregava ao desprezo o artigo, deixando (somente para ser delicado em palavras, como é de corpo) de dizer outro tanto de seu autor que nunca o desconsiderou.

S.S. quis acompanhar o carro de triunfo em que se assenta o Deus Brahma, supondo que em servindo de ornato, podia aguentar o peso da roda que havia de passar por sobre minha cabeça.

Enganou-se.

O sebo em que o Deus abunda, fê-la resvalar e o estranhíssimo colosso impediu que fossem observadas as belezas miúdas.

Resolvido a não dar assunto ao Tempo, não mais voltarei à imprensa, para ocupar-me com quem só procura ensejo para aderir, porque sente-se desnorteado ao ver que a fazenda que era empregado, passou a outros donos, que não querem usar de cacaréus, nem para lenha, revolvidos a, somente, aproveitar o vasilhame, que puder ser apresentado à avaliação.

Não se incomode, pois, que é d’estes últimos.

S.E. é uma relíquia.

Se não viu realizados seus antigos sonhos dourados, reflita que não perdeu de todo o valor.

Quem foi rei sempre há de ser majestade.

Agora é a ocasião de verificarmos a profunda sabedoria deste proverbio. S.E. deu em adivinho, e, portanto, terá meio de viver.

S.E. foi sempre um presidente manqué, foi sempre um manqué da temporária; mas hoje ninguém lhe nega: o comendador I e até: o visconde I se S.E. quiser invocar os documentos constantes da imprensa fluminense, os quais sairão ornados de Fanfreluches.

E.S. Exc. usará sempre de seus títulos, como conservará suas convicções, que são e sempre foram firmes, pois que teria resignado sua cadeira de deputado se alguém houvesse conseguido provar o contrário.

Posta assim quase em leilão: “a quem mais provar e não achou concorrentes, talvez porque, por motivos semelhantes, teria a tal cadeira a mesma sorte que teve, não sei se até hoje, a de Zacharias no senado.

Que o visconde não é um homem sem aspirações provam-no os artigos, as orações, as palavras e até as letras que, aos domingos, farejam pela cidade, para no 1º. dia útil seguirem o seu caminho.

Para que o público não pense que falo apaixonado, transcrevo alguns de seus trechos que serão a única resposta que darei ao Visconde se o tempestuoso contra mim, ainda escrever alguma coisa.

*****

“O Tempo” (Do Comendador)

Governador Cesário Alvim

Não ascendeu as culminâncias do poder para sacrificar no altar das paixões e dos sentimentos estreitos os seus patrícios.

Não. S. Exc. ousado degolador…. Interprete de uma política larga e generosa que transpõe as fronteiras que delimitavam os antigos partidos, não veio dividir-nos em vencidos e vencedores.

Chame para seus auxiliares, revista da mais plena confiança os mineiros que se recomendam pelos seus talentos e virtudes, os que sincera e patrioticamente aderirem à República ….

Que importa que no regime monárquico tenham eles se chamado Liberais ou Conservadores? (ou uma e outra causa alternadamente, calculadamente).

Sobre o passado …. desça o véu do esquecimento.

É seu dever se inspirar nos velhos batalhadores, nos adesos também que lhe possam orientar o espirito sobre as medidas convenientes às circunscrições.

*****

Governador João Pinheiro

Republicano convencido dos que confiados e robustecidos pela fé de suas crenças, jamais acompanham as oscilações da política, era certo que, ao fulgir no céu da pátria o astro que sempre adorará, árdua, porém patriota missão e invejável missão lhe estaria destinada.

A sua palavra de animação viva reergueu o animo abatido de seus aliados que, embora no regime republicano, já se sentiam abandonados.

Não continuará a causa como ia dando-se uma cadeira partilha leonina, em que os restos, as migalhas, eram atiradas aos velhos republicanos, como ossos a aos velhos republicanos, como ossos famintos… não cavará mais as valas que seu antecessor abriu, que reacenderá no coração dos mineiros o fogo do patriotismo que o gelo da descrença ia apagando, que nivelará a todos, e que apagará os traços que, (chave de ouro, pedra de valor cravada nesta coroa por um antigo batalhador monárquico) com seu lápis fatídico a política monárquica soube sempre abrir.

*****

Podem agora escrever o que quiserem: a nada responderei!

Sou moço, mesmo criança, como diz o velho visconde, preciso acostumar ao trabalho e tenho um pai, cujos moderados exemplos devo seguir: e si até aqui me afastei em algum ponto desses exemplos o meu esforço d’ora em diante será para que esse desastre se não me faltarão, mesmo na obscuridade em que vivo e de que não pretendo sair, doces alegrias de que gozam aqueles que só aspiram ao apreço de sua família, em que se resume o seu mundo.

Ao lado dos meus e na convivência dos que lhes dispensam suas amizades, não serei incomodado pelos remoques que não me atingem, embora procedam de um grande e importante Senhor.

Não levarei, portanto, a vida agitada dos que, não contentes com suas apregoadas grandezas, cheios de ambições que não podem ser satisfeitas, gastam em chorar suas desgraças.

Brás Martins da Costa

Itabira do Matto Dentro, 18 de março de 1890. (A Ordem (Ouro Preto), 24/3/1890. BN-Rio)

O estilo é o homem

Pedaços de literatura

Ao simpático moço Brás Martins da Costa

Nós vamos contar o motivo, nós vamos dizê-lo aos leitores, porque o Tempo teve o auxílio colaborador do B. Mimoso.

Contando uns 28 anos (vejam só, na flor da vida!) ligara-se o ilustre cultor das musas à uma ilustre senhora que possuidora de alguns contos de réis, fê-lo de pobre que era, transformar-se em Rotchild!

Espirito esclarecido até o esplendor, o moço ilustre passará sem o menor esforço da vida de então para o cortinado entre laços de fitas azuis.

No céu de sua existência pompeavam, bordando-lhe o horizonte, os sonhos de poeta!

A multidão admirou-lhe as riquezas, levando-o aos postes do orgulho.

Acostumado ao chic e ao elegante, passara, como dissemos, do fide para a realização de um ideal sem nuvens…

Pouco tempo, havia ele chegado de uma academia onde recebera o grau de… quase íamos dizendo doutor…

Cavalheiro educado em primoroso salão, adquiriu-lhe o rosto uma cútis alva como a pomba casta, na mimosa frase de Raul Pompeia.

Sua alvura que nós quisermos comparar ao puro linho, dava-lhe um realce supremo, como si fosse o níveo seio de uma mulher de 15 anos.

No isolamento feliz de seu palacete achava se isento das adversidades, da moléstia qualquer que fosse, pensava consigo ao desfrutar um delicioso charuto baiano.

Pensador livre, com pequeno espaço de tempo, travou-se de rixa com os sacerdotes católicos, que procuravam guia-lo para o caminho de Deus.

Bastou este simples fato com que somente incide brilhante discussão de princípios, para fazê-lo mal-recebido pelos que professam com dedicação a religião de Cristo.

Em compensação, porém, foi sempre bem recebido pelos mais altos políticos que veem no jovem literato uma estrela a fulgir no céu da pátria mineira.

A repugnância dos povos católicos chegou mesmo a fazê-lo brigar com o próprio Deus, que, pouco a pouco, descia-lhe pelo nariz fora fazendo-o vermelho como um pimentão.

A população ao vê-lo assim, descascado, disse lá com seus botões: – Caramba, Sr. Nariz!… E o cujo, entre pelúcias e pelancas, arrufando se, assim falou de nós:

– Eles zangar-se-ão; mas lá vai obra… e escreveu à quelque chose malheur est bon. “Cruz da intendência.”

– Poeta assim só o finado Adauto, bradou lá de um canto o Neves, que, como vós todos sabeis, é um perito relojoeiro…

Assim entre traços mal delineados tendes, leitores, o motivo porque ele e o Tempo dão-se muito e se parecem muito.

Não nos admira vê-los empunhando chistosas penas para fulminar-nos com [?doestos] impróprios de cavalheiros que calçam luvas de pelica.

O que nos admira, deveras mesmo, é a bambochata do poeta republicano que há de ser, quer queiram quer não; nosso candidato à futura Constituinte, porque entendemos que a Câmara deve se compor de representantes dos diversos ramos da civilidade humana.

Não é nossa intenção castigar-lhe o português, em estilo primoroso, limitando-nos a oferecer-lhe a seguinte quadra do nosso ilustre colega Manoel sem coração:

Ao parnaso quis subir

No rival de Camões,

Mas das loucas pretensões

As musas se põem a rir;

Apolo sem se afligir

Desta arte fala ao Casmurro;

Pode entrar que não o empurro,

Já que sustentarei mais um burro!

………………………………………………

É possível, amáveis leitores, que seja ingrato o fraseado, mas nós o lembraremos a bela frase de Buffon, quando disse: O estilo é o homem.

Os padres. Itabira, 29 de junho de 1890. [A Ordem (Ouro Preto), 3/7/1890. BN-Rio]

 

 

 

Posts Similares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *