Condé – o bom ladrão
João Guimarães Rosa ao lado de João Condé, esse último segura o primeiro exemplar publicado de Sagarana |Data atribuída: Abril de 1946
Foto: Arquivo Público Mineiro/Acervo DIMUS | Coleção: Fundo Pessoal João Guimarães Rosa. SEcult
Affonso Romano de Sant’Anna
Almoço com João Condé depois de ver seu apartamento na Rua Voluntários da Pátria. Ali me mostrou: manuscritos do Fogo morto (José Lins do Rego), Angústia (Graciliano Ramos), Mitos do nosso tempo (Alceu Amoroso Lima), biografia de Rio Branco (Álvaro Lins), cartas de Sobral Pinto e Oswald de Andrade e Aspectos da literatura brasileira, de Mário de Andrade, com prefácio escrito com caneta, duas páginas.
E pastas dedicadas a cada autor. Muitas. Tem carta de Mallarmé, Casimiro de Abreu, escritores portugueses. Um tesouro. E ele contando estórias de Zé Lins, Graciliano e outros. Ali Brejo das almas, copiado à mão pelo próprio Drummond. Idem Manuel Bandeira e seu Libertinagem.
E muitos quadros na parede.
Tenho planos de poder levar tudo para a Biblioteca Nacional.
Estórias que contou:
1) Roubou um jornal do Museu Camilo Castelo Branco. Tirou-o de repente por uma portinhola aberta. Era A Pelegada, editado no Brasil contra os lusos. Na margem Camilo escreveu: “Como os habitantes de um país de merda podem falar mal de minha pátria”.
Anos mais tarde, confessou o roubo a Mário Soares, que ficou rindo (creio que perplexo).
Gostava de roubar documentos e contar.
2) Pediu a Américo Jacobina Lacombe (Casa Rui Barbosa) para examinar cartas de Rui Barbosa para uma reportagem. Américo disse que poria uma secretária ao lado para vigiá-lo. Ela sentou-se diante dele. Ele pedia uma outra pasta, outro arquivo e observava quantos segundos ela levava para atendê-lo. Indicou uma certa pasta (depois que descobriu três cartas lindas de Rui para as filhas, recomendando banho de mar para saúde). A secretária virou-se e ele roubou as três cartas. Américo Jacobina passou e perguntou como iam as coisas. Ao ver a secretária ali sentada, tranquilizou-se.
Tempos depois numa festa, disse a Américo que tinha que lhe confessar uma coisa. Confessou o roubo, mas Lacombe não acreditou.
3) Samuel Koogan, em Belo Horizonte, recebeu a visita de Condé e Carlos Lacerda. Condé ficou maravilhado com a quantidade de quadros, sobretudo de Guignard, expostos na parede. Quando Koogan se afastou um pouco, Condé arrebatou da parede um pequeno Cristo crucificado.
— Ele não notou? — perguntei-lhe.
— Ele tinha tantos, na hora nem reparou…
Meses depois Koogan vai ao Rio e chama Condé para um almoço. Lá pelas tantas, diz: “Fico meio sem jeito, mas tenho que lhe dizer que depois que você e o Lacerda passaram lá por casa, dei falta de um Guignard. O Lacerda, sei que não foi…”
Condé desconversou.
Meses depois, Koogan volta ao Rio e chama-o de novo para um almoço. Começa a falar do quadro “faltante” e lá pelas tantas diz: “Lembra daquele Guignard que sumiu lá de casa? Pois ele não pode ficar sozinho. É par desse outro aqui”, disse, mostrando a Condé uma Madona. “Trouxe-o para você.”
[Rascunho – O Jornal de Literatura do Brasil, RJ, 2017 – Pesquisa: Cristina Silveira]