Como “Uma forma de saudade”, debatedores relembram o poeta itabirano com delicadeza e emoção
Carlos Cruz
Foi aberta nessa quinta-feira (19) e prossegue até o dia 15 de junho, no hall da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA), de segunda a sexta-feira, no horário de 8h às 18h, a exposição Drummond fala, fala, fala. A exposição disponibiliza antigos aparelhos telefônicos que pertenceram ao poeta itabirano, e que, acionados por meio de dispositivos eletrônicos, transmitem ao ouvinte poemas de sua autoria, declamados pelo próprio autor.
A abertura da exposição coincidiu com o dia do nascimento de Dolores Dutra de Moraes, mulher do poeta e avó de Pedro Graña Drummond, curador e idealizador da exposição, em parceria com a equipe de robótica Drummonsters, dos alunos do campus local da Universidade Federal de Itajubá (Unifei).
A participação da equipe Drummonsters no projeto dos telefones que declamam poesia foi sugerida pelo próprio neto do poeta. Pedro Drummond conta ter passado a admirar e a torcer pela equipe de robótica desde que descobriu o seu trabalho.
“É uma emoção muito grande representar a minha família na abertura dessa exposição no aniversário da vovó, madrinha de meu irmão Carlos Manuel, que nos deixou recentemente. É uma forma de festejar a vida, a memória e a poesia que sai de Itabira e viaja pelo mundo”, festejou o neto do poeta.
A realização do projeto Drummond fala, fala, fala só foi possível depois que, em 1995, o neto Pedro gravou a voz do avô recitando poemas na secretária eletrônica em seu apartamento. “O projeto foi um desafio para os estudantes. E é também uma oportunidade de nos aproximar da comunidade itabirana”, considera o professor Juliano Monte-Mór, da Unifei.
Bate-papo acentua a pessoa carinhosa do poeta itabirano
Após a abertura da exposição, teve início um bate-papo sobre o recém-publicado livro Uma forma de saudade (Companhia das Letras), que reproduz parte do diário de Carlos Drummond de Andrade narrando histórias familiares, a tristeza de acompanhar a morte de sua mãe Julieta Augusta Drummond, das irmãs Rosa e Mariinha, dos irmãos Flaviano, Altivo, José, além da cunhada Dodora e dos amigos escritores Manuel Bandeira e Rodrigo Melo Franco de Andrade.
O bate-papo foi coordenado pelo jornalista e escritor Edmilson Caminha, com participações do neto Pedro Drummond, da itabirana Otávia Senhorinha de Andrade Müller, sobrinha-neta – e também do escritor e jornalista Humberto Werneck, que está escrevendo uma biografia do poeta itabirano.
Para Edmilson Caminha, o bate-papo foi também uma forma de homenagear a memória de Carlos Manuel, neto de Drummond, falecido em 7 de março, aos 67 anos, em Buenos Aires, Argentina, onde residia.
“Ele (Carlos Manuel) encheu de vida e alegria a existência da família Graña Drummond. Eu sou testemunha de como os netos foram importantes para Carlos Drummond de Andrade, para Dolores, Maria Julieta (filha) e Manolo (genro)”. Segundo ele, são esses detalhes (a homenagem e o fato de a abertura da exposição ser no dia do nascimento de Dolores Drummond) que tornam esse momento ainda mais especial.
Com ele concordou o neto Pedro Drummond. “A morte de meu irmão Carlos Manuel foi de uma doença que veio muito rápida. Foi uma situação semelhante à que o Carlos (Drummond de Andrade) viveu”, disse Pedro Drummond, para quem o que está no livro (Uma forma de saudade) é um pouco do que ele também sente com as perdas incomparáveis.
“A leitura desse livro me ajuda a segurar a saudade do meu irmão. Quando eu li aquelas páginas, a repercussão em meu coração foi muito grande, principalmente quando ele descreve a doença de minha bisavó. Eu senti algo parecido também acompanhando a doença de minha mãe”, relembrou com saudade da progenitora Maria Julieta.
Pedro Drummond relembrou como foi que o avô entregou o diário à sua mãe: “Olha, talvez algum dia um neto venha a ler e verá que existe um rio de sangue, uma continuidade na família”, disse Drummond à sua mãe. E foi o que ocorreu, conforme testemunhou o neto no bate-papo no centro cultural.
“Hoje, quando eu vejo fotos dos meus antepassados, sinto carinho por essas pessoas. É uma saudade inexplicável. Eu gostaria de ter conhecido essas pessoas. Com o livro descobri um pouco de nossas raízes que estão entranhadas em Itabira”, confidenciou.
Tio carinhoso
A sobrinha-neta de Drummond, Otávia Müller, recordou como era a sua relação com o tio famoso. “Para mim ele era o tio Carlos, uma pessoa carinhosa e atenciosa. Quando ele ligava para mamãe e eu atendia, mantínhamos uma longa conversa, perguntava como eu estava indo na escola.”
Otávia contou que não entendia como muitos itabiranos, quando ela ainda era criança, na década de 1970, tinham uma visão distorcida do poeta por achar que ele não gostava de Itabira.
“Aquilo me feria muito. Eu não entendia como alguém não gostava do tio Carlos, uma pessoa tão afetuosa”, indagava a sobrinha. “Drummond tinha a sensibilidade de perceber que criança também tinha vez. Era o único tio que dava atenção às crianças, os outros tios nem davam bom dia.”
É essa face humana do poeta, tão ligado à família e às suas raízes itabiranas, que ficou evidente no bate-papo em torno das reminiscências presentes em seu livro de memórias familiares e itabiranas.
“Drummond escritor é conhecido, mas o bacana é poder ouvir e falar desse personagem tão sensível. O Pedro Augusto tem sempre algo a revelar da face humana do avô Carlos”, acentuou o coordenador do bate-papo drummondiano, Edmilson Caminha.
Biografia
O escritor Humberto Werneck disse que é comum escritores escreverem diários para depois verem publicados. Mas ele acredita que essa não foi a intenção de Drummond. “Eu tenho impressão que ele quis fazer um registro para uso próprio e de seus familiares, quase que um material de memória.”
Segundo ele, os livros anteriores de Drummond têm em comum uma linguagem muito enxuta. “Nenhuma palavra está ali por acaso, todas justificam a presença. Já no diário ele solta a emoção, como uma fratura exposta”, comparou o biógrafo.
O escritor acredita que até o fim do ano terá concluído a redação da biografia de Drummond, que deve ser lançada em 2019. “É um trabalho exaustivo de pesquisa, que prosseguirá até o último dia. O livro vai entrar na gráfica e eu estarei lá acrescentando detalhes.”
Conforme a analogia que fez, não será uma pepita, uma grande pedra de ouro. Mas o escritor promete apresentar recortes de pequenos acontecimentos que permitam refazer e reconstituir a vida do poeta com mais precisão. “Será um ouro de aluvião”, prometeu o biógrafo, remetendo-se a própria história do ciclo do ouro na terra natal do poeta, colonizada pelos bandeirantes à cata do ouro aluvional que rolava do pico Cauê serra abaixo para ser bateado no córrego da Penha, onde nasceu Itabira do Mato Dentro.
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