Como grupos que puxaram atos em 2021 articulam recursos e militantes neste 7 de setembro
Membros do chamado Foro Conservador organizam caravanas com ônibus e alimentos, mobilizam redes e articulam encontros com parlamentares e autoridades do governo federal
Por Alice Maciel, José Cícero, Júlia Rohden, Mariama Correia, Matheus Santino, Yolanda Pires
Agência Pública – “Eu quero adiantar aqui o seguinte: nós já temos toneladas de alimentos, fornecidas por empresários do agro. Toneladas, 60 toneladas. E mais de 246 ônibus que nos foram oferecidos para que vocês possam ir a Brasília no dia 7 de setembro”, afirmou o militar reformado Marcos Koury Barreto, coordenador do B-38, grupo fundado por militares que defende o voto impresso.
A organização — uma dos oito que integram o chamado Foro Conservador — tem convocado ativamente seus membros para os atos pró-Bolsonaro no feriado da Independência. Segundo apuração da Agência Pública, além do B-38, outros membros do Foro, que puxaram os atos de 2021, também estão incentivando as manifestações deste ano com caravanas e mobilização nas redes, além de articularem encontros com parlamentares e autoridades do governo federal.
Criado em agosto de 2021, às vésperas dos atos bolsonaristas, o Foro Conservador reúne, além do B-38; o Movimento Agro Brasil Verde e Amarelo, formado por produtores rurais; o Brasil 200, grupo de empresários que teve entre os fundadores Flávio Rocha, dono da Riachuelo; a Marcha da Família, movimento de cristãos conservadores; o Movimento Avança Brasil, que conta com apoio do deputado federal Luiz Phillippe de Orleans Bragança (PL-SP); a Ordem dos Advogados Cristãos do Brasil (OACB), que se apresenta como um contraponto conservador à OAB; o Movimento Família Brasileira, que informa defender uma pauta pró-família; e o Reaja Brasil, que diz “ser um dos maiores movimentos de rua localizados no estado de São Paulo”.
Na época da fundação, eles enviaram um ofício ao gabinete de Bolsonaro solicitando uma reunião com o presidente e se apresentando como uma “coalizão de forças para a construção em conjunto dos próximos atos em defesa da nossa nação e das eleições transparentes e democráticas”, escreveram em carta. Segundo o documento, a criação do Foro partiu da Marcha da Família.
Em fevereiro deste ano, Koury e outros quatro integrantes do B-38 se reuniram com o chefe do Gabinete de Segurança Institucional no Planalto, o general Augusto Heleno. “Nós levamos esse assunto [do voto impresso] para o general Heleno”, disse o coronel reformado em vídeo publicado no dia 21 de junho.
Em abril, o deputado federal Celso Russomanno (Republicanos – SP) apresentou o projeto de lei 943/2022, que propõe vetar o voto eletrônico e instituir a contagem pública de votos impressos. O texto da proposta é similar ao de um projeto de lei de iniciativa popular disponível no site do B-38, assinado por Marcos Koury e Miriam Motta Gimenez, conselheira e coordenadora do movimento no Mato Grosso do Sul.
A reportagem pediu mais esclarecimentos a Koury sobre o apoio às manifestações de 7 de setembro, que confirmou a articulação feita pelo B-38, inclusive junto a lideranças do agronegócio. “Nas capitais nós vamos fazer passeatas e a pauta é uma só: o voto impresso com a contagem pública total dos votos. E apoio sim, ao presidente da República, suas pautas, porque o grupo foi erigido para reeleger Bolsonaro e apoiar os políticos que por ventura ele venha a apoiar também. Outra coisa do B-38 é que somos um grupo cristão”, afirmou.
Grupos cristãos conservadores convocam para o 7 de setembro
“Vai ser um grito por liberdade pela última vez”, diz o coordenador nacional da Juventude do Foro Conservador, Artur Jocteel, em vídeo postado pela Marcha da Família no dia 4 de setembro. O grupo, que propôs a criação do Foro, define-se como uma base de apoio a parlamentares conservadores federais e estaduais no país.
Em março deste ano, o grupo promoveu um evento alusivo à Marcha pela Família que antecedeu o Golpe Militar de 1964, segundo a Folha de S. Paulo. O ato teve a participação de expoentes do bolsonarismo, entre eles o filho do presidente e deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o jurista Ives Gandra Martins e sua filha, a secretária da Família do governo federal, Angela Gandra. Os Gandra são ligados à organização católica conservadora Opus Dei no Brasil.
Segundo a reportagem, a Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil (OACB), uma espécie de OAB conservadora, também atuou na organização do evento. Tal como a Marcha da Família, a OACB vem fazendo chamados públicos para o 7 de setembro nas suas redes sociais.
Um deles é um vídeo, publicado no dia 5 de setembro, onde a associada à Ordem Núria Gallão convoca para as manifestações. Núria é candidata a deputada estadual pelo PTB-SP e se apresenta nas redes sociais como mãe, advogada conservadora e cristã.
Outro membro do Foro ligado à Marcha da Família, o Movimento Família Brasileira (MFB), também tem chamado militantes para comparecer aos atos desde julho. O grupo é ligado a diversas entidades conservadoras, como o Brasil Feminino, a Central Brasileira de Trabalhadores e a Galeria de Heróis. O movimento se declara contra a ideologia de gênero, o aborto, a legalização das drogas e a doutrinação nas escolas.
Um dos representantes do MFB é Alex Canuto, candidato a deputado estadual pelo PROS em São Paulo e que se apresenta como servidor público federal, advogado e jornalista. Atualmente, ele ocupa um cargo de especialista em política pública e Gestão governamental no Ministério da Economia. Em um vídeo postado na página oficial do MFB, Canuto aparece convocando para um ato em 31 de julho, chamado de um “esquenta” para o 7 de setembro.
Numa audiência pública no Senado sobre ativismo judicial e separação de poderes, em 5 de julho deste ano, Canuto criticou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e apontou a possibilidade de intervenção militar após as eleições.
“Do jeito que a coisa está, se não houver transparência, o TSE não vai ter legitimidade, perante a população, estamos em risco de crise institucional. E há precedentes da intervenção das forças armadas nesses casos”, disse. A reportagem procurou o candidato, que confirmou que o MFB irá comparecer aos atos na Paulista no dia 7.
Ruralistas mobilizam ônibus, tratores e redes para atos bolsonaristas
Representando lideranças do agronegócio que apoiam Bolsonaro, o líder do Movimento Brasil Verde e Amarelo, o produtor rural Antonio Galvan e sua esposa, Paula Boaventura, se reuniram em agosto de 2021 com a então Secretária de Articulação Social, Gabriele Araújo, no Palácio do Planalto.
A reunião foi revelada pelo portal Uol. De acordo com o registro, Galvan pediu que o ofício do Foro Conservador fosse entregue ao presidente, “para que possam ser recebidos e formalizem seu apoio, inclusive em relação ao voto impresso e auditável”.
À época, Galvan era presidente da Associação Brasileira de Produtores de Soja (Aprosoja). Ele foi alvo de busca e apreensão pela PF pela participação nos atos, que pregaram invadir o Congresso e depor os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). As contas da Aprosoja chegaram a ser bloqueadas por ordem do ministro Alexandre de Moraes. Galvan se licenciou este ano da entidade para disputar as eleições. Ele é candidato ao Senado pelo PTB, no Mato Grosso.
Neste ano, o Movimento Brasil Verde e Amarelo afirmou que irá enviar 28 tratores para desfilar na Esplanada dos Ministérios, junto aos tanques militares. O movimento foi responsável por financiar outdoors espalhados na capital federal convocando a população para as ruas amanhã com dizeres: “É agora ou nunca” e “Brasileiros pelo país”.
Principal líder do movimento, Antonio Galvan informou à Pública, por meio de nota, que não está participando da organização dos atos deste ano, e que irá ao evento a convite de Jair Bolsonaro. Ele publicou na última sexta-feira, no entanto, uma postagem em suas redes sociais convocando as pessoas para o ato: “Ouvimos o chamamento do presidente @jairmessiasbolsonaro para irmos às ruas comemorar os 200 anos de independência do #Brasil e garantir a nossa #Liberdade”, escreveu.
Apoiador de Galvan, um dos líderes regionais do Movimento Verde Amarelo no Mato Grosso, Alfredo Acácio Nuernberg, disse à reportagem que cinco ônibus partiram ontem de Tangará da Serra (MT) rumo à capital federal, totalizando 250 pessoas. Elas deverão ficar hospedadas em uma casa de retiro na Asa Sul. O número de manifestantes é mais que o dobro do ano passado, quando eles disseram ter mobilizado 85 pessoas para os protestos de 7 de setembro.
No Instagram do Movimento há um post de um dos fundadores, Jeferson Rocha, do dia 24 de julho, convocando as pessoas a irem a Brasília: “Organizem-se em suas cidades, em seus estados, vamos a Brasília. Essa data é uma data nossa, do povo brasileiro. Vamos buscar unidade nacional em torno de uma mobilização ordeira, uma mobilização que vai mostrar valores e princípios que formam a família e a sociedade brasileira. Candidato à Câmara dos Deputados pelo PROS de Santa Catarina, ele disse à reportagem, assim como Galvan, não estar este ano à frente da mobilização.
Grupo de empresários faz chamado tímido para participação em atos
“Eu dizia que os empresários tinham que sair da moita. Hoje eu já digo o contrário, para ficar na moita mesmo”, disse em entrevista neste mês o dono da Riachuelo, Flávio Rocha, um dos fundadores do grupo Brasil 200 e entusiasta da campanha de Bolsonaro em 2018.
Apesar de ter saído do grupo em 2020, a fala de Rocha pode estar surtindo algum efeito: o perfil oficial do Brasil 200 — cujo próprio nome é uma referência ao bicentenário da independência —, se manifestou apenas na véspera da data sobre a participação nos atos deste ano.
Nas redes sociais do grupo, uma publicação nesta terça-feira diz “O Brasil 200 convida você brasileiro para comemorar o 7 de setembro onde quer que você esteja. Viva os 200 anos de independência”. Antes disso, apenas uma postagem de 25 de agosto sobre a convocação feita por Bolsonaro para o 7 de setembro durante um comício no dia anterior em Belo Horizonte. O presidente do Brasil 200 e sobrinho de Flávio Rocha, Gabriel Kanner, também não chamou seus 55 mil seguidores do Instagram para os atos.
Já o outro integrante do grupo, o dono da Havan, Luciano Hang, confirmou ao Valor que aceitou o convite de Bolsonaro e participará dos atos no Rio de Janeiro e em Brasília. Apoiador de primeira hora do presidente, ele era membro do grupo de WhatsApp onde empresários disseram preferir um golpe militar à vitória de Lula e exaltaram as manifestações de 7 de setembro, segundo revelou o site Metrópoles.
De acordo com o STF, nos autos da investigação foram juntadas provas e indícios de possível participação de empresários, anteriormente do grupo “Brasil 200 Empresarial” e que atualmente participam do grupo “Empresários & Política” na divulgação de notícias falsas e na organização de atos antidemocráticos.
Alguns empresários foram alvo de operação de busca e apreensão, sofreram quebra de sigilos bancários e tiveram suas redes sociais bloqueadas. Essa última medida foi chamada de “censura” por Hang, que teve sua mensagem reproduzida no Instagram do Brasil 200. Hang está com as contas nas redes sociais suspensas desde o final de agosto.
Mesmo sem Bolsonaro, grupos de direita organizam manifestações na Paulista
Apesar do presidente Bolsonaro ter confirmado que irá participar apenas dos eventos em Brasília e no Rio de Janeiro, é para a avenida Paulista que o movimento Movimento Avança Brasil — outro integrante do Foro Conservador — tem convocado sua militância. As páginas do grupo têm chamado ativamente para os atos de 7 de setembro ao menos desde julho.
Já o “Reaja Brasil” tem feito poucas publicações nos últimos meses sobre os atos em seus canais oficiais. Contudo, a organizadora do movimento, Anete Pizzimenti, tem convidado seus apoiadores para irem às ruas. Em uma das postagens, ela usa a hashtag #Avenidapaulista e #AvPaulista.
Pizzimenti, que é candidata a deputada federal pelo PRTB em São Paulo, se descreve como ativista, conservadora e “100% anti-esquerdista”. Ela concorreu como vereadora em 2020, quando convocou um ato na Avenida Paulista pós eleições alegando fraude nas urnas e dizendo que “todos os conservadores foram aniquilados”.
Em 2020, Anete estava entre os organizadores de carreatas contra o isolamento social em São Paulo. Na época, em entrevista para a Pública, ela afirmou ver uma espécie de teatro na quarentena e que os hospitais de campanha estavam vazios.