Com otimismo, como se o minério não estivesse no fim, é aberta “a maior feira de negócios da região” no parque de exposições
Carlos Cruz
A realidade que os dirigentes empresariais e políticos itabiranos vivem não é a mesma dos cerca de 20 mil desempregados no município. E certamente não é a mesma dos que vêem com preocupação o fim das reservas de minério de ferro do município, que já foi o maior Distrito Ferrífero de Minas Gerais e do Brasil, até que teve início a extração mineral na província de Carajás, no município de Parauapebas (PA), em 1985, pela mesma empresa Vale.
Afinal, o que é realidade? Os filósofos respondem que é um produto criado pelo cérebro, que faz a filtragem de informações para que se construa uma visão do mundo em nossa volta, de acordo com o nossos desejos e aspirações.
Portanto, é normal que se tenham visões diferentes da realidade. Mas as distorções não podem ser tão grandes ao ponto de ignorar a história e as projeções futuras.
Em Itabira, com base em dados atuais e passados, é possível ter uma visão comum de parte dessa realidade, aquela que tem no anunciado horizonte de exaustão mineral para pouco depois (ou até mesmo antes) do já próximo ano de 2028. Esse é um dado real, confirmado pela mineradora Vale – e que não pode ser ignorado.
Mas essa realidade, que nada tem de virtual, ao que parece, mais uma vez está sendo ignorada pelos organizadores e participantes da sétima edição da Feira de Negócios e Empreendedorismo WIN 4.0 – Caminhos para a diversificação econômica, aberta nessa quarta-feira (11) – e que se estende até sexta-feira (13), no Parque de Exposições Virgílio José Gazire. É como se não falar de determinado problema, ele deixasse de existir.
Ufanismo exacerbado
Pelos discursos das autoridades e da liderança empresarial na abertura do WIN 4.0, propagandeado como sendo a maior feira de negócios da região, a tônica foi de ufanismo, como se o fantasma da exaustão inexorável estivesse longe de ocorrer.
Para a presidente da Associação Comercial, Industrial, de Serviços e da Agropecuária de Itabira (Acita), Maria Aparecida “Cidinha” Albuquerque Bueno, o grande desafio para o empresariado local se resume a inovar e a empreender com criatividade para se tornar competitivo.
Esse “espírito” empreendedor, ao que parece, seria suficiente para que novos negócios possam surgir e salvar a economia itabirana. É como se para a dirigente empresarial o município ainda fosse um oásis de fartura de bons resultados, uma exceção dentro da realidade brasileira.
Até que foi assim por muitos anos, quando a economia itabirana se manteve, por muito tempo, alheia às sucessivas crises que afundaram o país na recessão econômica, graças à sua formidável riqueza mineral que agora vai chegando ao fim.
Com a exaustão, e mesmo com a recente crise do minério decorrente da queda recente do preço da commodity, a realidade é bem outra. A crise no município, e no país, é sem precedente. E nada indica que esteja chegando ao fim.
Tem afetado a quase todos, indistintamente, menos alguns poucos apaniguados empresários que continuam auferindo seus lucros, muitas vezes a custa do erário municipal sem a contrapartida devida pelos serviços prestados à municipalidade.
Recorrências
Referências aos avanços da economia e à evolução tecnológica da indústria criativa foram recorrentes nos discursos, como se fosse realidade já presente na conjuntura itabirana.
Isso quando na realidade, sempre ela, não passa de uma projeção do que possa vir a ser, a exemplo do atrasado Parque Científico e Tecnológico, que ainda não saiu do papel e das boas intenções.
Isso mesmo depois de a instalação do bem-vindo campus da Unifei, que seria o fomentador dessa nova realidade, ter ocorrido há mais de dez anos.
Mas para os dirigentes da cidade, a questão crucial de Itabira se resume a “sair do quadrado”, para que o futuro seja assegurado, como afirmou a presidente da Acita, na abertura do WIM 4.0. Para ela, Itabira vive um momento de oportunidades.
“Quero convocar cada um de vocês para acreditar nesta diversificação econômica de Itabira”, conclamou a dirigente empresarial, repetindo um discurso que se ouve na cidade há mais de 40 anos.
Até aqui esse discurso não tem saído das “boas intenções”, ou dos sonhos, como aqueles que foram anunciados pelo projeto Itabira 2025, lançado pela Acita no início da década de 1990, sem que tenha passado de mais uma ufanista carta de intenções.
Fé cega
Como bem disse o presidente da Câmara, Heraldo Noronha (PTB), o empresariado itabirano vive de sonhos. “O empreendedor sonha com o sucesso e chega à frente com a força, a esperança e o apoio da família. Todo empresário de sucesso ao sair de casa para as suas tarefas diárias faz o nome do Pai e pede a Deus proteção para que tenha sucesso.” Portanto, basta ter fé para se chegar ao topo do sucesso.
E está certo o vereador: os empresários itabiranos, pelo menos os seus dirigentes, vivem no mundo do sonho, não da utopia possível que pode virar realidade, mas da fé que cegamente remove montanhas – mais até que a própria mineradora Vale.
Pelos estandes de “negócios” instalados nos galpões do parque de exposições, o que se observa é a predominância do setor de serviços, das organizações sociais e de serviços como o Rotary, Combem e das faculdades (nem todas). Além disso, nada se vê que possa comprovar a existência de uma nova realidade no município.
Nada de novas indústrias, sejam as tradicionais ou as tais criativas. A exceção foi o estande da Vale que mantem o mesmo tom otimista exacerbado e fora da “realidade”. É como se mineradora não estivesse de partida, mesmo que mantenha as suas plantas industriais em operação, processando minérios de outras localidades após a exaustão das jazidas locais.
Como se observa nessa “realidade” de sonhos, a mineradora que tudo pode, deixa de cumprir com inúmeros compromissos legais e assumidos com a população itabirana. E não se ouviu na abertura do WIN 4.0 sequer um resmungo de protesto, como se compromisso com o futuro de Itabira não há por parte da mineradora.
Exemplo maior de abandono desse compromisso é o tal legado dos aquíferos que seria a grande herança da mineração exaurida, principalmente nas Minas do Meio – e que serviria de forte diferencial para atrair novas indústrias, tradicionais que sejam, para o município.
Hoje a mineradora Vale já não toca no assunto desse legado, uma vez que as cavas exauridas deverão ser entupidas de rejeitos que virão com o minério de outras cidades.
Volta por cima
O prefeito Ronaldo Magalhães (PTB) manteve o mesmo tom otimista em seu discurso na abertura do WIN 4.0, certamente empolgado com o forte crescimento que viu na viagem que fez à China no ano passado. E relacionou as “conquistas” que teriam sido obtidas pelo município.
“Itabira nos últimos dois anos tem recebido grandes atacadistas e faculdades. Estamos dando a volta por cima, com a educação, saúde e a assistência social funcionando, a agropecuária expandindo, o turismo evoluindo”, ufanizou.
Esquece o prefeito que o setor de serviços não cria raízes onde a economia não prospera. Permanece enquanto há mercado consumidor. Se esse mercado deixa de existir, desmonta as gôndolas e parte para outras praças comerciais mais promissoras.
Estranhamente o prefeito não fez menção em seu discurso à parceria que pretende fazer com o governo chinês, por meio da estatal Chinalco (Aluminum Corporation of China). Será apenas mais um sonho que se desmancha no ar?
Tomara que não. Mas está difícil acreditar nas palavras dos dirigentes políticos e empresariais desta cidade com os seus sonhos consumidos pela realidade que nada tem de virtual. É real, diferente da outra que só existe em documentários ufanistas sobre a realidade itabirana, especialmente produzidos para os chineses e os incautos itabiranos verem.
Serviço
O credenciamento para entrada na feira WIN 4.0 pode ser feito por meio do link:
http://bit.ly/ENTRADA-WIN-2019
A programação completa você acompanha na fanpage Acitaitabira e no site www.acitaitabira.com.br