Com o projeto 4ª Arte, da Unifei, professores, alunos e comunidade interagem e se comunicam

“Qualquer cidadão minimamente atento consegue identificar elementos de uma onda retrógrada que atinge nossa sociedade (…). Nós do coletivo 4ª Arte escolhemos um caminho: a transformação a partir da arte. (…). Temos uma bandeira? Não, temos várias: somos contra qualquer tipo de intolerância, por isso somos feministas e lutamos contra a LGBTfobia, o racismo, a intolerância religiosa, o preconceito social, a xenofobia e qualquer sentimento que nos separe como humanos (… ). Percebemos que um novo modelo de mineração é possível e que nossa região precisa muito disso. Entendemos que a engenharia deve estar pautada no desenvolvimento social e não na concentração de renda e no fortalecimento das grandes corporações e indústrias. (…).”

As transcrições acima não são trechos de mais um manifesto para assustar o incauto cidadão conservador – como ocorreu com o espectro do comunismo no fim do século 19 na Europa – e que ainda assombra países do terceiro mundo como o Brasil, por acreditar em fantasmas “bolivaristas” e em tudo que possa ameaçar o capital – o tal mercado.

Nada disso. Trata-se de trechos de um manifesto do projeto 4ª Arte, um coletivo de extensão universitária da Unifei/Itabira que completou dois anos neste mês e que se torna cada dia mais conhecido no município. O nome foi escolhido por, no início, os eventos do projeto ocorrerem nas quartas-feiras no campus da Unifei, mas que agora podem ser a qualquer momento e em todo lugar.

Com os Meninos de Minas teve início o 4ª Arte, na Unifei. Depois o projeto foi para aonde o povo está (Fotos: Carlos Cruz e Divulgação)

O 4ª Arte desde o início promove um intercâmbio cultural com artistas, populares, universitários, professores, funcionários – enfim com todos que ainda sonham – e não se assombram – com a possibilidade de melhorar a sociedade por meio de mobilizações e comprometimentos por um mundo melhor. E que procuram ver criticamente a realidade local e não como querem que seja vista.

Pausa cultural enquanto descansam das aulas de lógica

É assim que, de acordo com o manifesto, quando se dirige o olhar para a realidade itabirana, observa-se um município com uma das maiores arrecadações tributárias de Minas Gerais, porém sem retorno para o bem-estar social. “A consequência é o enriquecimento de uma minoria, em uma cidade negligenciada pelo poder público, com consequente escalada da criminalidade e derrocada de vários outros importantes indicadores sociais”, enfatiza o manifesto, que prossegue:

Estudantes da Unifei, e da cidade, têm encontro marcado às quartas-feiras com o projeto

“Estabelecemos uma relação de dependência, submissão e, às vezes, até de admiração por um modelo de exploração mineral agressivo que deixa um forte rastro de destruição socioambiental.”

Com o manifesto, os participantes do projeto delimitam um novo campo de atuação, que até aqui privilegiou o entretenimento, mas que agora se amplia com o propósito de fomentar também a reflexão e a transformação social. E assim, esperam contribuir para que os bens culturais e materiais gerados pela sociedade deixem de ser privilégio de minoria.

Há quem chame esse propósito de mudar a realidade de “bolivarismo”, novo adjetivo cunhado pelo conservadorismo dominante para desdenhar – e esvaziar tudo aquilo que ameace privilégios e interesses inconfessáveis.

Humanização

Nandy e Afonso, na Unifei: arte e conhecimento por um mundo melhor

O projeto 4ª Arte surge sete anos após a inauguração do campus universitário de Itabira. A sua primeira intervenção cultural foi com os tambores dos Meninos de Minas, um projeto cultural de inserção social de jovens itabiranos pela arte – com aprendizagem musical e fabricação de instrumentos de percussão a partir de materiais recicláveis.

“A nossa proposta é contribuir para humanizar a escola de engenharia e aproximar a Unifei de Itabira”, resume o professor João Lucas da Silva, um dos coordenadores do coletivo. “Já fizemos vários eventos aqui no campus e também na comunidade, como duas festas juninas na Serra dos Alves, além de parcerias com o projeto Tô Na Praça e coletivo Altamente “, enumera.

Professores e alunos se encontram e interagem com a arte

À essa trupe solidária e participativa se agregam outros grupos que se juntam para não deixar o coletivo parar de crescer e evoluir: La Trupe, Arrecadaí, Escalango, Calangodum, Engenheiros Sem Fronteiras, projetos Quinta Cultural, Rondon e Terra Nossa. “A nossa expectativa é juntar mais gente, formar uma grande rede.”

João Lucas diz que o grupo identifica o real significado de uma universidade pública com o ideal transformador da realidade. “Não estamos aqui para ficar escondidos atrás de livros e laboratórios. Podemos também refletir e propor soluções para um tanto de problemas que a cidade enfrenta.”

Inquietudes coletivas

Munidos dessa inquietude, o projeto 4ª Arte já promove debates, palestras, seminários, documentários, festivais no campus da universidade e em qualquer espaço coletivo no município com os seus parceiros, juntando as suas inquietudes com a vontade de fazer – e de não ficar parados.

Lucas e Juliana veem no programa uma oportunidade de intercâmbio cultural e social

É o caso da estudante de engenharia da mobilidade Juliana Araújo da Cunha, natural de Serra (ES). “Estou aprendendo a conhecer e a gostar de Itabira com o projeto”, admite, depois de assistir a apresentação dos músicos itabiranos Nandy Xavier, Afonso e Genésio Reis, na Unifei.

Com ela concorda o aluno do curso de engenharia de computação Lucas Alves Borges, itabirano, que também aplaude a ideia de aproximar a universidade da sociedade itabirana por meio da arte e do debate sobre diferentes temas relacionados às realidades locais. “A cidade tem uma resistência à mudança, mas com a universidade está inovando, com uma aprendizagem que é mútua”, considera.

Genésio Reis, músico itabirano, com as alunas Dora Cabral e Miriane Cruz

Participante assíduo do projeto, Lander de Souza Crispim, monlevadense e aluno de engenharia de computação, considera que a cultura “abre a cabeça”. Ele vê com bons olhos a proposta de aliar entretenimento com conteúdos socioeconômicos e ambientais. “A universidade só tem a ganhar quando se aproxima da comunidade e vice-versa.”

Arte e conhecimento

À frente da comissão social do projeto, o professor Leonardo Ferreira Reis reforça o papel da universidade não só como geradora de conhecimentos científicos e de mão de obra qualificada para o mercado, mas também como fomentadora de cultura e do desejo de mudanças.

Lançamento do documentário O lado de lá da linha, com a bordadeira Stella Guimarães, no 43º Festival de Inverno, parceria com o projeto 4ª Arte

“A ideia da comissão social é fomentar o desdobramento do manifesto político do 4ª Arte”, adianta o professor, reafirmando o propósito de atuação mais prática junto à sociedade itabirana. “Podemos, juntos, demandar e construir coletivamente soluções em diversas áreas”, reforça.

Para isso, diz, é preciso sair da linguagem tecnicista e adotar um discurso mais próximo da língua do povo. “Queremos levar conhecimento e trazer o saber popular para a universidade”, enfatiza.

Rafael Teixeira Bonato, estudante de engenharia de automação, é outro que participa ativamente do projeto. “Já estamos para levar o 4ª Arte para os bairros da cidade, a começar pelo Pedreira do Instituto”, adianta, citando a Fest@ – Feira da Economia Solidária e Sustentabilidade de Itabira como um dos projetos que deve ser levado a essas comunidades.

A liberdade é azul, vermelha, verde, rosa, de todas as cores. Bordado de Stella Guimarães

A agenda do coletivo prevê atividades também no Centro de Tradições, no distrito de Senhora do Carmo, no Parque Estadual Mata do Limoeiro, em Ipoema. Tem também participações certas nas feiras do projeto Terra Nossa,  com a temática economia solidária e desenvolvimento sustentável.

E sempre valorizando a cultura local. “Já me interajo há bastante tempo com o projeto. A galera me apoia e estamos juntos”, festeja o músico itabirano Nandy Xavier. Genésio Reis  apresentou composições autorais do CD Nativa Latina. “As minhas músicas são politizadas e provocam discussões. O ambiente aqui é propicio para isso.”

Biscoito fino

Com os novos propósitos, o projeto espera quebrar paradigmas com uma nova práxis de transformação e mudanças socioeconômicas e culturais que sejam sustentáveis e coletivamente desejadas.

Bateria Calangodum, dos estudantes da Unifei: sempre presente nos eventos na cidade

A expectativa geral é romper com preconceitos arraigados, como o machismo e a misoginia que assolam a sociedade e a maioria das universidades brasileiras – uma realidade da qual a Unifei não está isenta, sobretudo por ter mais alunos que alunas em seu corpo discente.

Isso, consequência, nesse caso, de ser uma universidade que só tem cursos de engenharia. “Mais biológicas e humanas, senhor reitor”, pode vir a ser uma outra bandeira do coletivo para o campus de Itabira. E que se deve apoiar desde já.

Oxalá para todos do projeto 4ª Arte

Além disso, com o 4ª Arte e outros movimentos culturais em curso na cidade e na universidade, quem sabe consigam, coletivamente, tonar realidade o sonho de Oswald de Andrade (1890-1954), um dos mentores da vanguarda cultural modernista do início do século passado. “A massa ainda comerá o biscoito fino que fabrico”, vaticinou, ainda sem sucesso.

Que todos, estudantes, professores, funcionários e sociedade itabirana, possam ter acesso à broa de milho. E que procurem se afastar do bregaforronejo universitário, que assim seja. E que assim, Oxalá aconteça.

 

 

 

 

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