Com o esvaziamento da ANM, municípios minerados querem assumir protagonismo na fiscalização e regulamentação do setor mineral

Texto e Fotos: Carlos Cruz

Uma das pautas mais prementes prevista para o V Encontro Nacional dos Municípios Mineradores – nessa contagem não está incluído o I Encontro Nacional realizado em Itabira, em agosto de 1984, fundamental para a organização dos municípios para o encaminhamento e aprovação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), além da extinção do IUM, substituído pelo ICMS na Constituição de 1988 – será o esvaziamento da Agência Nacional de Mineração (ANM), criada em 2017, em substituição ao Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM).

Daí que os municípios minerados querem se tornar protagonistas na formulação da política nacional de mineração, deixando de ser apenas territórios minerados que sofrem com os impactos ambientais decorrentes, sem saber se recebe o que é de direito com os royalties minerais, além de perdas decorrentes da Lei Kandir, que isenta as empresas mineradoras de pagar ICMS pela produção destinada ao mercado externo.

“Os municípios não estão mais dispostos a esperar apenas pela ação do Governo Federal. Querem assumir um papel de protagonismo”, adianta o presidente da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig), José Fernando Aparecido de Oliveira (PV), prefeito de Conceição do Mato Dentro.

Segundo ele, a intenção é editar legislações municipais específicas, como aliás já fez Itabira com a deliberação normativa do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), tornando mais restritivos os parâmetros para a poluição do ar em relação aos definidos pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).

Para assumir esse protagonismo, os municípios esperam contar com o apoio, por meio de parcerias, da Agência Nacional de Mineração (ANM), que precisa ser fortalecida, ampliando o seu quadro.

“Os municípios querem ter voz e influenciar nas decisões que afetam os seus territórios. Não queremos ficar esperando que alguém regule o que acontece em nossos municípios”, reivindica o líder municipalista José Fernando, já antecipando o tom que deve marcar o encontro nacional.

O V Encontro Nacional dos Municípios Mineradores, promovido pela Amig, será realizado nos dias 19 e 20 de setembro, no auditório do Tribunal de Contas do Estado (TCE), em Belo Horizonte, reunindo prefeitos dos municípios minerados, além de autoridades do setor mineral.

O prefeito de Conceição do Mato Dentro, José Fernando, no lançamento do fac-símile do livro A concessão da Itabira Iron, de Clodomiro de Oliveira, no Centro Cultural de Itabira

Protagonismo e extrativismo

Uma das deliberações dos prefeitos que deveria consta desse encontro, mas que não está na pauta, trata-se de mudar o nome da entidade de municípios mineradores para minerados.

Afinal, mineradoras são as empresas e não os municípios, que sofrem os impactos decorrentes da atividade, sem ter até aqui qualquer protagonismo no seu encaminhamento e ordenamento da exploração mineral em seus territórios.

Outra pauta, essa inclusa, será a grave crise que passa a agência reguladora. “A ANM, desde a sua criação, em 2017, surgiu natimorta, sem qualquer estruturação. E segue sofrendo processo de inanição. Se não ficarmos atentos, ela não vai cumprir em nada o seu papel institucional. E não sendo reestruturada, todo o segmento da mineração vai colapsar”, adverte o presidente da Amig.

Profissionais da agência reguladora, que tem a missão de fiscalizar as grandes mineradoras com as suas barragens de rejeitos, principalmente em Minas Gerais, assim como o garimpo ilegal, estão em greve desde 12 de setembro, a segunda paralisação ainda sem resultados somente neste ano.

A paralisação é parcial, com 30% do quadro de servidores em atividades. Entretanto, sem atendimento às suas principais reivindicações, a categoria não descarta a possibilidade de deflagrar greve geral.

Os municípios minerados apoiam as reivindicações da categoria. Entendem ser imprescindível o funcionamento regular da agência, seja na fiscalização da atividade com as suas barragens de rejeitos, como também na apuração dos índices que definem o pagamento da Cfem, com o justo rateio aos municípios minerados e entre os que estão em áreas de influência da atividade.

Os servidores da ANM reivindicam também uma melhor estrutura para fiscalizar a atividade em todo o país, com reposição do quadro de pessoal, por meio de concurso público, assim como melhorias salariais.

Para ter uma agência eficiente e fiscalizadora, reivindicam também o repasse integral da parte que cabe ao órgão no rateio da Cfem, correspondente a 7% da arrecadação anual.

Tema central e transversais

A hematita do pico Cauê fez a fortuna da Vale, sem as compensações econômicas e sociais para Itabira, que vive hoje o fantasma da exaustão mineral (Foto: IBGE)

Para o encontro nacional deste ano, o tema central é Mineração e Municípios: potencializando resultados e mitigando impactos. Segundo os organizadores, sintetiza e reflete a necessidade de fortalecer o papel dos municípios na regulação e no desenvolvimento da atividade mineradora.

Minas Gerais, estado que deu início à mineração em larga escala no país, com a exploração da hematita do pico do Cauê, em 1942, a partir da criação da então estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), tem urgência também em discutir, desde já, o descomissionamento das minas exauridas.

A legislação sobre o tema precisa ser revista, como bem demonstra o caso de Itabira, que já teve a mina Cauê exaurida, no início deste século, sem que a empresa abrisse a discussão com a sociedade itabirana sobre a ocupação da cava e o seu destino final, assim como de outras minas também já exauridas.

A empresa apresentou à agência reguladora, em 2013 (então DNPM), o Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira (PRFIMI), elaborado pela Tüv Süd Bureau de Projetos e Consultoria.

Nesse plano consta a proposta do Ecoparque Cauê, cujo “driver indutor” deve ser a produção de insumos terapêuticos para hospitais e indústria farmacêutica, com cultivo de plantas medicinais nas pilhas de estéril dispostas nas cavas exauridas – e também no platô da pilha Convap.

Entretanto, a mineradora não abriu a necessária discussão sobre a implantação desse plano com a sociedade itabirana, só tornando-se público depois que este site teve acesso e o publicou aqui:

Cultivo de plantas medicinais e novo hospital constam, em 2013, do Plano de Descomissionamento das Minas de Itabira

Outra questão premente é o reaproveitamento dos rejeitos de minério com teor de ferro que pode ser concentrado, tornando-se economicamente viável o seu beneficiamento para comercialização.

Além de ser esse reaproveitamento importante no processo de descaracterização de barragens, é também um recurso adicional que pode prolongar o horizonte de exaustão dos recursos minerais nos territórios minerados, como é o caso de Itabira.

O reaproveitamento dos rejeitos é outro tema que a Vale se nega a abrir para discussão em Itabira – e que é objeto de disputa judicial pelo direito de pesquisa e lavra. São temas transversais e necessários localmente, mas que tem a ver também com a necessária e urgente descarbonização do complexo minerador local.

Leia mais aqui:

Justiça dá prazo para a Vale informar à perícia quanto já lavrou de minério em área de pesquisa da Itabiriçu Nacional na mina Conceição

É importante que esses temas sejam incluídos nos grupos de discussões sobre a mineração em Minas Gerais no encontro dos municípios minerados em Belo Horizonte. A programação completa e informações sobre as inscrições para o V Encontro Nacional dos Municípios Mineradores estão disponíveis no site da Amig. Acesse aqui.

 

Posts Similares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *