Com a disposição de rejeitos nas Minas do Meio, Itabira pode perder o legado da água dos aquíferos  

A mineradora Vale, com base em estudos por ela financiados no início deste século, relacionou as opções de captação de água em Itabira – e que não contemplam apenas o rio Tanque, sempre tratado como última alternativa.

Uma das opções para o abastecimento seria um maior aproveitamento da água de classe especial dos aquíferos, apontados como sendo “os grandes legados da mineração após a exaustão das Minas do Meio”.

Na cabeceira de Itabira, na Serra do Esmeril, onde existiam as águas superficiais das Três Fontes do Pará, do Borrachudo, da Camarinha, da Chacrinha, do Moinho Velho, do Bicão – e tantas outras fontes exauridas – estão as chamadas Minas do Meio, da Vale. Da serra a Vale se apoderou para tocar adiante o seu projeto minerador, com os impactos positivos e negativos que se sucederam nos últimos 77 anos. 

Itabira, segundo informa a mineradora no extinto jornal Vale Notícias, possui dois aquíferos: Piracicaba e Cauê. Embora estejam próximos, eles não se comunicam. Essa condição foi confirmada após ser realizado o rebaixamento do aquífero Cauê, nas Minas do Meio, que, mesmo estando em nível mais baixo que a praça Acrísio de Alvarenga, não secou o histórico e lendário Poço da Água Santa.

Do aquífero Piracicaba, que fica abaixo da linha férrea, onde estão as Três Fontes, são captados 80 litros por segundo (l/s), com os quais o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) não deixa faltar água, mesmo na estiagem, nos bairros Pará, Chacrinha e Moinho Velho.

Essa forma de captação, entretanto, ao invés de ser ampliada para suprimento de água de classe especial a outros bairros, será interrompida após a conclusão das obras de transposição do rio Tanque.

Quando isso ocorrer, segundo informa o Saae no estudo de viabilidade da transposição, os poços profundos das Três Fontes e do bairro Areão servirão apenas como reserva estratégica para o caso de necessidade. Leia mais aqui sobre mais essa perda incomparável.

Com a transposição do rio Tanque virão 200 l/s, sendo que a metade irá substituir a água classe especial das Três Fontes e do Areão. Ou seja, a transposição só irá ampliar a capacidade de captação, tratamento e distribuição de água em apenas 100 l/s, já que a metade irá substituir o que hoje é captado dos poços profundos.

Reservatórios naturais

Água do aquífero nas Minas do Meio: com a disposição de rejeitos na cava, esse legado pode se perder para sempre (Fotos: Carlos Cruz)

Segundo informa a mineradora Vale em seu house organ, antes de iniciar o rebaixamento das águas subterrâneas, no início deste século, os aquíferos dispunham de 338,8 milhões de metros cúbicos de água. Leia também aqui.

Cópia da “retranca” publicada na edição 19 do jornal Vale Notícias, março de 2002

“Desde então, até outubro de 2016, data prevista para exaustão das Minas do Meio, serão bombeados 37,2 milhões de metros cúbicos, correspondentes a 11% das reservas iniciais existentes nos reservatórios subterrâneos do distrito ferrífero”, contabiliza o hidrogeólogo Agostinho Sobreiro, no jornal Vale Notícias, edição de abril de 2002.

Segundo ele, como a água é um recurso natural renovável, após a paralisação do bombeamento nas cavas, assim que as minas exaurirem, com o tempo os reservatórios subterrâneos voltam a dispor do mesmo volume existente antes do rebaixamento. Seria, portanto, o grande legado da mineração exaurida para Itabira.

Disposição

A Vale irá dispor rejeitos e estéril nas cavas das Minas do Meio. Contudo, o acesso às águas desses “imensos reservatórios subterrâneos” precisa ser preservado para que se torne, de fato e não de ficção, o grande legado da mineração para Itabira.

De acordo com estudo do Saae que embasa o projeto de transposição do rio Tanque, a Vale bombeia 1.100 l/s de água do aquífero Cauê, utilizados nas plantas de beneficiamento de minério – e também para apagar poeira nas minas e vias internas de acesso.

Esse volume de água corresponde a três vezes a disponibilidade hídrica atual do Saae, fora da estiagem, para abastecer a cidade, que é de 400 l/s. “É esse legado que estamos cobrando e que a Vale deve para Itabira”, reivindica o vereador André Viana.

O vereador e presidente do sindicato Metabase já foi nomeado relator da CPI aberta na Câmara Municipal para apurar se foram ou não cumpridas todas as condicionantes da Licença de Operação Corretiva (LOC), aprovada em 2000 pela Câmara de Mineração, do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).

No passado, em negociações com a Prefeitura, a Vale investiu na melhoria e ampliação dos sistemas de captação e tratamento de água já existentes para assegurar o suprimento na cidade. O argumento era de que não havia necessidade de captar água no rio Tanque, uma opção mais cara e dispendiosa, além de se tratar da transposição de bacia do rio Tanque para o rio de Peixe, afluente do Piracicaba.

Isso porque, segundo repetidas vezes reiterou a mineradora, com o fim da mineração, sobraria água em Itabira, justamente a que é captada dos aquíferos. A empresa chegou, inclusive, a apontar as barragens de rejeitos como sendo aquíferos artificiais, que também poderiam ser aproveitados para o suprimento de novas indústrias.

Mais rejeitos

Hoje a Vale já não fala mais nisso. Diz que irá trazer minérios de outros municípios para serem beneficiados nas plantas Cauê e nas de Conceição. Com esses minérios virão os rejeitos que serão dispostos nas cavas das minas exauridas.

Nesse futuro já próximo, a empresa não deve gerar muito mais que 500 postos de trabalho nas usinas – e quase nada a mais, além disso, já que não haverá operação de minas.

E os impostos, incluindo a Cfem, que não é imposto, mas parte da compensação pelo fim de minério, serão quase nada diante do muito que hoje o município arrecada.

Portanto, é preciso repactuar um novo acordo socioeconômico e ambiental com a mineradora, que inclua o suprimento de água suficiente para abastecer a população e atrair novas indústrias.

Fora isso, é querer que o povo pague a conta da água do rio Tanque, que está secando como a maioria dos rios por falta de mata ciliar e proteção das nascentes – além de assoreamento generalizado. O rio Tanque nasce limpo nas cabeceiras de Senhora do Carmo e Ipoema, mas já sai poluído do município antes mesmo de seguir em direção a Santa Maria de Itabira, até se encontrar com o rio Santo Antônio, em Ferros.

 

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12 Comentários

  1. É além do minério que ela extrai.ela quer acabar com a água também.aí não dá ne Vale. Até quando esses governantes nosso vai deixar a Vale mandar. Isso é um absurdo. A vale acabou com Mariana.brumadinho.e a próxima será que vai ser qual cidade???????

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