Codema cria Grupo de Trabalho para debater com a Vale Plano de Fechamento das Minas de Itabira antes que chegue o fim inexorável

Carlos Cruz

Por sugestão deste repórter, acolhida e encampada pelo conselheiro Sidney Almeida Lage, representante do Rotary, o Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) aprovou, nessa sexta-feira (12), a instalação de um Grupo de Trabalho (GT) com o objetivo de discutir com a mineradora Vale o Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira (PRFIMI). Leia a íntegra desse importante documento aqui.

Nesse plano, que a Tüv Süd Bureau de Projetos e Consultoria elaborou para a Vale, consta a proposta do Ecoparque Cauê, cujo “driver indutor” deve ser a produção de insumos terapêuticos para hospitais e indústria farmacêutica, com cultivo de plantas medicinais nas pilhas de estéril dispostas nas cavas exauridas – e também no platô da pilha Convap. E, também, a construção de um novo hospital.

A proposta é ter como ponto de partida para discussão o que está nesse plano, apresentado em 2013 ao antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) – e que tem sido atualizado de cinco em cinco anos junto à sucessora Agência Nacional de Mineração (ANM), conforme determina a Resolução ANM nº 68/2021, que deu prazo de 12 meses – portanto, já vencido – para que todos os processos vigentes de lavra atualizem o Plano de Fechamento de Mina (FPM).

Essa resolução revogou normas regulamentadoras anteriores da mineração, aprovadas pela Portaria DNPM nº 237, de 18 de outubro de 2001.

Entretanto, até mesmo pela hierarquia das leis no sistema jurídico brasileiro, que estabelece a ordem de validade e autoridade de cada norma jurídica, essa resolução não revoga a lei maior, que é o que dispõe a esse respeito a Constituição Federal de 1988.

Em seu artigo 225, parágrafo 2º, a Constituição obriga o empreendedor a “recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão competente, na forma da lei”.

Continua também válido o decreto nº 97.362, de 10 de abril de 1989, promulgado pelo ex-presidente José Sarney, que também instituiu a ação civil pública para o caso de descumprimento do que dispõe a legislação ambiental, além da defesa do patrimônio arquitetônico, histórico e cultural.

Esse decreto regulamenta artigo 2°, inciso VIII, da Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente, estabelecendo a obrigatoriedade para todo empreendimento mineral apresentar os Estudo de Impacto Ambiental (EIA), assim com o Relatório do Impacto Ambiental (Rima), submetendo-se o respectivo Plano de Recuperação de Áreas Degradadas à aprovação pelo órgão ambiental

Ou seja, toda essa legislação converge para a obrigatoriedade de apresentação pública do PFM, obrigatório para que o plano de lavra requerido seja aprovado, válido também para as minas antigas, cuja concessão de lavra é anterior a esse arcabouço jurídico, como é o caso das minas de Itabira, lavrada em larga escala desde 1942.

Conselheiros do Codema aprovaram, por unanimidade, a instalação de Grupo de Trabalho para discutir o Plano de Fechamento das Minas de Itabira, cuja exaustão já vem ocorrendo desde o início deste século (Fotos: Carlos Cruz)

Minas já exauridas

É nesse contexto que se estabelece a obrigatoriedade de as mineradoras apresentarem o PFM. A sua regulamentação busca preencher lacunas, mas não todas, como por exemplo, a que permite o casuísmo da Vale de tratar o tema de forma global e integral, ignorando e deixando de tratar especificamente das minas já exauridas, como é o caso de Cauê, em 2003, e Chacrinha em 2016.

Itabira sequer foi informada oficialmente desse fato histórico. Nessas ocasiões, a mineradora simplesmente publicou nota de rodapé em seu extinto house-organ, noticiando o encerramento da extração mineral na histórica mina itabirana.

Decidiu, sem consulta pública, ocupar a cava com rejeitos da usina Cauê, servindo também como reservatório para suprir a mesma estrutura produtiva com água nova para concentrar itabiritos.

Esse mesmo destino teve a mina Chacrinha, cuja cava foi prometida como legado da mineração para servir como reservatório de água do aquífero, que ficaria disponível em volume suficiente para suprir a demanda da cidade e atrair novas indústrias para diversificar a economia local.

Porém, nada disso aconteceu. A cava da mina Chacrinha também está recebendo rejeitos.

E somente 26 anos depois de ser estabelecida, em condicionante ambiental, a obrigação de a Vale solucionar a questão do abastecimento de água na cidade deve ser cumprida, com a transposição de recurso hídrico do rio Tanque, cujo processo de captação, adução e tratamento só deve ser concluído em 2026, se não houver atrasos.

Exaurida em 2003, a cava da mina Cauê virou depósito de rejeitos e estéril

Fórum de debates

Pois é para discutir todas essas questões e outras de igual importância para o presente e futuro de Itabira que o Codema cria o Grupo de Trabalho. Para isso, deve propor encaminhamentos práticos, a partir do que está, por exemplo, PRFIMI – e também nos planos que foram apresentados posteriormente à agência reguladora da mineração.

Trata-se de um documento estratégico para orientar a desativação segura e responsável de minas em fase de exaustão. Para isso, o PRFIMI abrange aspectos ambientais, socioculturais e econômicos.

O objetivo desse plano é assegurar o desenvolvimento sustentável, ainda com a mineração – e também  no futuro após a exaustão. Visa diminuir os impactos negativos da exaustão, com o fim de milhares de empregos diretos e indiretos ocupados nas minas, promovendo uma transição transparente, com participação da sociedade local.

É a Resolução ANM nº 68/2021 que estabelece as regras específicas para o PFM, plano esse que a Vale designa pela sigla PRFIMI, talvez um trocadilho para o fim de Itabira.

Essas regras incluem a obrigatoriedade de apresentação do plano antes do início das atividades de mineração, válido também para as minas mais antigas, como é o caso de Itabira.

Para isso, estabelece a necessidade de revisão e atualização ao longo do tempo. Deve haver também previsão de recursos financeiros para o fechamento da mina e para as ações mitigadoras e compensatórias.

Ao se aproximar a exaustão, o empreendedor deve apresentar, com antecedência mínima de dois anos da data prevista, o planejamento final para o fechamento da mina.

É nesse ponto que a Vale, casuisticamente, adota o critério de só abrir a discussão com a sociedade itabirana após a exaustão da última mina, cujo horizonte ninguém sabe quando será, nem mesmo a própria mineradora.

Atualização

Diz o artigo 3º da mesma resolução que esse PFM deve ser atualizado a cada cinco anos, medida que concerne também às minas antigas. É o que a Vale vem fazendo em relação às minas de Itabira pelo menos desde 2013, mas sem dar ciência a Itabira de seu conteúdo, que só se tornou público com a divulgação na íntegra neste site Vila de Utopia.

Com isso, essas informações têm ficado restritas ao órgão regulador e ao mercado. As sociedades estabelecidas no entorno do empreendimento minerário quase nada ficam sabendo a respeito desse importante plano de encerramento.

Essa mesma resolução da ANM impõe a necessidade de se realizar uma reunião pública, antes do encerramento das atividades minerárias, mas sem ser explícito sobre a ocasião em que isso deve acontecer, uma lacuna que precisa ser urgentemente sanada pelo legislador ou por nova resolução da agência regulamentadora.

É nessa reunião pública que o plano deve ser debatido com a sociedade, para que sejam implementadas as ações mitigadoras e compensatórias como meio de o município assegurar o seu desenvolvimento sustentável no presente e no futuro sem a mineração. É o que já deveria ter ocorrido com a exaustão da mina Cauê em 2003 – e da mina Chacrinha, em 2016.

Mais omissões

A esse respeito, a legislação estadual também é omissa. É o caso da portaria 651, de 12 de agosto de 2019, da Fundação Estadual de Meio Ambiente(Feam), que relaciona os procedimentos para a realização de reunião pública nos processos de fechamento de mina, tendo por base o que dispõe o artigo 10, inciso I, do Decreto Estadual 47.347, de 24 de janeiro de 2018.

Sem estabelecer prazos e as condições para a realização da reunião pública, diz apenas que deve ocorrer em obediência ao princípio da publicidade, conforme artigo 37, parágrafo 1º, da Constituição Federal.

E também em consonância com a Deliberação Normativa Copam nº 220, de 21 de março de 2018, que estabelece diretrizes e procedimentos para a paralisação temporária da atividade minerária e para o fechamento de mina.

Determina que o planejamento para a realização da reunião pública deve ser efetuado segundo orientação do órgão ambiental, considerando que o “descomissionamento, a recuperação ambiental e o fechamento definitivo dos empreendimentos minerários interferem na economia e na dinâmica local.”

Daí que a reunião pública deve ocorrer para tratar desse fim inexorável. Mas quando? Em que fase? Não se pode confundir fechamento de minas com o descomissionamento do complexo industrial, como postula a mineradora, São fases distintas, mas que a Vale, casuisticamente, postula para que seja de forma integral e global.

Itabira tem urgência e deve cobrar, sobre todos os meios, para que esse debate com o implemento de ações mitigadoras e compensatórias pela inexorável exaustão mineral, como já ocorreu com as minas Cauê e Chacrinha, em Itabira.

Leia mais aqui:

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E também aqui:

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