Chuva em Itabira traz alívio em meio à crise hídrica e ambiental marcada por poeira de minério e queimadas
Precipitação leve ajuda a reduzir fuligem e poluição com o pó preto vindo das minas, mas não resolve escassez de água que mantém a cidade em estado de emergência
Fotos: Carlos Cruz
“Olha, que chuva boa, prazenteira
Que vem molhar minha roseira
Chuva boa, criadeira
Que molha a terra, que enche o rio, que limpa o céu
Que traz o azul” – Tom Jobim
A chuvinha fina, necessária e prazenteira, que vem molhando Itabira e apagando a poeira de minério e as fuligens das queimadas é dádiva de São Pedro, que cai na hora certa. Desde sábado (30), começou a chover em Itabira, no início timidamente, mas já alvissareira para minimizar os danos ambientais e à saúde causados pelas queimadas, que vinham cotidianamente castigando o ar já poluído da cidade.
Com as chuvas, pelo menos provisoriamente, o município se vê livre da ação predatória dos impuníveis e nunca descobertos piromaníacos que agem durante o dia, e também à noite, colocando fogo no mato seco pelo prazer doentio de ver o incêndio se alastrar.
A umidade relativa do ar, que vinha despencando para níveis críticos, chegou a 97% na manhã desta segunda-feira (1º), com acumulado de cerca de 3 mm de chuva desde sábado, segundo dados do ClimaTempo. Embora modesta, essa precipitação já é suficiente para assentar a poeira e aliviar os pulmões dos itabiranos.
Estiagem prolongada e crise hídrica ainda em curso

Apesar da chuva, a crise hídrica em Itabira ainda não dá sinais de trégua. A cidade enfrenta uma das mais severas estiagens dos últimos anos. Agosto terminou com apenas 16 mm de chuva acumulada, índice muito abaixo da média histórica.
A escassez hídrica levou a Prefeitura a decretar situação de emergência até 30 de novembro. A Estação de Tratamento de Água (ETA) Pureza, que abastece cerca de 60% da população, teve sua vazão reduzida de 130 litros por segundo (l/s) para apenas 73 l/s. Já a ETA Gatos opera com apenas 40 l/s, metade de sua capacidade original.
O Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) de Itabira tem adotado manobras emergenciais para enfrentar a grave escassez hídrica que afeta diversos bairros da cidade, além do reforço obrigatória de 160 l/s vindo dos aquíferos outorgados à mineradora Vale.
Entre as ações estão também o uso de caminhões-pipa, redistribuição de redes de abastecimento e campanhas de conscientização voltadas ao consumo racional da água. A população é orientada a evitar desperdícios, deixando de lavar calçadas e veículos, além de reaproveitar água sempre que possível.
TAC Rio Tanque
Essa situação crítica tende a se prolongar até que seja concluída a transposição do rio Tanque, considerada a solução definitiva (sic) para o abastecimento de Itabira. No entanto, essa obra, prometida há décadas, só deve ser finalizada em 2026, na melhor das hipóteses.
Com isso, a regularização do fornecimento de água na cidade deve ocorrer com um atraso de mais de 25 anos em relação à condicionante da LOC 2000, uma medida mitigadora e compensatória que foi postergada, adiando a medida que deveria ter resolvido de forma estrutural a escassez hídrica no município.
Na época, a mineradora Vale veio postergando essa solução com a falsa promessa de que os aquíferos seriam os “legados” da mineração para abastecer a população e ainda atrair novas indústrias, a partir da exaustão de parte das Minas do Meio. Mas essa promessa ficou para as calendas gregas.
O projejto de transposição do rio Tanque só saiu do papel após a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre a mineradora Vale e o Ministério Público de Minas Gerais, firmado para evitar o ajuizamento de mais uma ação civil pública por descumprimento de obrigação de fazer.
Poeira da mineração e ações de mitigação

Com a chegada das chuvas, diminui também o risco de episódios extremos de emissão de particulados, com o famigerado “pó preto”, oriundos das minas a céu aberto a poucos metros da cidade, que é uma das menos arborizadas do país.
A mineradora Vale tem se mostrado ruim de comunicação institucional até para anunciar ações de impactos positivos para mitigar esse impacto. Entretanto, mesmo empiricamente, é visível a ampliação da cobertura de taludes das novas pilhas de estéril com gramíneas e a aplicação de polímeros biodegradáveis em áreas expostas.
Essas ações visam reduzir o arraste de poeira por ventos fortes, que são comuns nesta época de transição entre o inverno seco e a primavera úmida.
Isso, embora a emissão de poeira permaneça contínua, até aqui não se observou, pelo menos na mesma intensidade, os episódios críticos de emissão de poeira como se viu nos anos anteriores.
Espera-se que a afirmação não seja precipitada, pois ainda haverá um período de estiagem com ventos fortes até que a chuva chegue para valer a partir de outubro/novembro.
Andorinhas anunciam a mudança

Embora ainda no inverno, uma vez que a primavera só começa oficialmente em 22 de setembro, às 15h19 (horário de Brasília), segundo o Instituto Nacional de Meteorologia, a natureza já começa a sinalizar a transição entre as estações.
É o que se observa com o voo das andorinhas em bandos, rasantes e agitados como um prenúncio da chegada do período chuvoso.
A sabedoria popular reconhece esse comportamento e a ciência confirma: com o aumento da umidade e as mudanças nas correntes de ar, os insetos, principal alimento dessas aves, se concentram em camadas mais baixas da atmosfera, o que leva as andorinhas a voarem mais próximas do solo para capturá-los em pleno voo.
Além disso, esse comportamento está ligado ao início do ciclo reprodutivo da espécie, que se intensifica com a elevação das temperaturas e a chegada das chuvas. Os voos rasantes observados nessas condições marcam também o início do período de acasalamento, em sintonia com a mudança climática.
O que vem pela frente

A previsão para os próximos dias em Itabira, segundo o ClimaTempo, indica tempo instável até quarta-feira (3), com possibilidade de chuvas leves e isoladas. A partir de quinta-feira, o sol volta a predominar, e a umidade relativa do ar pode cair novamente para níveis críticos abaixo de 30% – o que exige atenção redobrada da população e das autoridades, já que as queimadas e a poeira podem retornar.
É assim que, embora as chuvas recentes tragam certo alívio, estão longe de resolver a crise hídrica. Daí que o uso racional da água continua sendo essencial, pois a cidade segue enfrentando os desafios de uma realidade marcada pela mineração, que praticamente monopoliza os recursos hídricos.
Isso até que se concretize a solução definitiva com a transposição de água do rio Tanque, que também enfrenta escassez, com seu leito assoreado pela ausência de mata ciliar em quase toda a sua extensão.