Chovendo no passado

Celina Figueiredo*

Manhã cinzenta. Névoa na serra. Cai a chuva sem cessar. Não há pássaros a cantar, nem andorinhas em seu voo primaveril. Apenas um sabiá canta choroso; talvez de felicidade.

Esse tempo me lembra a infância, o que não é nenhuma novidade; velho só tem passado, pois, no presente, mais presente é o passado. Mas que importa? Ainda bem que se tem passado vivo na lembrança. O pior é quando ele se mistura com o presente e nem se sabe mais quem é e onde está.

Olho o vazio. Já estou no passado. A chuva cai do telhado de velhas telhas coloniais formando uma cortina. Da janela, atrás da vidraça,  vejo as águas formarem uma enorme enxurrada. É o rio onde navega minha alma infantil.

Meus olhos se voltam para o pico do Cauê e não o vejo. A densa névoa o envolve com seu manto. Aos poucos, lenta, diminui a chuva. As franjas da cortina se transformam em lágrimas.

E no rio, que ainda corre na calçada de hematita, coloco barquinhos de papel que me transportam a um mundo de sonhos. Enfim, vai-se a chuva. Volta o sol a brilhar sobre as pedras azuis, tornando a vida mais bonita.

Um belo arco-íris bebe água no poço de Lia da Penha. O Cauê mostra-se imponente como guardião da velha Itabira.

De repente, a Primavera de Vivaldi me devolve ao presente. É o telefone que me chama.
O tempo continua cinza. Nem um raiozinho de sol. Não parece Primavera. Só não mais chove no meu passado, que hoje é doce saudade.

*Celina Figueiredo é itabirana, professora aposentada de português. Mora em Belo Horizonte
Foto: Miguel Bréscia

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4 Comentários

  1. Você continua sensível, utilizando palavras ternas, Celina, como nos velhos tempos, em que tive a alegria de ser sua aluna.
    Como me deliciei com a beleza desse texto saudosista.
    Continue, a nos brindar com outros…

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