Causos do Cometa
Solange Alvarenga*
“O dom de fazer ressurgir o passado é tão surpreendente e bem melhor do que prever o futuro”, escreveu Carlos Drummond de Andrade.
Este ano, o jornal O Cometa Itabirano está completando 40 anos. São muitas histórias, memórias, artigos, entrevistas, propagandas, enfim, uma diversidade intemporal que muitos tiveram a oportunidade de voar neste cometa de sonhos. A realidade de fazer um jornalismo irreverente, com arte, poesia, cinema, entrevistas reveladoras, etc. e o que há de melhor: Carlos Drummond de Andrade.
Trazia Drummond comigo desde cedo, mas foi n’O Cometa Itabirano que aprendi a amá-lo com mais intensidade. Devo à atividade exercida no jornal muito do que sou hoje.
Tudo começou quando Carlos Cruz me convidou para ser a publicitária do jornal, a primeira mulher a exercer tal façanha em Itabira. Estava desempregada, sem experiência, saindo do magistério no Colégio Nossa Senhora das Dores e fazendo teatro na cidade. Como também já conhecia todos os rapazes e moças do Cometa, e acompanhava a circulação da publicação desde as primeiras edições, gostava muito, aceitei o desafio.
A minha função era captar anúncios no comércio de Itabira. Poderia fazer os textos, criar as mensagens de propaganda e a arte era por conta do cartunista Genin. O fotógrafo Geraldo Andrade, o Xilaudo, fazia fotos.
Também acompanhei os repórteres em várias entrevistas e participei de vários eventos representando o jornal.
A viagem narrativa de tantos acontecimentos é longa e vou juntando uma série de fragmentos e recuperando eternamente esse tempo. Recordações, ora intensas, ora fugazes, de arte, cultura e jornalismo no Mato Dentro.
Trabalhei como publicitária até o nascimento da minha primeira filha, Ana, retomando as atividades alguns meses depois.
Muito mais tarde colaborei com artigos sobre patrimônio, história e turismo, inclusive produzindo o primeiro artigo sobre a Serra dos Alves, quando fazia o inventário de bens imóveis da cidade, e enfocava a possibilidade do turismo local, quando na localidade ainda só moravam nativos.
Mas voltando a publicidade, vou contar algumas histórias que são inesquecíveis para mim.
Bom, era época de eleição e hora de procurar candidatos para um possível anúncio. Criava uns textos políticos e o fotógrafo Xilaudo me acompanhava nas reuniões agendadas com os possíveis anunciantes.
Liguei para Sô Zinho, empresário de entretenimento noturno e jogos, também presidente do São Cristovão Futebol Clube, time amador de Itabira, cujos atletas eram remunerados.
Ele era candidato a reeleição para vereador. Nem deixei que ele se pronunciasse e fui falando de uma mensagem política e de uma foto maravilhosa que ele depois poderia transformar em um quadro.
O convenci com o argumento de que faríamos uma foto de pura arte para a imagem do texto publicitário. E marquei o encontro para dois dias depois, na parte da manhã.
Quando o Xilaudo e eu chegamos à sede do São Cristovão Futebol Clube, na rua Salvino Pascoal, onde hoje está localizado o supermercado Nova Europa, não encontramos o Sô Zinho.
Tínhamos que correr atrás do empresário. Então combinei com o Xilaudo para retornamos ás 15h daquele mesmo dia, pois possivelmente ele poderia estar na sede. As 15h, Xilaudo e eu chegamos à sede e fomos recebidos por dois seguranças armados. Eu disse que era do Cometa e tinha um encontro marcado com o Sô Zinho.
Fui entrando e puxando o Xilaudo, com a câmera fotográfica nas mãos. Os seguranças nos seguindo, tentando nos barrar, sem entender a minha insistência. Vi uma porta e a abri.
Lá estava Sô Zinho e algumas pessoas em volta de uma enorme mesa com pilhas e pilhas de dinheiro. Pensei, nem nas revistas de Tio Patinhas tinha visto tantas cédulas. Dois homens apontaram armas grandes para nós.
Xilaudo, vermelho, igual a camarão, tremia dos pés a cabeça. Precisei segurar a câmera. Como não conheço armas, creio que os homens portavam espingardas ou metralhadoras.
Rápido eu disse: Sô Zinho, sou Solange, do jornal O Cometa, e viemos fazer sua maravilhosa foto para ilustrar a mensagem política à sua reeleição.
Ele respondeu: – “Não precisa de mensagem e usa a mesma foto de sempre, colocando apenas meu nome e o número do candidato”.
Na saída, fomos escoltados até a porta da sede. Seguimos direto para a redação e contamos o episódio para todos. O Xilaudo ficou tão abalado que me convidou para ir ao boteco do Hélio, em frente ao BNH, tomar umas pingas e cervejas.
Aguarde, em breve narrarei novos casos que vivi enquanto trabalhava no Jornal O Cometa.
Deliciosa história, cara Solange.
Solange, você me inspira! Obrigada
“Sô Zinho, empresário de entretenimento noturno”. Gostei do eufemismo. Parabéns, Solange. Aguardo os próximos causos. Moisés!
É prazeroso para nós Itabiranos, ver conterrâneas – que amam sua terra, que gostam e buscam o desafio – dividir com todos nós suas desafiadoras experiências, nas descobertas de figuras que fazem parte da nossa cidade, graças aos olhos de lince do Carlinhos Cruz que à todo momento nos brinda de matérias de qualidade, com boas e preciosas informações.
Admiro sua postura Solange Alvarenga, no respeito à busca de informações para com os objetivos do jornal.
Felicito à toda equipe de “O COMETA”, pelo 40º aniversário.
Essas inteligências sabiam,sabem e continuam a Amar e defender Itabira.
👏👏👏👏👏👏👏👏👏