Cantigas populares

Imagem: José Assunção, do Brasil (Itabira)

Carlos Drummond de Andrade

Há uma doce sabedoria nas cantigas populares. Uma sabedoria que não magoa, e que por isso mesmo ninguém escuta. Ainda agora, no quintal do vizinho, uma voz cantava:

Ai, ai, ai!

Filho feio não tem pai!…

E há outra cantiga que diz:

Yayá, fruta de conde,

castanha do Pará!

A fruta que eu mais

gostava,

dessa fruta já não há…

Saci, Mari Salmonson, do Brasil (Petrópolis)

E outra, bem carnavalesca, nos fala:

Tatú subiu no pau!

É mentira de mecê…

Se Santo Antonio ajudou,

isso sim, que pode sê…

Lygia Clark (1920-1988), do Brasil (Belo Horizonte)

Aquela primeira cantiga, subindo entre as couves do quintal, é melancolia no seu ensinamento. Os filhos feios nunca tiveram editores responsáveis…

A segunda, que evoca saudosamente as detestáveis castanhas do Pará, tem para mim um acento inesquecível: interpreta, na sua tosca simplicidade, o sentimento da ventura perdida, que todos nós experimentamos e nem todos sabemos ou procuramos exprimir em palavras.

Voz do supremo desencanto: “A fruta que eu mais gostava, dessa fruta já não há!” que nos importam as outras frutas?

O pomar é rico e pecaminoso, porém já não acende faulhas em nossos olhos, nem desperta um tremor em nossas mãos. Ai de nós, os que pusemos a ventura no passado! Todas as frutas nos são indiferentes. Nem mesmo as achamos amargas: são apenas diferentes.

Mula sem cabeça – Fonte: Lendas folclóricas

Por último, a terceira cantiga descrê da habilidade dos tatús, e atribui o prodígio realizado por um deles à intervenção de um santo amável. É uma canção séptica e, ao mesmo tempo, religiosa. Enlaça num mesmo pensamento duas diretrizes opostas.

Duvidemos da habilidade dos tatús. Mesmo em grande número, eles não se distinguem pelo esplendor de grandes virtudes. E se algum deles, acaso, subir um pouco acima do vulgar, não nos esqueçamos: foi o miraculoso Santo Antonio que o ajudou…

Há uma fina sabedoria nas cantigas.

[Para Todos (RJ), 6/9/1924. Hemeroteca BN-Rio – Pesquisa: Cristina Silveira]

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