Câmara de Itabira reprova audiência pública do transporte coletivo antes de iniciar a tramitação do projeto que reduz tarifa de R$ 4 para R$ 3

Carlos Cruz

Sob o argumento de que antes é preciso colocar em pauta o projeto de lei de autoria do prefeito Marco Antônio Lage (PSB), que reduz tarifa do transporte coletivo urbano de R$ 4 para R$ 3, vereadores situacionistas derrubaram, nessa terça-feira (7), requerimento da vereadora Rosilene Félix Guimarães (MDB), que propunha a realização de uma audiência pública para discutir a qualidade e as melhorias necessárias para o transporte coletivo urbano em Itabira.

Rosilene Félix disse que vai entrar com novo requerimento para a realização de audiência pública após o projeto do subsídio entrar em pauta (Fotos: Carlos CruzPara que ocorra a redução da tarefa, a Prefeitura vai conceder subsidio de R$ 34,9 milhões por dois anos à empresa Cisne, válido até o fim do atual mandato em 31 de dezembro de 2024.

Antes disso, no fim de fevereiro a Prefeitura renovou por mais dez anos o contrato com a concessionária, pertencente à holding da Pássaro Verde, do grupo GA Brasil.

O novo contrato, segundo anunciou o prefeito em transmissão pela rede social, contém cláusulas que impõem melhorias gerais no serviço público, com aumento e renovação da frota.

Prevê ainda mais fiscalização e multas pesadas em caso de descumprimento das cláusulas, de acordo com novo plano de mobilidade urbana que já está sendo implantado na cidade.

Concorrência anterior

A renovação contratual se deu com base em artigo do contrato anterior, firmado em 2007, após a realização de uma concorrência pública, por determinação do Tribunal de Contas de Minas Gerais.

Segundo recorda o conselheiro Francisco Carlos Silva, representante da Interassociação no Conselho Municipal de Trânsito, a licitação teria sido dirigida para beneficiar a atual concessionária, que detém o monopólio do transporte público na cidade desde 1968.

“A licitação foi por pontuação. A empresa que tinha garagem na cidade pontuava mais, assim como relacionava outros itens como bombas de abastecimento e número mínimo de ônibus já disponíveis na cidade como vantagens competitivas”, ele recorda.

“A prorrogação do contrato pelo prefeito é legal por seguir o que dispõe o antigo contrato, que prevê a prorrogação por mais dez anos”, considera o conselheiro, que é a favor do subsidio como meio de reduzir o preço da passagem, como está no projeto enviado à Câmara – e que ainda sequer foi lido em plenário para dar início à sua tramitação.

Sem a sua aprovação, a tarifa do transporte coletivo urbano permanece em R$ 4 – e só vai cair para R$ 3 depois de a Câmara aprovar o projeto do prefeito em duas sessões consecutivas. Para isso, precisa antes entrar em pauta, passar pelas comissões temáticas, que sequer ainda foram constituídas para o próximo biênio.

Legalidade

Em relação à legalidade da prorrogação do contrato, há também dúvidas que precisam ser dirimidas. É que mesmo prevista em contrato anterior, pode ferir o artigo 175 da Constituição Federal, que determina a realização de licitação para serviços prestados sob o regime de concessão ou permissão da prestação de serviços públicos, assim como a Lei Federal 8.987/95.

Foi o que decidiu o ministro Alexandre de Moraes ao declarar inconstitucional caso similar ocorrido na cidade de Joinville (SC), em setembro de 2019, que autorizava a prorrogação de contrato de concessionária do transporte coletivo sem o procedimento licitatório. O caso coube recurso, estando sub judice, no aguardo de decisão final do STF.

Gaveta

Diguerê diz que audiência pública só deve acontecer depois das discussões nas comissões, se ainda assim persistirem dúvidas

Na decisão da bancada situacionista de não aprovar a realização da audiência pública antes de o projeto de lei que concede o subsídio para baixar a tarifa do transporte urbano entrar em pauta, pesou o argumento do vereador Rodrigo “Diguerê” Assis Silva (PTB).

Segundo ele, não faz sentido abrir a discussão com o público sem que antes os vereadores tenham conhecimento oficial do teor do projeto, com as cláusulas de melhorias gerais para o transporte coletivo na cidade.

Sem negar a importância da audiência pública, Diguerê argumentou que a audiência só deve ser realizada após exauridas as discussões nas comissões temáticas, nas quais é franqueada a participação popular. E mesmo assim se persistirem dúvidas a respeito das mudanças constante do projeto de lei dos subsídios.

“Nós não temos ainda conhecimento do teor do projeto que ainda não se tornou público (na Câmara). Como vamos discutir com a população sem ter esse conhecimento?”, questionou.

Com o argumento, de nada adiantou a vereadora Rosilene Félix sustentar que a audiência seria para ouvir o usuário sobre a qualidade do serviço prestado pela concessionária – e não sobre o subsídio e a redução da tarifa, como se isso fosse possível.

Prevaleceu os argumentos da bancada situacionista, que a oposicionista acusou de estar orquestrada, seguindo orientação de Marco Antônio Lage, “que não quer sofrer outra derrota, agindo contrário à vontade do povo, como ocorreu na audiência pública do presídio, que o prefeito não quer reabrir”, protestou.

A vereadora disse ainda que vai insistir na realização da audiência pública, devendo apresentar novo requerimento assim que o projeto começar a tramitar na Câmara.

“A audiência é importante para discutir o monopólio e a qualidade do serviço prestado. O valor (do subsídio) que está sendo oferecido (à Cisne) é exorbitante em relação ao que tem sido concedido na região. Mariana, Caeté, João Monlevade, onde a tarifa é zero, o subsídio não chega nem perto do valor apresentado pelo prefeito de Itabira”, comparou, mas sem apresentar mais detalhes.

A polêmica continua

Neidson questionou como o município manterá o subsídio nos próximos governos, caso caia consideravelmente a arrecadação municipal

O vereador Neidson Freitas (MDB), que lidera informalmente a bancada oposicionista, disse não ser contra a redução da passagem mediante subsidio.

Entretanto, afirma ser preciso discutir a capacidade financeira do município para o futuro, para que não se torne um problema para as próximas administrações municipais.

Freitas apresentou a evolução das finanças municipais nos últimos anos.

“Em 2018, no primeiro ano da administração passada, a arrecadação municipal foi R$ 312 milhões. No primeiro ano do atual governo, saltou para R$ 664 milhões e no segundo ano arrecadou R$ 935 milhões”, informou.

“Em 2018 a Vale pagou R$ 98 milhões de Cfem (Compensação Financeira pela Exploração Mineral). Já no primeiro ano deste governo pagou R$ 238 milhões e no segundo ano saltou para R$ 262 milhões. Até quando Itabira vai contar com esse orçamento para bancar o subsídio”, quis saber o emedebista, diante da iminente exaustão das minas de Itabira, ainda não se sabe para quando, apenas que será inexorável.

Balanço das melhorias

Até o vereador situacionista Júlio “Contador” César Araújo (PTB), mesmo se posicionando contrário à realização da audiência antes de o projeto do subsidio com redução de tarifa entrar em pauta, criticou o prefeito pela não realização de concorrência pública para a nova concessão do transporte público urbano. Isso mesmo com o chefe do executivo itabirano sabendo com antecedência que o contrato de concessão venceria em 28 de fevereiro.

“O primeiro subsídio de quase R$ 6 milhões foi para a empresa se recuperar financeiramente com a redução de passageiros devido à pandemia, em troca da redução da tarifa para o usuário”, fez questão de frisar.

Marcelino Guedes enumerou algumas das melhorias no transporte coletivo que estão condicionadas ao novo contrato

O petebista advoga que antes de ser aprovado o novo subsídio, é preciso saber quais foram as melhorias efetivadas pela concessionária.

“Nós convidamos a empresa, o gestor do contrato, o secretário responsável pela área a prestarem contas de quais foram os ganhos para o usuário, se houve aumento e renovação da frota. E ninguém veio à Câmara prestar esses esclarecimentos”, criticou.

“Agora chega esse projeto do novo subsidio, atropelando a Câmara que não sabe como foi a contrapartida. Precisamos abrir essa discussão do novo subsídio, e encontrar solução para esse imbróglio”, disse ele, que assim como os demais vereadores, ainda não tem conhecimento oficial do projeto de autoria do prefeito.

Marcelino Freitas Guedes (PSB), da base governista, também defende o início imediato da tramitação do projeto, que enumera e condiciona as melhorias gerais para o transporte coletivo com a renovação do contrato.

“É importante conhecer todas as cláusulas, que asseguram a melhoria do transporte e o aumento das linhas, com uma maior fiscalização do serviço público. A frota será ampliada em mais de 20 ônibus”, assegurou.

Vetão lembrou que se o projeto não for aprovado em 45 dias, tranca toda a pauta da Câmara

“Com o projeto sendo pautado, a equipe do governo virá a esta Casa para fazer a sua defesa e apresentar as explicações necessárias. A população vai poder opinar (nas reuniões das comissões) e os vereadores podem apresentar as emendas que julgarem necessárias para melhorar o projeto”, advogou.

O vereador Weverton “Vetão” Andrade (PSB), que vem exercendo ainda informalmente a liderança do prefeito na Câmara, bateu na mesma tecla da urgente necessidade de o projeto começar a tramitar no legislativo itabirano.

Ele lembrou que o projeto está “engavetado” há duas semanas na mesa da presidência, mesmo tendo caráter de urgência urgentíssima.

“Ou seja, tem que ser aprovado em 45 dias. Se isso não acontecer, todos os trabalhos da Câmara vão ficar paralisados”, enfatizou, lembrando que o usuário também fica prejudicado, uma vez que a redução da tarifa só vai acontecer após a aprovação do projeto pelos vereadores e ser sancionado pelo prefeito.

Sem parecer jurídico, projeto não entra em pauta, diz presidente da Câmara

Heraldo Noronha (ao centro) disse que projeto só começa a tramitar depois de parecer do jurídico da Câmara atestar a sua legalidade: “é complexo e tem muito dinheiro público em jogo”

Segundo o presidente da Câmara, Heraldo Noronha Rodrigues (PTB), que tem a prerrogativa de definir a pauta das reuniões, o projeto é complexo – e está sob análise do jurídico da Câmara, para que seja avaliado no aspecto de sua legalidade. E que só depois será lido em plenário, para dar início à sua tramitação.

Em suas considerações ao final da sessão legislativa de ontem, ficou clara a sua má vontade com o projeto, que, segundo ele, só concede subsídio à tarifa do transporte coletivo urbano, deixando de beneficiar também a concessionária e o usuário do transporte coletivo rural. Ele defende que haja isonomia no benefício.

“A população rural também sofre com a má qualidade do transporte, não é diferente da pessoa que está aqui na área central. O prefeito é gente boa, não podemos negar, é super educado, mas ele está devendo à saúde, com a falta de médicos nos postos de saúde, com a falta de medicamentos, com o pronto-socorro que está com ala interditada por infiltrações”, enumerou.

“Será que esse subsidio ao transporte coletivo na cidade é o melhor para se fazer para melhorar a vida das pessoas mais necessitadas”, ele questiona, criticando a não melhoria do transporte na cidade depois do primeiro subsídio.

“As pessoas continuam esperando pelos ônibus duas horas no ponto, nos fins de semana chega a esperar por quatro horas. Aí vêm as pessoas do governo pressionando para colocar o projeto em pauta sem sequer ter sido analisado pelo nosso jurídico”, criticou.

“Isso eu não vou fazer. O projeto é complexo e envolve alta soma de dinheiro público. Aqui agora (na presidência) não tem cabresto”, disse ele, mantendo-se irredutível em seu posicionamento sobre o início da tramitação do projeto do subsídio tarifário para o transporte coletivo urbano.

 

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