Bolsonaro é um capitão de milícias de letalidade comprovada
Rafael Jasovich*
O Brasil de Médici foi pior? A pergunta feita por um amigo não teve resposta imediata. Disse que iria pensar. Qual deles, o general ou o capitão, causou mais danos a este país que por diversas vezes já teve o seu futuro roubado?
São momentos históricos de natureza diferente, embora os rastros deixados pela brutalidade do autoritarismo tenham pontos de convergência.
Numa primeira avaliação, digo ao meu ex-aluno que a letalidade do atual governo é insuperável.
Os brasileiros morrem de forma indiscriminada e massiva, aos milhares, enquanto o regime de 1964 eliminou seletiva e ideologicamente.
A ditadura censurou, vigiou as pessoas, premiou a delação, fechou o Congresso, prendeu, torturou, matou e baniu os que se rebelaram.
Do alto de sua arrogância autoritária, difundiu o slogan Brasil, ame-o ou deixe-o, indicando aos descontentes a porta de saída aberta.
Muitos dos que acreditaram nesta falácia foram detidos nos postos de controle da Polícia Federal nos aeroportos e rodoviárias.
Havia listas com os nomes de pessoas e também cartazes com fotos de terroristas procurados. Mais seguro era sair clandestinamente.
Hoje esse slogan não serve mais. Talvez se pudesse dizer: Brasil, abrace-o e lute por ele.
No Brasil tomado pelos vírus da insanidade fascista combinado com o vírus de uma pandemia de alcance planetário, sequer podemos sair de casa e do país.
As fronteiras estão vigiadas porque nos tornamos exportadores de variantes do novo corona vírus. Logo, uma ameaça à humanidade.
Por descaso, incompetência, sadismo, negacionismo e desprezo pela vida, esses crimes são praticados por um governante que se pauta pelo cinismo e pelo escracho ao se dirigir aos outros. E às suas mães.
Um mito repelente que repete mentiras sem nenhum pudor. Um ser inominável que nem o rosto mostra, moldou sua face com uma máscara de látex, como se fosse um boneco, a ostentar permanentemente um sorriso desumano.
Numa escalada assustadora, o total de mortes por dia está batendo as 2.700. Há colapso na distribuição de vacinas, os hospitais e UTIs estão superlotados, idosos infectados morrem em casa por falta de ar.
No comando do caos mortífero, um chefe de milícias dotado do prazer e do poder de inviabilizar o trabalho e a vida dos brasileiros.
O nome disto é genocídio e isto é uma declaração de guerra interna. Pessoas que votaram nisto começam a declarar seu mal-estar, não acreditaram que o ódio chegasse a tanto.
Nem mesmo diante das tantas provocações e cafajestadas feitas durante a campanha, que incluíram declarações de amor ao Condottiere Mussolini.
Trata-se de pessoas da elite, gente letrada com formação superior, e não dos excluídos que esperam o miserável auxílio de emergência para sobreviver à fome.
Prisioneiros de um momento obscuro de sua história, os brasileiros marcham como sonâmbulos rumo ao desastre.
O país vive a expectativa de irrupção de um clamor que interrompa essa marcha fúnebre silenciosa. Uma assembléia convocada por instituições e entidades democráticas como a OAB e a ABI, os partidos de oposição, movimentos sociais, setores do judiciário e até organismos internacionais.
Uma assembleia que coloque em votação o direito à vida, à liberdade de associação e expressão, os direitos fundamentais do homem consagrados pela Declaração Universal.
De onde virá a convocação? Pode vir de variados lugares, das igrejas mesquitas e sinagogas, mas é mais provável que parta das mulheres, que estão assumindo a liderança em todas as frentes de lutas.
Cada autoritarismo tem seus horrores e particularidades. Na ditadura verde-oliva de Emílio Médici, a censura à imprensa e a repressão armada garantiram o funcionamento do regime.
Enquanto enchíamos os cárceres, do lado de fora tinha início a caricatura do “milagre” econômico articulado pelo ardiloso Delfim, que rubricou o AI-5 e criou o arrocho salarial.
O país estava perto da euforia e dos grandes negócios no mercado de ações, da formação dos conglomerados econômicos, da vitória na Copa do México.
Estava em marcha a fase do “Brasil grande”. Dentro dos cárceres, o mais brutal e prolongado período de repressão da História do Brasil.
Desastres não são eternos. Há uma luz nova no cenário nacional. O ex-presidente Lula readquiriu seus direitos políticos e voltou à cena com um discurso em que juntou os cacos.
Falou com sentimento e emoção da tragédia, pediu que não tenham medo dele e elegeu o capitão de milícias como o principal inimigo.
Uma luz que pode contribuir para a urgente convocação da Assembléia do Clamor, que se propõe a romper esta doentia dualidade entre um capitão e um general, farinhas do mesmo saco autoritário.
A luta é de todos nós. Fora Bolsonaro. Ditadura, nunca mais!
*Rafael Jasovich é jornalista e advogado, membro da Anistia Internacional