Aumento de combustível, de quem é a culpa? Da Petrobras?

É importante também inserirmos esta questão dos preços dos combustíveis no contexto das mudanças climáticas e o papel que o uso dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo e derivados e gás natural) tem no aquecimento global, emissão de gases de efeito estuda e das mudanças climáticas

Juacy da Silva*

EcoDebate – “O Governo Federal vai receber R$ 37,3 bilhões em dividendos da Petrobras após lucro recorde em 2021… Com o lucro recorde em 2021, de R$ 106,668 bilhões, a Petrobras vai pagar um total de R$ 37,3 bilhões só para o Governo Federal em dividendos.”

“Esses recursos pagos pela Petrobras vão para o caixa do Tesouro Federal e devem usados conforme as prioridades determinada pela União (Governo Federal)… Além disso, será distribuído ainda para a União outros R$ 53,8 bilhões em tributos federais relativos ao ano de 2021.”

“É um aumento de 79% em relação ao ano anterior. Para os estados, foram recolhidos/repassados R$ 93,5 bilhões, alta de 43% em relação a 2020. Já para os municípios foram recolhidos/repassados quase R$ 1 bilhão, 18% superior ao realizado em 2020”. Fontes: Site Carta Capital e Agência O Globo, 24/02/2022.

Essa é a estatal que o próprio Governo Federal e o Presidente da Câmara Federal e outros apoiadores do Presidente Bolsonaro dizem que está acabando com o Brasil e que pode ser investigada por uma CPI do Congresso, agindo como se fossem oposição ao próprio governo. Narrativa muito estranha e confusa.

Ao longo de sua vida política o Presidente Bolsonaro passou a ser conhecido como uma pessoa de posições e linguajar contundentes, em constantes conflitos de ideias e de visão de mundo, não apenas com seus adversários, mas também por alimentar polêmicas sobre temas e assuntos nos quais é chamado a opinar e agir, seja por dever de ofício seja como cidadão.

Uma das polêmicas em que tem estado envolvido, praticamente desde o início de seu mandato é a questão dos constantes aumentos de preços dos combustíveis e derivados, chegando, inclusive a já ter demitido vários Presidentes e dirigentes da Estatal durante esses três anos e meio de governo.

Para entender esta novela que tem sido os aumentos constantes e absurdos dos preços dos combustíveis, cujas maiores vítimas não são apenas os caminhoneiros autônomos, ou os donos de empresas de ônibus ou a classe média; mas também e principalmente as camadas mais pobres, os trabalhadores subempregados, desempregados, enfim, os excluídos de nossa sociedade, via aumento dos preços de bens e serviços, em cujos preços o aumento dos combustíveis pesa bastante e a eles são transferidos.

O que não se entende nesta questão da PPI – paridade dos preços internos dos combustíveis, aos preços internacionais do petróleo e derivados e à variação cambial é que esta PPI se aplica também ao Etanol que é produzido em vários estados brasileiros, cuja política de preços também é feita de forma monopolista pela Petrobras.

Diversos estudos têm demonstrado que os preços administrados pelo governo, principalmente dos combustíveis; da energia elétrica, dos medicamentos, dos serviços de saúde (planos de saúde), das mensalidades escolares, tem um peso significativo nos índices de inflação e no custo de vida das famílias.

Enquanto o preço dos combustíveis entre 2015 e 2021 tiveram um aumento de 114%, a inflação acumulada no mesmo período foi de 48% e o aumento do salário mínimo foi de 53,1%. Cabe ressaltar que em 2018 (último ano do Governo Temer) e 2019 (primeiro ano do Governo Bolsonaro) os preços dos combustíveis tiveram um aumento de 15% em cada ano.

Somando-se a isso, o aumento dos mesmos preços entre janeiro e maio deste ano foi em media 22%,  o que eleva o aumento médio dos preços dos combustíveis entre 2015 até maio deste ano para 134%, em decorrência do que estabelece a Resolução que institui a PPI.

Tais estudos também demonstram que a inflação pesa de forma mais cruel sobre as camadas mais pobres, de menor renda, digamos, abaixo de dois salários mínimos, do que nas camadas de média e alta renda, acima de dez mil reais por mês e que a inflação é também uma forma indireta de extorquir a “mais valia” da classe trabalhadora.

Ou seja, a inflação transfere renda das camadas mais pobres para as camadas mais bem aquinhoadas, os mais ricos da sociedade, de uma forma dupla, via corrosão do poder de compra do salário em geral e do salário mínimo em particular e via aumento dos preços de bens e serviços.

Vejamos, a seguir como se comportaram os preços dos combustíveis nos diferentes governos recentes em nosso país:

Governo Lula – primeiro mandato 4 anos aumento de 16,7; segundo mandato 4 anos -0,3% ;

Governo Dilma – primeiro mandato, 4 anos 11,6%; segundo mandato, 1 ano e meio 12,3%;

Governo Temer – mandato tampão, 2 anos e meio 12,1%

Governo Bolsonaro – 3 anos e meio, 70,6%. Previsão para os próximos seis meses, até final do mandato, se nada mudar, mais 20,0%.  Total do aumento em 4 anos de Bolsonaro: 90,6%.

A pergunta que todos nós fazemos: será que não tem alternativa para a solução desse problema, além da troca constante do presidente e dirigentes da Petrobras?

Será que a Petrobras não é o “bode que está sendo colocado na sala”?, como uma cortina de fumaça para desviar a atenção da opinião pública de outros problemas mais graves que fustigam a população brasileira ou a campanha eleitoral e as eleições que se aproximam?

Em doze meses – um ano apenas – de Governo Bolsonaro, entre março de 2021 e fevereiro de 2022, o aumento médio dos preços dos combustíveis foi de 42,7%; praticamente quatro vezes o valor da inflação acumulada no mesmo período, bem mais também do que em 13 anos e meio dos governos do PT, que foi de 40,3%.

Em quatro meses, entre janeiro de 2022 até final de abril último, o aumento dos combustíveis foi de 22,6%; bem mais do que nos oito anos do Governo Lula quando o aumento foi de 16,4%.

Para, praticamente, todos os analistas do mercado e analistas políticos, Bolsonaro e seus aliados, principalmente o presidente da Câmara e diversos líderes e dirigentes de partidos que o apoiam,  estão apenas tentando confundir a opinião pública, já que quem manda na Petrobras e indica a sua direção é o acionista majoritário, que é o Governo Federal.

É a administração direta, que tem 36% do capital social; mais o BNDES, que é um Banco Público Federal, também dirigido pelo Governo que indica sua direção, que tem mais 12% do capital social. Ou seja, o governo federal detém 48% do capital social e 64% do capital votante da Petrobrás.

O Governo Federal, por deter 48% do capital social e 64% do capital votante é o maior acionista e é também quem fica com a maior fatia dos lucros, dividendos e impostos pagos pela Petrobras, lucros esses oriundos, basicamente (não exclusivamente), pela venda de petróleo e derivados, a quem cabe determinar os preços, seguindo, conforme base legal, a variação do preço internacional do petróleo e também a variação cambial, como manda a PPI.

De Janeiro de 2019, quando teve início o Governo Bolsonaro até julho próximo, a Petrobras terá repassado aos cofres do Governo Federal, entre impostos, dividendos e distribuição de parcela de seus lucros, a importância de R$492,5 bilhões de reais.

Isto, ou seja, o que Governo Federal tem feito com esses bilhões de reais recebidos da Petrobras, o Presidente Bolsonaro e o Ministro Paulo Guedes  não falam e nem mencionam em seus pronunciamentos.

Resumindo, quem é dono da Petrobras, quem manda na Petrobras, quem mais lucra com a Petrobras não é o povo, os contribuintes, a população, mas sim o Governo Federal, a quem cabe tomar as decisões políticas e técnicas relacionadas com a vida da Estatal, o resto é cortina de fumaça, é blá, blá, blá; é lero-lero; ou como costuma-se dizer, “é conversa mole pra boi dormir”.

O Presidente Bolsonaro tem e sempre teve apoio da maioria absoluta dos parlamentares no Congresso Nacional, tem poder para editar medidas provisórias, para enviar projetos de Lei ao Legislativo, poder para baixar/editar decretos e tantos outros poderes.

Se não usa desses poderes para resolver esta pendenga do aumento de preços dos combustíveis é por alguma razão que desconhecemos, e, de outro lado, seu governo ganha com esses aumentos de preços dos combustíveis que geram lucros absurdos e alimentam o Tesouro Nacional e o BNDES, que fazem parte da estrutura do Governo Federal.

Solução, pelo menos temporária e emergencial, existe. O Governo Federal poderia criar um fundo de estabilização dos preços dos combustíveis e da energia elétrica, usando o total ou parte dos lucros, dividendos e impostos que a Petrobras repassa para o Tesouro Nacional e o BNDES e com esse fundo, poderia destinar recursos aos setores de transporte de passageiros: ônibus; táxis e carros de aplicativo, transporte de cargas.

Evitaria assim que os preços desses setores fossem repassados para os consumidores e usuários dos transportes coletivos e, também, aumentar o valor do auxílio gás, reduzindo o impacto da inflação e do aumento isolado de preços desses setores, sobre as camadas que mais sofrem, que são a classe média,  os trabalhadores, os pobres e famílias de baixa renda.

Esta é, inclusive, a proposta e manifestação feita pelo Deputado  Federal Nereu Crispin (PSD-RS), que, como representante dos caminhoneiros no Congresso Nacional, solicitou ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que coloque na pauta, em regime de urgência, o Projeto de Lei que cria o Fundo de Estabilização dos preços dos combustíveis e suspende a Resolução 05 de 2017, aprovada durante o Governo de Temer, que criou o Preço Paridade de Importação (PPI), atrelando tais preços à variação cambial e à variação internacional dos preços do petróleo.

Portanto, nem o presidente da estatal, como quer Bolsonaro, e nem a administração da Petrobras tem liberdade para mudar esta Resolução, sob pena de serem responsabilizados por tal alteração, diante do que a proposta de uma CPI para investigar a Petrobras feita publicamente pelo presidente é mais um equívoco dessa narrativa.

Se houver alguma suspeita de mal feitos por parte da administração da Petrobras o Governo Federal, em sendo acionista majoritário e em tendo vários instrumentos investigatórios ao seu dispor como CGU, AGU, o Ministério da Justiça, o CADE, a Polícia Federal, as auditorias internas e, indiretamente, o TCU e a Procuradoria-Geral da República que podem ser acionados, tem, enfim, todos os mecanismos legais diretos, sem necessidade de apelar para uma CPI que é, fundamentalmente, um instrumento politico das minorias, de difícil encaminhamento e, cujos resultados, muitas vezes são demorados e de pouco alcance.

O Deputado Crispim vai mais além e disse que perante os caminhoneiros o discurso, a narrativa do presidente Bolsonaro soa como uma falácia, quando “ele (Presidente) tenta responsabilizar terceiros, quando a solução está em suas mãos”.

Antes de concluir esta reflexão é importante também inserirmos essa questão dos preços dos combustíveis no contexto das mudanças climáticas e o papel que o uso dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo, derivados e gás natural) têm no aquecimento global, emissão de gases de efeito estuda e das mudanças climáticas.

Há várias décadas, bem mais do que meio século os governos nacionais, inclusive o Brasil, gastam verdadeiras fortunas com subsídios aos combustíveis fósseis, tornando o seu preço artificialmente bem abaixo do que seria se não houvesse subsídio, aumentando, em consequência o uso dos mesmos.

Entre os dias 24 e 25 de setembro de 2009, em Pittsburgh, EUA, na reunião dos países que integram o G20, os países mais ricos do mundo, inclusive o Brasil, que são responsáveis por 79% de toda a poluição do planeta e pela emissão desses gases de efeito estufa, inclusive pelo uso dos combustíveis fósseis, firmaram um acordo comprometendo-se a reduzirem significativamente, até 2020, esses subsídios.

Só que até a última reunião da cúpula do G20, realizada no final de outubro de 2021, em Roma, Itália, a constatação é que os subsídios ao uso dos combustíveis fósseis continuam e, praticamente, nada do que foi acertado no Acordo de Pittsburgh em 2009 foi realizado.

Assim, qualquer alternativa que o Governo brasileiro tentar como forma para estabilizar ou até reduzir, artificialmente, os preços dos combustíveis, seja por tabelamento puro e simples; seja via aumento dos já bilionários subsídios, se por um lado favorece os consumidores, por outro lado, na verdade facilitará o aumento do consumo dos combustíveis, aumentando seus efeitos negativos no meio ambiente, inclusive no aquecimento global e nas mudanças climáticas.

Mesmo com os preços dos combustíveis nos níveis atuais que geram uma gritaria danada, além de muita demagogia e improvisação por parte dos governantes que não encontram saídas verdadeiras para esta “crise”, o Brasil  gastou R$ 521 bilhões em subsídios entre 2018 (último ano do Governo Temer) e o ano de 2022, dos quais R$ 436 bilhões até o final do Governo Bolsonaro.

Enquanto isso, o orçamento do Ministério do Meio Ambiente tem um orçamento extremamente minguado para as atribuições que lhe compete na implementação da Política Nacional do Meio Ambiente, menos de 5% do valor dos subsídios concedidos para promover mais degradação ambiental.

Como podemos perceber esta é uma questão delicada e extremamente complexa, que precisa estar inserida no contexto de uma política ambiental global e de longo prazo. O imediatismo, tendo em vista as próximas eleições, pode contentar momentaneamente a população, mas trará sérias consequências na crise socioambiental de longo prazo.

Cabe, finalmente, ressaltar que a solução verdadeira, como consta do Acordo de Paris e outros acordos internacionais são medidas concretas para por fim (acabar) ao uso dos combustíveis fósseis que tanto degradam o planeta, por fontes renováveis e limpas de energia, como a energia solar, a eólica, o hidrogênio.

Enfim, são alternativas coerentes com a sustentabilidade e um maior cuidado com o Planeta, nossa Casa Comum, como tanto tem enfatizado o Papa Francisco e os movimentos ambientalistas no Brasil e em diversas partes do mundo. Assim, a discussão sobre aumento do preço dos combustíveis será um assunto do passado.

Enfim, parece que estamos assistindo mais um capítulo de uma novela que se arrasta por bastante tempo cujo final ainda vai demorar alguns meses, anos ou até décadas. No entanto, a população almeja que tudo isso seja devidamente equacionado para o bem de uma vida planetária mais saudável, para as atuais e as gerações vindouras.

*Juacy da Silva é professor universitário aposentado, sociólogo, mestre em sociologia

 

 

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1 Comentário

  1. Indiferente aos dividendos gerados pelo sempre caro combustível no Brasil, a Petrobras foi criada por volta de 1937 após a campanha “O Petróleo é Nosso!” capitaneada por Monteiro Lobato e que quase tomou cadeia por isto a mando do ditador assassino Getúlio Vargas.
    Portanto, a Petrobras foi criada com os impostos pagos por nossos avós.
    Já em 1973, o Brasil não tinha conhecimento de petróleo no território e veio a primeira crise dos combustíveis com alta nos preços.
    Depois em 1979, o Brasil engatinhava em alguma prospecção de petróleo veio a segunda grande crise dos combustíveis e os preços simplesmente dobraram.
    A partir daí iniciou-se a prospecção de petróleo em alto mar e isto foi custeado com os impostos pagos por nossos pais.
    Após foi desenvolvida a tecnologia para poços profundos a 7 quilômetros e aí essa tecnologia foi paga e financiada pelos impostos que nós mesmos pagamos.
    É um absurdo com muito abuso da Petrobras essa política de paridade de preços internacionais que ela pratica a fim de atender somente o interesses dos acionistas, mesmo que o próprio Brasil seja o maior acionista e grande recebedor desse dinheiro.
    Portanto, é sim esta responsabilidade dos preços dos combustíveis mais alto no Brasil, pois quem manda lá só quer saber dos proventos dos dividendos como diretor ou presidente e ficar na vida boa e utiliza os veículos da Petrobras no seu dia-a-dia e não gasta nada do seu em postos de combustíveis.

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