As peias soltas da CVRD na construção da ignomínia

Maria Cristina Silveira, da Glória/Rio

“A surpreendente e magnifica solução de um dos mais importantes problemas nacionais”, é uma matéria que a Vila de Utopia replica do jornal O Passarela, editado pelo jornalista Felício Brugnara, irmão do querido Nilo, da pracinha do Pará, e que completou 50 anos de circulação ininterrupta, o mais longevo hebdomadário de Itabira do Mato Dentro.

O artigo ufana um ano de expropriação das terras do município de Itabira e do vale do Rio Doce. Onze anos depois o escritor, crítico literário, Waltensir Dutra visita a Itabira do poeta e descreve as suas impressões da cidade:

“Itabira é uma cidade difícil.  O contraste violento que o forasteiro desavisado encontra logo ao entrar na cidade, dificulta a aproximação. Pelas ruas estreitas e empoeiradas, cujas casas, de tão mal conservadas dão a impressão de que vão desabar, transitam em média, duzentos e cinquenta caminhões no transporte do minério de ferro. O aspecto de decadência das ruas tortuosas não se harmoniza com o movimento de veículos.”

“Depois, é a topografia que dificulta uma noção do conjunto. Itabira é, praticamente, uma rua comprida que dá volta ao morro. Daí as perspectivas que oferece serem sempre incompletas, e só de avião é possível ter-se uma visão panorâmica da cidade. Já disseram que Itabira se oculta atrás dos morros”. [Waltensir Dutra, 1953. Aqui na Vila de Utopia edição de 29/9/2019]

A mineração é um fardo na corcunda da cidade, a seu dispor. Não vai acabar nunca. As minas são infindáveis, o Ceomar Santos já dizia que o minério é perene. Se perene, não posso afirmar, mas, mineração mata vidas humanas, destrói o meio ambiente, é público e notório. De pai pra filho e as minas não exaurem.

Tutu Caramujo cismou. O professor estudou e concluiu: “um monstruoso truste, dono absoluto das nossas jazidas de ferro, que serão dizimadas pela exportação, através de uma via férrea de concessão perpétua. Sem nenhum proveito para nós, uma corrente de ouro descerá silenciosamente o vale do Rio Doce, para ir alimentar no estrangeiro uma indústria pujante, sem a qual os povos modernos não podem ser independentes, política e economicamente”. [A solução do problema do ferro, de Durval Bastos de Menezes, Cia Editora Nacional, 1938]

Paredão da rua Tiradentes, no Centro Histórico de Itabira, 1935. No destaque, panorâmica de Itabira em 1899 (Fotos: IBGE)

A surpreendente e magnifica solução de um dos mais importantes problemas nacionais

A Companha vale do Rio Doce S.A e a grandeza de uma missão histórica e econômica

Por várias vezes e durante muitos anos transitara pela Câmara dos Deputados, chegando a tornar-se famoso, o contrato Itabira Iron, não obstante, despertar sempre a opinião pública e malgrado as calorosas discussões que suscitava, referentemente ao mesmo, parecia pesar uma influência fatal e estranha contra os legítimos interesses nacionais.

Como não se conseguia, pois, chegar-se a um termo numa questão quase de todos conhecida, tão debatida na imprensa e na tribuna, e que aberrava, na sua própria permanência, contra a economia, a independência e mesmo a segurança do país?

O desanimo e desilusão geral seriam justificáveis, não fosse a lembrança animadora de algumas vozes privilegiadas que, interpretando o verdadeiro sentimento nacional, iam continuando nos seus debates.

Entre eles, na Câmara dos Deputados, achava-se a voz do deputado Getúlio Vargas cujo o parecer dado em 1926 sob a matéria é uma peça digna de ser recordada como exemplo do mais são patriotismo. E daquela coincidência teve o brasil a sorte de haver tirado do problema uma profunda e sólida experiência o seu futuro e grande presidente.

Assim, é que, em 1939, pondo um fecho magnifico e surpreendente em toda aquela velha questão, decretava o senhor Getúlio Vargas a caducidade do contrato da Itabira iron. O brasil premiava-se com grande parte de suas riquezas e, dali por diante, podia considerar-se com as peias soltas para o seu grande progresso merecido, ao lado das nações ricas, independentes e civilizadas.

Autoridades civis e eclesiástica reunidas na estação ferroviária Presidente Vargas, atual Itabira do Mato Dentro (acervo: IBGE)

Medidas outras de suma importância continuavam sendo tomadas referentemente ao desenvolvimento da nossa indústria siderúrgica e a exploração dos nossos minérios, a isso vindo incluir-se, como uma das benéficas consequências da Missão Souza Costa aos Estados Unidos e à Inglaterra, a criação da Companhia Vale do Rio Doce, de grande importância econômica nacional e que, no amplo de sua finalidade, não poderá ser relatada em poucas linhas apenas.

Todavia o sentimento de todos os brasileiros o pressente, mormente na quadra de guerra que o mundo atravessa e em que o minério de ferro é, pode-se dizer, o ponto capital das maiores garantias e decisões.

À Companhia Vale do Rio Doce S.A., foi atribuído o direito de exploração e exportação do nosso minério, de jazidas outrora em mão de terceiros cujos interesses bem longe estavam de ser os interesses do Brasil.

Incorporando-lhe um vasto patrimônio do qual consta o que representa a Estrada de Ferro Vitoria a Minas, colocou o governo a nova organização à altura de desenvolver-se amplamente dentro das grandes responsabilidades que foram atribuídas.

E os nomes que encabeçam, a exemplo do dr. Israel Pinheiro, seu presidente, são bem um testemunho da sábia inspiração e do sábio patriotismo do sr. Getúlio Vargas, que vem abrindo, com a sucessão de seus atos magníficos, uma nova história de capacidade e de progresso para a nacionalidade.

A resolução do nosso problema siderúrgico, no seu todo, como vem sendo feita, constitui, não resta dúvida, o alicerce para todas as nossas futuras e maiores grandezas.

[In. Anuário Brasileiro de Literatura, RJ, n.6, 1942. Consulta: Biblioteca Rodolfo Garcia, ABL /Carteira de Leitora n. 9370-pesquisa Cristina Silveira]

 

 

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5 Comentários

  1. No Rio de Janeiro, a polícia e o governador Claudio Castro, o assassino governamental, não se censuram na covardia dos assassinatos, já as mineradoras matam lentamente, dia-a-dia, de modo que não se perceba, Mariana e Brumadinho foi esculacho total pro mundo inteiro saber de nossa submissão, de nosso convíviocom a morte, sem nenhum remorso de consciencia

  2. É tão triste mergulhar nas profundezas do Mato Dentro da Itabira Oirocentista e perceber que a cidade próspera, construída pelo “gênio industrioso do itabirano” se perdeu nas promessas de ouro de tolo da mineração em larga escala. A cidade cresceu? Cresceu. Trouxe desenvolvimento e riqueza? Trouxe. Mas pra quem? A que custo? E até quando?

  3. queridamaura, como você está?
    O problema maior é industrialização das mentes. Os donozinhos do poder são filhos da madrasta e as células cinzentas dessa gente foi britada, então eles pensam como subalternos da mineradora e o pior, se acham…. e não leram Os homens de ferro, de Cecília Minayo.
    Uma outra coisa Maura, a Vila de Utopia está construindo uma Plataforma digital “Itabiranas”, a fonte dela são os periódicos da hemeroteca da Biblioteca Nacional Rio. Então se você se interessar por algum assunto para os seus estudos podemos procurar para você, é só falar com o Carlos, nosso editor.
    E fique bem, com máscara!

    1. Olá, Cristina,

      Estou bem! Espero que você também esteja. Essa fase difícil da nossa história recente há de passar. Vamos de mãos dadas. Obrigada pelo apoio e carinho! Um abraço!
      Maura

  4. É triste a constatação de todos esses fatos, todas as perdas dos itabiranos para quem realmente usufrui do nosso minério de ferro.
    Itabira foi o grande laboratório de mineração a céu aberto da CVRD e, realmente, Mariana e Brumadinho foi o esculacho, pois o que fizeram aqui em setenta anos, fizeram nessas outras entristecidas localidades em poucos minutos.
    E, o maior trem do mundo levava minha terra para a Alemanha, para a Áustria, para o Japão e agora todinha para a China…

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