As dores de cotovelo nas cartas de Baptistinha ao primo Raul
Ilustração: Paula Regis/Almanaque do Batistinha
Em 2006 eu estava em Itabira. Fui dar um rolezinho: sai da rua doutor José de Grisolia na rota da rua Tiradentes. No meio do caminho a indispensável parada na Alfaiataria do seu Chiquinho – costura e memória – iluminada com a presença do valoroso Aníbal Moura e do Zezinho (José Martins da Costa Lage), irmão do doutor Antônio Lage Martins da Costa, O Erudito.
Foi um dia lindo em que recebi presentes dos velhos homens da Cidadezinha.
O Aníbal ofereceu-me um mapa poético do Cauê e o Zezinho, xeroques de cartas de escritas pelo Baptistinha (José Baptista Martins da Costa), enviadas do Colégio Caraça, de Vila Rica e Ouro Preto, ao primo Raul Martins da Costa.
De lá pra cá viajaram em bruacas presas no lombo de burros por entre as picadas na mata da Serra do Espinhaço (os mais belos campos de sempre-vivas das Minas Gerais).
São lindas cartas de um homem cordial, inquieto e ardoroso.
Uma curiosidade: em Itabira ainda vive Baptistinha, incorporado numa parte das células cinzentas de um tal Altamir José. (Maria Cristina)
Meu caríssimo primo,
Nos primeiros tempos que aqui cheguei este primo te escrever dois cartões postais dos quais não tive noticia, o mesmo acontece com Todinho, não sei se recebeu-os ou talvez fosse por falta de tempo; pois o tempo é dinheiro e este não se deve perder, não é assim? Mas nem tanto, assim também é exagero pois, deveras andas tão ocupado que nem 2 ou 3 minutos de folga tens para comunicar com um amigo solitário do deserto!
Porém, agora sou eu quem te peço, não me responda esta, a não ser por intermédio de algum portador direto que vem daí. Este portador que me refiro, vem por minha causa própria. Ele virá, do contrário… não sei. Ele virá pela razão seguinte:
Desde que aqui cheguei, notei que o colégio estava escalando para o péssimo – do mau ao pior, e só agora é que resolvi sair desta… grande… grande cousa boa: resolvi a pedir condução por muitas razões.
Peço-te que não contes nada a ninguém a respeito do que vai nesta cartinha, nem que eu hei de chegar aí nem o que verás mais adiante.
Ainda não escrevi para casa pedindo condução, pretendo fazê-lo hoje. Vou te pedir um favor, antes do qual peço-te inviolável segredo, por aí não é grave, mas no Caraça é quase caso de expulsão. Ei-lo: si veres mesmo que vem condução para mim, peço-te entregar ao condutor 2$000 em cigarros dos mais baratos que aí houver e 1 metro de isca. Estes objetos são para uns meus colegas fumantes que vivem a procura disto e com muito custo arranjam de quando em quando. Deves primeiro do que tudo dar as seguintes lições ao condutor: entregar-me, em minhas mãos próprias; (2⁰) não deixar ninguém, absolutamente ninguém do colégio (criados e padres) desconfiar que traz estes objetos e fazer o mesmo com a carta que por ventura minha me dirigirás; (3⁰) cumprir escrupulosamente estas regras necessárias para o presente caso. E no mais silêncio absoluto.
Recomendações a todos e todas.
Já deves estar bastante amolado, por isso vou terminar pedindo ainda que aceites um saudoso amplexo e desculpar as faltas que involuntariamente, por acaso, eu tenha cometido.
Do teu amigo, primo e credo fiel que sempre está as suas ordens e dos mais amigo.
Baptistinha
PS: Os padres d’aqui leem as cartas que saem e que chegam, mas esta sairá sem eles verem. Recomendações aos amigos Joãozinho Rosa, Juca, Todinho, enfim toda a nossa rapaziada…
Caraça, 2 de outubro de 19…
Claríssimo Luar,
Já te dei, há poucos dias os parabéns pelo jubiloso aniversario de teu nascimento, cumpri assim o meu dever, portanto agora passemos a outro assunto; na carta de poucos dias passados, disse-te que ia escrever para casa pedindo condução, assim o fiz, mas os…os coroados não deixaram n’a passar; quanto aos cigarros podes aproveitar o melhor portador, mas que venha diretamente aqui, afim de me entregar em mãos próprias. Pagar-te-ei depois.
Peço-te dar recomendações a todos da tua casa e aos outros meus amigos d’aí e tu com Todinho que aceitem um saudosíssimo amplexo do maior amigo
Baptistinha
Raul – Não podes imaginar as saudades que tenho de… de minha gente aí por perto.
Pensei em sair d’aqui por causa destas saudades, causa principal que já falei na carta.
Todos os dias lembro-me de…de seu ou vizinha etc.
O Baptistinha
Todos os dias lembro-me de…de seu ou vizinha, etc.
Villa-Rica, 25 de maio deste ano
Meu caríssimo Primo,
Prepara-te para ler, formaliza-te.
É muito grande a amolação. Bem começastes?
Então vamos avante! Avante!
Raul, recebi com grande prazer a tua carta e com grande pesar li-a toda; a má noticia que me deste fulminou-me como si fora um raio expelido do coração colérico daquela que ousei dizer minha amada tornara me facínora formidável para fazer em pedaços a corda sensível mais querida de um coração pobre.
As saudades que tanto tinha della, tornar-se-ão simples pensamentos sinistros que me acodem dia e noite na paupérrima cachola deste teu infeliz primo. Não pensava de ser tão infeliz em amores como acabei de ler na tua primeira edição, de tantos dias anunciava.
Realmente! Sinto definhar-me as forças, e as minhas paixões vão me torturando sempre e sempre.
Não julgava-a como tão severo juiz, que ela fosse tão infiel! Deixemo-la em paz. Seja ela feliz com o novo amor.
Uma queixa somente não deixo de ter de ti também: no teu cartão perguntava-me se já tinha outra! Que pergunta, duvidara de mim então?! Mas, mas…isso “transeat.”
Moças por aqui não faltam, e bonitas! Belas como os amores! Si eu quisesse já teria conquistado algumas; porém, sou duro e firme; quando tenho uma não quero ter mais, não quero ser polígamo; casar-me com muitas enquanto dura a 1ª ?! Isto não, resumo: não quero ser criminoso.
Não desejo também unir-me a uma moça fora de minha terra ou de suas cercanias. Refrão: “quem ao longe vae casar ou se enganar ou vae enganar.” Sou sincero; orgulho-me disso e não tenho modéstia em dizê-lo.
Não engano a amigos e nem a moças: quando sou amigo, está dito, isso acredito também de ti; e quando namoro a uma jovem é para possui-la desinteressadamente como minha esposa, e gozar da sua presença como a de um amigo sincero, ou melhor, a de uma irmã.
Bom! Raul, adeus! Creio no que me disseste, mas, não torno assim, sem muita razão inimigo da Ita (sujeito de minhas orações). Desejo-a ainda todo o bem e que seja feliz com o novo amante. Duvido, porém que o Julio queira-a tanto, volúvel como é ele! Um feitinho para o outro: Volúvel ambos!!!
O Julio é somente material.
Desculpe, Raul, querido primo. Sou como o amolante, ou próprio amolante que, depois de dizer adeus fica mais boa meia hora cantando suas amarguras. Porém, todas estas cantilenas são nascidas de uma doença – a terribilíssima paixonite, paixonite horrível! acutíssima?
Adeus, mais uma vez adeus!
Amplexa aos amigos e pede por mim a bençam da minha madrinha.
Do triste amigo e primo dedicado.
BAPTISTINHA. JARTO
Podes mostrar esta carta a ela e ao seu mentiroso amante o Julio e agradeça-o por mim.
Ouro Preto, Pensão Acadêmica, 7-V-909
Meu inesquecível amigo.
Sinto muito ter passado tanto tempo aqui em Ouro Preto sem dirigir-te umas poucas palavras. Si eu tivesse te escrito no dia em que aqui cheguei, com certeza já teria recebido uma cartinha tua. Foi uma formidável dor de dente que me não deixara cumprir o dever sagrado. Só hoje é que tive licença de sair à rua para fazer as minhas compras.
Mas, … que de lenga-lenga sem fim!!!
Vamos ao nosso assumpto predileto!
Desejo ter notícias tuas e do meu Anjo; tem feito alguma diferença que notaste?
Já te suavizaste com o doce perfume de seus lábios? Já ouviste-la pronunciar o nome do que mais a adora? Não precisa estar oculto o nome dos que mais aprecio: Senhorinha Ita.
Desejava ter uma pena de ouro com o bico de brilhante, e tinta exalando perfume como a tristonha violeta para desenhar este nome SENHORINHA ITA.
– Eu tenho experimentado o que é ruim!
Já sendo farmacêutico e por conseguinte semi-doutor, digo-te que podes te ausentar da tua querida Dor quanto quiseres, porque saudade por mais forte que seja, não mata; si matasse?
Ora, si matasse, tu já estarias sem teu amigo e Ela sem o seu mais forte admirador: Eu já não estaria mais nesta velha cidade de Ouro Preto: estaria na antiga Necrópole, vitimado de saudadetite.
– Estou na pensão Acadêmica, do Adelino; quando quiseres me escrever ou alguma cousa mais, estou como sempre-sempre às tuas ordens na Pensão Acadêmica – Ouro Preto (endereço).
O Demétrio não mora comigo, mas vem aqui todos os dias, e hoje dizendo-lhe que ia te escrever pediu-me que te mandasse um abraço de quebrar ossos. Receba-o?
Já deves estar cansado de ler cantilenas. Não é?
Peço-te dar recomendações aos teus e receber, por mim, a bençam de minha boa madrinha – a Sra. tua mãe.
Não te esqueça de dar milhões de lembranças a minha idolatrada Ita.
Faze o mesmo aos meus amigos amplexando-os a todos – Tarugo, Juca, Fernando, Jordão, Pedro etc., etc. (o papel é pouco).
E a ti? Si eu tivesse uma locomotiva forte não aguentaria os abraços e mais, que deseja te enviar o que sabe ser sempre teu do coração.
BAPTISTINHA. JARTO.
Não mostre esta a qualquer pessoa; só podes mostrar a Ella e mais alguns dos nossos amicíssimos. Não achas razoável? Adeus!