Após ser desmontada cuidadosamente, a sede da fazenda Cubango será reconstruída em Ipoema para abrigar o Museu Elke Maravilha, diz Marco Antônio Lage
Foto: Carlos Cruz
“Às vezes me assalta o remorso de, sendo filho, neto e bisneto de fazendeiros, ter contribuído para que morresse a nossa fazenda (…). Cedi a minha parte e fui cuidar das nuvens, no exercício da literatura. Passaram-se os tempos, e a fazenda acabou vendida a uma empresa estatal, que ali instalou uma represa para depósito de rejeito do minério de ferro por ela explorado. (..) Por outra causa não desapareceu a bonita fazenda do Pontal, além da falta de estímulo à atividade no campo, (…) entre tantas fazendas condenadas à morte pelo chamado desenvolvimento.” (Carlos Drummond de Andrade, em A fazenda que desapareceu do mapa, revista Globo Rural, 1985).
Ao que tudo indica, o lamento de Drummond pela perda da fazenda do Pontal para a mineração, não se repetirá com a fazenda Cubango, onde a multiartista Elke “Maravilha” Georgievna Grünupp (1945-2016) viveu até a adolescência, localizada no distrito de Ipoema, em Itabira.
Conforme o leitor deste site foi informado em primeira mão, em 4 de junho de 2020, quando a mineradora Vale deu início às negociações, a empresa já estava adqurindo sítios e fazendas na região, possivelmente para instalar novas pilhas de estéril/rejeito. A fazenda Cubango já foi vendida e os proprietários têm prazo até meados de março para se mudar e retirar o que lhes aprouver de material e benfeitorias, o que inclui a sede.
Mas com a iniciativa do prefeito Marco Antônio Lage (PSB), que busca parceria com a mineradora Vale, a sede da fazenda vai ser desmontada e todo material aproveitável será reutilizado na construção de uma réplica no distrito de Ipoema.

Missiva
Para isso, em 16 de janeiro, Marco Antônio enviou correspondência à Diretoria de Relações Institucionais da Vale, propondo uma parceria público-privada para reinstalar a sde da fazenda no distrito itabirano.
“Apresentamos um valioso propósito para o nosso município: preservar e reconstruir a memória de uma das figuras mais icônica da cultura brasileira, Elke Maravilha”, convida o prefeito, na missiva enviada à Vale. “A história de nossa querida Elke, nascida na Rússia e acolhida em Itabira, desde a infância, se entrelaça com a fazenda do Cubango, onde ela viveu momentos fundamentais que moldaram sua personalidade”, acrescentou.
Conforme ressalta o prefeito, a casa da fazenda Cubango é testemunha silenciosa dessa trajetória, que não pode se perder, como mais uma fazenda histórica desaparecendo do mapa, a exemplo do que aconteceu com a fazenda do Pontal, que pertenceu ao fazendeiro Carlos de Paula Andrade, pai do poeta Drummond de Andrade.
Prossegue o prefeito com a sua argumentação para convencer a Vale a participar da reconstrução da sede.
“Nossa proposta é clara: a Vale pode garantir a integridade da estrutura existente e reconstruí-la em terreno cedido pelo município em Ipoema, para que possamos erigir um espaço digno dessa memória”, propôs o prefeito, para quem, “mais que um gesto de preservação, trata-se de um compromisso com a identidade cultural de Itabira e do Brasil”.
Com a reconstrução da sede, inclusive com a transposição dos pés de jabuticabas seculares existentes em seu quintal e demais frutas que possam ser transferidas, preserva-se também a memória da fazenda que se tornou modelo na região, graças ao trabalho extensionista do pai agrônomo, Georg Grünupp.
Ele foi pioneiro em diversos cultivos em Itabira, inclusive de soja para misturar ao milho e combater a desnutrição infantil no início do século passado, em parceria com o médico Mauro de Alvarenga. Georg veio com a família para Itabira para administrar a fazenda Cubango, que pertencia a Amintas Jackes de Morais.
Parcerias necessárias

Para a montagem da sede da fazenda em Ipoema, o prefeito espera contar com apoio não só da Vale, mas também da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), por meio do Serviço Social da Indústria (Sesi), em um projeto que considera ambicioso: “um museu dedicado a Elke Maravilha.”
No espaço, diz o prefeito, serão exibidos recortes e testemunhos de uma “vida multifacetada, de uma modelo e cidadã do mundo”. Além disso, o museu “servirá de inspiração para futuras gerações”.
O prefeito vislumbra um espaço que se tornará vibrante, repleto da energia que marcou a vida de Elke, permitindo que o público mergulhe em sua história, desde os dias na fazenda Cubango até os palcos e telas que a imortalizaram. “Essa reconstrução e projeto memorialístico são de suma importância”, acentuou o prefeito procurando convencer a Vale.
Procurada pela reportagem para discorrer sobre a proposta do prefeito, a Vale respondeu evasivamente, mas deixa aberta a possibilidade de essa parceria prosperar: “”A Vale informa que segue aberta ao diálogo com o poder público para discutir iniciativas que promovam o desenvolvimento sustentável do município”, nada mais disse, embora muito além tenha sido perguntado.
Tombamento e vigilância

Enquanto essa reconstrução não ocorre, existe a possiblidade de o prefeito decretar o tombamento provisório da sede da fazenda, que é para assegurar a sua integridade até que ocorra o desmonte controlado, transferindo-a para a sede do distrito de Ipoema. “Já estou providenciando o tombamento provisório da sede da fazenda”, disse o prefeito à reportagem deste site.
O tombamento provisório é importante para que a Prefeitura possa manter vigilância no local até o desmonte e transferência de todo material reaproveitável (telhas, portas, janelas, banheira usada por Elke para banho quando menina, azulejos hidráulicos) para a sua reconstrução em Ipoema. “Já temos o terreno”, disse o prefeito, sem mencionar a localidade.
A reportagem apurou que será em um lote, na saída do distrito para Bom Jesus do Amparo, em frente ao restaurante Fazendinha. Trata-se de uma ampla área para nela se instalar a réplica da histórica fazenda onde viveu até a adolescência a multiartista Elke Maravilha, depois que seu pai, o agrônomo Georg Grünupp, no início do século passado, foi contratado por Amintas Jackes de Morais para cultivar e cuidar de sua propriedade em Itabira.
Elke Maravilha: uma personagem inesquecível

Elke “Maravilha” Georgievna Grünupp foi uma multiartista russa-brasileira, conhecida por sua personalidade exuberante e talentos variados. Nascida na Rússia, ela foi acolhida em Itabira desde a infância – e viveu até a adolescência na fazenda Cubango, onde teve momentos fundamentais que moldaram sua personalidade.
Após sair de Itabira, Elke conquistou fama nacional como modelo, atriz, cantora e apresentadora de TV. Sua vida de multiartista e seu estilo único a tornaram uma figura icônica da cultura brasileira.
Além de seu trabalho artístico, ela foi uma defensora fervorosa das liberdades individuais e dos direitos humanos. A memória de Elke permanece viva e continua a inspirar futuras gerações, tornando sua história um patrimônio cultural valioso para o Brasil.
Elke visitou a Fazenda Cubango em duas ocasiões, em novembro de 2006 e em abril de 2010, quando retornou a Itabira para participar de uma mostra de cinema em Ipoema. Nesses momentos, ela relembrou com carinho sua infância e adolescência em Itabira, demonstrando um forte vínculo afetivo com a fazenda e a região.
Combate à desnutrição infantil

A Fazenda Cubango tem um histórico importante na história da agricultura em Itabira, graças ao trabalho extensionista de Georg Grünupp, pai de Elke Maravilha. Pioneiro em diversos cultivos na região, Georg foi responsável por introduzir a soja para misturar ao milho, uma iniciativa inovadora que ajudou a combater a desnutrição infantil no início do século passado.
Essa iniciativa foi realizada em parceria com o médico Mauro de Alvarenga. A mistura de soja com milho criou uma combinação nutricionalmente rica, que proporcionava melhoras significativas na dieta das crianças. A soja, rica em proteínas, complementava o milho, ajudando a fornecer os nutrientes necessários para o crescimento e desenvolvimento das crianças.
O impacto desse esforço conjunto foi significativo na saúde pública de Itabira, beneficiando muitas famílias da região. Graças à parceria entre Georg Grünupp e Mauro de Alvarenga, a desnutrição infantil foi combatida de forma eficaz, melhorando a qualidade de vida de inúmeras crianças itabiranas no início do século passado.
Esse trabalho comunitário e de inovação agrícola é um testemunho da importância da fazenda do Cubango na história de Itabira, não apenas como local de residência de Elke Maravilha, mas também como um centro de agricultura sustentável e relacionamento com as comunidades vizinhas, um exemplo que a Vale pode seguir agora, demonstrando respeito à história de Itabira.
A preservação e valorização da memória da fazenda Cubango, por meio da reconstrução de sua sede e da criação do Museu Elke Maravilha, servirá não apenas como uma homenagem à multiartista, mas também como um marco de responsabilidade social e compromisso com o legado histórico-cultural da região.
Para saber mais, leia também:
Excelente ideia de aproveitar o acervo físico da Faz. Cubango, para reergue-lo em Ipoema, numa belíssima homenagem à multiartista Elke! Parabens aos idealizadores!
Não li, reconheço a imagem portanto sei o assunto.
Reconstruir é abjeto. Vide a fazenda do Pontal.
Se eu estivesse aí, queimaria tudo.
A mineradora vive de crime.
Ódio a essa canalhada!
Importante demais pra história de Itabira.A cultura de Itabira é rica demais!!! Parabéns Marco 40