Antropólogo abre sebo na praça Acrísio para driblar a crise com literatura, boa prosa e partidas de xadrez
Carlos Cruz
No atual cenário virtual de modernidade líquida, não surpreende o fechamento de muitas livrarias no país, mesmo tendo aumentado o número de leitores de livros impressos, conforme atesta levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Por meio do levantamento Panorama do Setor Cultural, o IBGE registrou em 2018 uma taxa de crescimento de 5,24% nas vendas de livros impressos no país, após o mercado editorial amargar queda de 9% em 2016 – e um leve crescimento de 3% em 2017.
O mesmo levantamento do IBGE registra que, em 2001, apenas 42% dos municípios brasileiros possuíam livrarias, índice que caiu para 27% em 2014. Ainda não há registro mais atual, mas já se sabe que o número de cidades privadas de livrarias no país aumentou em ritmo vertiginoso nos últimos anos.
Felizmente, Itabira ainda não entrou no rol das tristes cidades sem livrarias. Não são muitas, mas elas ainda resistem vendendo muito mais papelaria e outras mercadorias. Destaque para o Clube da Leitura, no Bretas, que é também um cibercafé de muito bom gosto, por sinal.
E a cidade acaba de ganhar uma livraria de rua, um sebo no melhor estilo, onde o livreiro já leu praticamente todos os livros colocados à venda. O sebo é do antropólogo José Nildo Bezerra Monteiro, 40 anos, graduado pela UFMG, com formação também teatral.
Os livros ficam expostos à venda na praça Acrísio de Alvarenga de segunda a sexta-feira, no horário de 11h às 19h, com pequeno intervalo para o almoço, exceto nos dias de chuvas ou nos dias que o proprietário tem outros compromissos. O preço médio é de apenas R$ 5, numa extensa lista de títulos da literatura nacional e universal.
Alternativa
Desempregado há dois anos, e com o único filho residindo com a mãe em Itabira, ele não teve dúvidas. Mudou-se para a terra de Drummond há pouco mais de um ano, com malas e livros que ele já vendia virtualmente, garimpados em sebos e editoras de todo o país.
“Comecei a vender livros aqui com o evento Arte na Praça, no ano passado, no Dia dos Pais”, conta José Nildo. “Estou me surpreendendo, sobretudo com os jovens que estão se interessando pela leitura e isso é um incentivo muito grande. Não estou aqui só para vender livros, mas também para estimular a leitura”, afirma.
“O que eu faço é, também, um trabalho de desapego. Muitos livros que eu vendo, adquiri pela curiosidade da leitura”, explica. Pela sua proposta diferenciada de sebo de rua, o livreiro oferece também um atendimento personalizado – e assim vai conquistando um público cada vez mais expressivo.
Manuseio e cheiro de livro
Ao passar pela praça, muitos são os que se sentem atraídos por algum livro. Ao manuseá-lo descobrem que adquirir um livro nessas condições é bem diferente do que se sentar em frente do computador e comprar um exemplar on line.
No sebo da praça Acrísio, o livro impresso tem textura e cheiro de tinta impressa no papel. Com toda essa sedução, que tem atraído, sobretudo, jovens na faixa de 18 a 25 anos, o livreiro antropólogo acredita que nem tudo está perdido neste país quase sem memória e tradição de leitura.
Leitor contumaz, José Nildo vê com tristeza o fechamento de livrarias pelo país afora. Mas ele não acredita que o livro impresso esteja morrendo. “O livro impresso nunca vai acabar. Tem algo de transcendente nele, de forma que o leitor passa a amá-lo”, filosofa o antropólogo. “Os livros são objetos transcendentes que passamos a amá-los pelo amor táctil, como já dizia Caetano Veloso.”
Estímulo e censura
O livreiro observa, com satisfação, que muitos pais estão incentivando os filhos a fugirem um pouco do mundo virtual para ler um livro. “Eles me perguntam como incentivar o filho a ler. E eu respondo perguntando: você lê na frente deles? O que mais incentiva o filho a ler é ver que os pais também gostam de ler”, recomenda.
Com os tempos obscuros que o país vive, com a volta da caça às bruxas nas escolas e universidades, o antropólogo teme o retorno da censura – e com ela toda uma política de desestimulo à leitura.
Como exemplo ele cita a recente censura ao livro Meninos sem Pátria (Coleção Vaga-lume, Ática), do escritor Luiz Puntel, retirado da lista de leitura dos alunos do Colégio Santo Agostinho, no Leblon, Rio, por imposição dos pais.
O livro tem a ditadura como pano de fundo, mas a narrativa é toda centrada na visão dos meninos vivendo no exílio. Eles acompanham o pai jornalista que teve de deixar o país para não ser preso, vivendo a infância e a adolescência longe de casa.
Para os retrógrados pais, e também para o colégio que acatou essa sandice, “o livro critica o regime militar, enaltecendo a ótica de esquerda”. Foi esse o argumento cheirando naftalina apresentado pelos pais ao exigirem que o livro fosse censurado.
“Nem na ditadura Meninos sem Pátria foi censurado”, recorda José Nildo, que vê na literatura o melhor antidoto a essa onda conservadora que assola o país e que vem lamentavelmente ganhando força.
Jogo de xadrez é outro atrativo na praça
Entre uma venda e outra, o antropólogo livreiro aproveita para conhecer as pessoas e jogar xadrez com os novos amigos que já o procuram para apurar a técnica desse clássico e complexo jogo de tabuleiro.
“Gosto muito de ficar aqui. É como fazer etnografia na praça. Têm coisas incríveis acontecendo nesta praça, que precisa cada vez mais ser do povo, como propunha Castro Alves”, recomenda. “Os hippies que passam por aqui são pessoas incríveis. E a maioria joga xadrez”, revela.
Outro adversário no jogo de xadrez é o jovem Maycon Godoy, 18 anos, formado em um curso técnico de administração pública. Para ele, o jogo de xadrez melhora a concentração e a autoconfiança.
“Eu andava meio distraído. Voltei a jogar xadrez e melhorei a minha autoestima, já estou até vencendo o José Nildo em algumas partidas”, conta cheio de entusiasmo com as novas táticas que tem aprendido na praça Acrísio.
Com o crescimento do número de jogadores, a proposta é promover em breve um torneio de xadrez, que é para estimular a competição e o aprimoramento de técnica, tática e estratégia. “Já estamos fabricando os tabuleiros. Só falta conseguir as peças”, entusiasma Guilherme Torres, outro jogador frequentador do sebo da praça Acrísio.
Como se observa, na praça também se exercita a mente. Só falta ser ocupada por mais atividades que possam contribuir para manter “a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo”, como canta Walter Franco.
E que assim se torne do povo com muita literatura, jogos de xadrez e atividades recreativas e culturais. Só assim a distopia não vence a utopia dos que sonham com um mundo melhor, onde todas e todos sejam senhoras e senhores de si – e de seus saberes que governo nenhum consegue tomar e reprimir.
Adorei saber que além de uma livraria, Itabira tem um sebo e na Praça.
Ainda resta um pouco de esperança.
Show de bola esse Nildo! Extremamente educado e gentil.
É uma honra pra mim poder conhecê-lo.
Deus te abençoe!
Lane Andrade
Bom saber que a Literatura anda valorizada na Terra do poeta. Viva !
Um livro é um grande acontecimento na vida, o que dele se tira ninguém lhe rouba. Troco nada por um livro. A ideia do Zé Nildo é divina e maravilhosa, deixa a praça Acrísio amigável, inteligente. Zé Nildo, a biblioteca da ABI está descartando livros se vc quiser venha buscar. Garimpei boas coisa e um raro – a biografia de Carlos Prestes assinada por Jorge Amado, como fico bem lendo livros. Aqui na Glória temos na carreira do shoping chão 4 sebos. Se eu tiver portador enviarei a vc alguns livros bons. Sebo da Acrísio, um grande acontecimento em Itabira.
Olá, Cristina! Eu quero. Onde fica a ABI?