Agendamento da Reunião Pública para discutir ampliação de minas da Vale em Itabira é criticado por começar em  horário comercial, dificultando a participação popular

Fotos: Carlos Cruz

Nem de longe a Reunião Pública, agendada para o dia 12 de maio, às 17h, no auditório da Prefeitura de Itabira, terá, mesmo remotamente, a relevância histórica da Audiência Pública de 12 de fevereiro de 1998.

O evento atual tem como objetivo ouvir a sociedade itabirana sobre o pedido de anuência do município, por meio do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema).

Com a anuência, terá prosseguimento junto ao órgão ambiental estadual, o pedido de licenciamento para a ampliação das cavas das minas do Meio e Conceição, além da criação de novas pilhas de rejeitos e material estéril no complexo mineradora.

Naquela ocasião, o Centro Cultural ficou lotado com a participação da sociedade organizada, que exigiu o cumprimento de direitos de Itabira e obrigações da Vale, resultando em 52 condicionantes gerais e duas específicas da Licença de Operação Corretiva (LOC) do distrito ferrífero de Itabira.

Até hoje, muitas dessas condicionantes permanecem sem cumprimento integral, mesmo tendo sido resultado de ampla negociação entre a empresa, a sociedade itabirana e o órgão ambiental licenciador.

É o caso da resolução para a crise hídrica que, somente agora, 25 anos depois, deve ser solucionada com a transposição de água do rio Tanque, por força de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) compromissado com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

Pode-se argumentar que a comparação entre os dois eventos não é válida, devido às suas características distintas: enquanto a audiência pública de 1998 foi determinada pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (Copam), a Reunião Pública foi uma deliberação do Codema, sem força impositiva no contexto do licenciamento ambiental.

Audiência Pública de 1998 teve ampla participação popular, incluindo alunos de escolas municipais. (Foto: Taquinho Silva/acervo do Cometa)

Pressão popular

No entanto, se houvesse vontade política como a de 1998, durante o governo do então prefeito Jackson de Pinho Tavares (1997-2000), Itabira teria, mais uma vez, a oportunidade de pressionar a Vale por resultados positivos para o município.

Isso incluiria medidas compensatórias e um maior controle dos impactos ambientais negativos, como já ocorre com o maior volume de dispersão de poeira com as novas pilhas a seco, além do rebaixamento do aquífero que pode afetar nascentes, a exemplo do que ocorreu na extração de minério na mina Cauê, secando fontes dos bairros Penha e Pará.

Hoje, com o fim da extração de minério na histórica mina, exaurida no início deste século, as nascentes da Penha estão retornando, devido à recarga do aquífero, o que se tornou um problema para os moradores que construíram residências em áreas onde antes havia nascentes.

Esses impactos podem ser agravados caso não sejam corretamente mitigados, o que exigirá investimentos significativos em formas de controle que, certamente, serão apresentadas pela mineradora na Reunião Pública. Entretanto, isso ocorrerá sem o contraponto de uma participação popular mais ampla, engajada e organizada, como ocorreu na audiência pública de 1998.

Infelizmente, Itabira perde uma oportunidade valiosa para se posicionar perante a empresa, exigindo o cumprimento de direitos e medidas compensatórias pelos inúmeros impactos ambientais negativos, que incluem prejuízos à saúde da população, como o aumento de doenças respiratórias devido à poluição atmosférica por partículas de minério em suspensão na cidade.

Obstáculos

A Reunião Pública está marcada para o dia 12 de maio, uma segunda-feira, às 17h, no pequeno auditório da prefeitura, algo que já indica que não se espera uma grande adesão popular.

Por ser realizada em horário comercial, isso por si só se torna um obstáculo para a participação dos trabalhadores, o que poderia ser minimizado se a reunião fosse agendada para o período noturno.

Para o conselheiro Leonardo Reis, representante da Cáritas Diocesana no Codema, tudo foi preparado para ser um arremedo de consulta popular.

“Não houve mobilização e, por ser em horário comercial, dificilmente teremos uma ampla participação popular”, declarou ele. Apesar de ter sido quem sugeriu a realização do evento, Reis não participou da reunião da Câmara Técnica que definiu horário, local e formato da Reunião Pública.

“A reunião da Câmara Técnica foi realizada durante o dia, em um horário em que estou dando aula na Unifei”, afirmou. O conselheiro da Cáritas também criticou o fato de os componentes da Câmara Técnica serem, em sua maioria, pró-Vale, como frequentemente se observa nas reuniões do Codema. “Por isso, não foi surpresa a reunião ter sido marcada para o horário comercial, dificultando a participação dos trabalhadores”, acrescentou.

Organização e formato da reunião

Participaram da reunião da Câmara Técnica do Codema que definiu a data e formato da consulta popular: a secretária municipal de Meio Ambiente, Elaine Mendes; o servidor Roberto Dias; e os conselheiros Sydney Almeida Lage, do Rotary Club; Patrícia de Freitas, presidente da OAB Itabira; Glaucius Bragança, da Loja Maçônica; Luiz Augusto Magalhães, da Vale; e Leonardo Ferreira Lopes, representante das empresas incorporadoras.

A reunião pública será aberta pela secretária de Meio Ambiente e terá como primeiro momento a apresentação da Vale sobre o projeto de ampliação e as respectivas medidas mitigadoras e compensatórias. Em seguida, será apresentado o parecer técnico da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA).

Após essas apresentações, será reservado espaço para que os participantes tirem dúvidas sobre o empreendimento, que serão respondidas pelos responsáveis técnicos da Vale e da SMMA.

Cronograma

A programação definida é a seguinte:

  • Abertura pela Presidente do CODEMA (5 minutos);
  • Apresentação do projeto pela empresa Vale (20 minutos, com até 5 minutos de tolerância);
  • Exposição do parecer técnico da SMMA (20 minutos, com até 5 minutos de tolerância);
  • Intervalo de 15 minutos para recepção de perguntas;
  • Sessão de perguntas e respostas (3 minutos por pergunta, sem réplica);
  • Manifestação de conselheiros previamente inscritos (3 minutos cada);
  • Encerramento.

Proposta e críticas ao projeto

A geração de poeira deve aumentar com a ampliação das cavas e a criação de novas pilhas a seco, como já ocorre, mesmo durante o período chuvoso, na pilha Cauê, apesar de parte dos taludes já estar revegetada

A proposta de realizar uma audiência pública foi inicialmente apresentada por Leonardo Reis, da Cáritas Diocesana, mas foi ajustada para o formato de Reunião Pública após sugestão da secretária Elaine Mendes, sendo aprovada pelos conselheiros.

Reis criticou o relatório técnico da SMMA que recomendou a anuência ao projeto com contrapartidas consideradas insuficientes. Entre essas contrapartidas está a implantação de um horto florestal em Itabira, financiado pela Vale, com um investimento de R$ 800 mil, parcelado em três etapas.

Essa medida foi considerada inadequada frente aos impactos ambientais significativos do projeto, como o aumento da poluição atmosférica e a supressão de vegetação nativa em áreas de proteção ambiental (APAMs) Piracicaba e Santo Antônio.

A presidente da OAB em Itabira, Patrícia de Freitas, também criticou as medidas compensatórias propostas pela Vale, destacando que elas priorizam investimentos em outras regiões do estado, como o Parque Natural de Gandarela, em Rio Acima, e projetos do Instituto Chico Mendes de Conservação Ambiental (ICMbio), excluindo Itabira das ações compensatórias pelas perdas ambientais e o rebaixamento do aquífero.

Ampliação das cavas: justificativas e impactos

A ampliação das cavas é justificada pela Vale como necessária para garantir a continuidade da lavra e beneficiamento de minério de ferro por mais 15 anos no complexo minerador de Itabira, com uma produção anual de cerca de 30 milhões de toneladas.

Dessa forma, a operação no complexo se estenderia até 2041, conforme divulgado no último relatório Form-20, apresentado pela Vale à Bolsa de Nova Iorque em 30 de março deste ano.

No entanto, essa justificativa econômica é vista como insuficiente para mitigar e compensar os danos ambientais e os impactos sociais sobre as comunidades vizinhas.

Para Leonardo Reis, a Reunião Pública aprovada pelo Codema, embora não seja vinculativa, deveria ser um mecanismo para amplificar as demandas de Itabira e expressar as preocupações da comunidade local. Sem mobilização e participação popular, contudo, isso pode não ocorrer. A conferir.

 

 

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4 Comentários

  1. A mineradora Vale além de assassina (Mariana e Brumadinho), é desrespeitosa com a cidade. Itabira não precisa desta corja ignorante e atrasada, quem precisa de Itabira é a Vale. Itabira só perde com a monstruosa VALE.
    Fora Vale!!!

  2. O Codema não trabalha a favor da cidade, trabalha contra. O Prefeito deveria destituir todos os componentes amantes da mineradora e convocar representantes alinhados com a cidade.

  3. É revoltante que o CODEMA tenha optado por atender aos interesses da mineradora, em flagrante desrespeito à população. Tal decisão escancara a natureza de um conselho cuja composição da sociedade civil é majoritariamente formada por representantes empresariais. Ao cabo, o vice-presidente do CODEMA, representante do Rotary Club, disse a verdade: o conselho existe para defender os os interesses das empresas, não da sociedade de Itabira. E assim permanecerá enquanto a voz da sociedade civil refletir a posição das empresas, entre elas a mineradora Vale, a quem os empresários devem ser muito gratos.

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