Acampamento Terra Livre: o grito dos povos originários em Brasília

Rafael Jasovich*

Durante cerca de dez dias do mês de abril, o Brasil assistiu a algumas das cenas que reafirmam o nosso traço mais paradoxal: quando a força de atos cívicos corre paralela à tentativa de silenciamento de movimentos sociais e políticos; quando atos simbólicos e vigorosos reagem a injustiças e ameaças a direitos mais básicos.

Apesar da impressionante falta de divulgação nas mídias tradicionais, o Acampamento Terra Livre (ATL) reuniu em Brasília, entre os dias 4 e 14 de abril, cerca de 7 mil indígenas de quase 200 etnias.

Foi um chamado contra os retrocessos do governo de extrema direita de Jair Bolsonaro, que mantém firme o projeto de destruição de direitos dos povos originários.

Documento aprovado ao final da programação traz demandas dos povos indígenas do país. Demarcação de terras, interrupção da agenda anti-indígena e políticas de preservação ambiental estão entre os temas da manifestação em Brasília.

Os 305 povos indígenas existentes atualmente no Brasil querem ser protagonistas de seus planos de vida, da autonomia em seus territórios e, também, terem garantido o direito de participação na formulação, no monitoramento e na avaliação das políticas públicas que lhes dizem respeito.

Mais importante mobilização indígena do país, o evento teve neste ano a maior edição em 18 anos de história. Foram cerca de oito mil indígenas, de 200 povos, que se reuniram em Brasília entre os dias 4 e 14 de abril. A programação envolveu assembleias, rodas de conversa e protestos nas proximidades do Congresso Nacional.

O documento final traz propostas para “reconstruir” o país. No texto, o movimento indígena descreve que, como nos tempos da invasão colonial, atualmente há “um declarado plano de morte, etnocídio, ecocídio e genocídio nunca visto nos últimos 34 anos de democracia no Brasil”.

“Bolsonaro, desde sua campanha eleitoral e já no primeiro dia de seu mandato, proferiu discursos racistas e de ódio contra os povos indígenas, elegendo-nos como inimigos preferenciais”, aponta o texto.

Ressaltando a importância de “interromper esses processos de destruição e morte”, os indígenas alertam que a luta do movimento é em defesa de seus povos, mas não só: a existência da própria humanidade depende disso.

A retomada dos espaços de participação e controle social é o segundo eixo, em que se reafirma a necessidade de que, em conformidade com o artigo 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os indígenas sejam consultados a respeito de medidas que impactem seus territórios e direitos.

Além disso, os indígenas salientam a importância da reativação de dispositivos de participação nos quais seus povos antes tinham representação, tais como o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), o Conselho de Segurança Alimentar (Consea) e o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).

A defesa do meio ambiente constitui o eixo cinco, que tem o maior número de propostas. Entre elas estão: o estabelecimento de mecanismos de rastreabilidade de produtos para garantir que não venham de territórios em conflito envolvendo povos indígenas.

Inclui ainda a retomada dos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris; a reestruturação do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), além do reconhecimento da contribuição dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais na preservação da biodiversidade brasileira, incentivando as suas práticas.

“Se preciso for”, avisam os diferentes povos do movimento indígena, “daremos a nossa vida para defender o que conquistamos e preservamos até hoje, após muitas perdas e muito sangue dos que nos antecederam nestas lutas”.

*Rafael Jasovich é jornalista e advogado, ativista da Anistia Internacional.

 

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