A motosserra faz mais vítimas em Itabira, uma das cidades menos arborizadas do país

Fotos: Reprodução

Por decisão da maioria, moradores da Vila Técnica Areão optaram pelo corte de oito árvores de grande porte que, há décadas, faziam parte do condomínio. A decisão foi baseada em um laudo da Defesa Civil, assinado por um engenheiro civil, que condenou todas ao extermínio, inclusive aquelas que não ofereciam ameaça ao muro que separa o condomínio de um prédio localizado na avenida Cauê, no bairro Areão.

O corte dessas árvores foi realizado nesta segunda e terça-feira, transformando o local em um verdadeiro campo de batalha. A “motosserra que mata, cortante, oxigênio e beleza” cumpriu seu papel, e agora, das árvores frondosas, restam apenas fotografias ou memórias nas paredes daqueles que buscam preservar a imagem além da triste lembrança.

Do laudo condenatório, que não permitiu espaço para defesa, surge a questão: o que teria ocorrido se fosse solicitado um laudo técnico sobre o estado fitossanitário dessas árvores? Todas seriam suprimidas? Permaneceria válida a justificativa para tal aniquilação?

Esse documento deveria ter sido elaborado por engenheiros agrônomos ou florestais, conforme as determinações do CREA-MG.

A poucos metros da guarita, encontram-se as oito árvores cortadas dentro do condomínio

Legislação cheia de lacunas

Porém, para justificar o corte dessas árvores, a Defesa Civil fez uso da Lei Federal 12.651/2012 (Código Florestal), que permite a supressão de árvores sem autorização prévia do órgão ambiental em casos de emergência e risco iminente de queda.

Também embasou-se na Lei 12.608/2012 (Política Nacional de Proteção e Defesa Civil), que autoriza ações da Defesa Civil em situações de risco, incluindo a remoção de árvores consideradas “perigosas”.

Outro fundamento foi buscado na Resolução Conama 369/2006, que permite intervenções em vegetações de áreas de risco, desde que comprovada a necessidade técnica e a impossibilidade de mitigação por outros meios.

“Os lírios não nascem da lei”

Segundo laudo técnico, assinado por engenheiro civil, essas árvores eram ameaças ao muro e às pessoas. Foram condenadas e dizimadas

No entanto, como já sublinhou Drummond, “as leis não bastam”, escreveu. “Os lírios não nascem da lei”, sentenciou em um trecho do poema Nosso Tempo.

Com essa reflexão, o poeta aponta a insuficiência das legislações para proteger a natureza e promover mudanças profundas na vida social e no próprio ser humano. Ressalta, também, o amor à preservação do meio ambiente e da própria vida.

Essa metáfora expõe a relação limitada entre o amparo legal e a efetiva proteção das riquezas naturais. Reflete, ainda, sobre a limitação da sociedade em criar consensos, mesmo quando não estão previstos em lei.

Caso fosse solicitado um atestado fitossanitário antes da supressão dessas oito árvores, é provável que nem todas fossem condenadas. Fotos produzidas antes da ação mostram que a maioria não ameaçava a estrutura do muro, o passeio ou a rua do condomínio. Porém, esse cuidado não ocorreu.

Ações compensatórias

No campo de batalha contra as árvores, até caminhão munck foi utilizado

 

Considerando que a Prefeitura autorizou o corte dessas árvores por meio da Defesa Civil, seria razoável exigir como compensação que fossem plantadas milhares de árvores na cidade, criando-se hortos florestais — uma medida que a administração municipal há muito já deveria ter implementado.

Essa necessidade é ainda mais urgente devido às partículas de minério de ferro em suspensão, que a tornam uma das cidades mais poluídas do mundo pela mineração.

Itabira, segundo o IBGE, é uma das cidades menos arborizadas do Brasil. Dados do instituto indicam que apenas 25,2% das vias públicas de Itabira são arborizadas, colocando-a entre as cidades menos arborizadas do Brasil

Rua sem árvores em bairro de Itabira, onde o ipê está presente apenas no nome: triste realidade municipal ainda sem solução à vista

A presença de bosques espalhados pela cidade, constituindo ilhas verdes, poderia ajudar a conter a dispersão de poluentes, além de criar sombras em tempos de intensificação das mudanças climáticas.

Um simples passeio pelos bairros da cidade revela o deserto de árvores que predomina em Itabira. Mesmo bairros que nasceram arborizados, como Santa Tereza e Jardim dos Ipês, hoje se transformaram em áreas desprovidas de verde.

Nesses bairros, árvores como ipês e buganvílias foram dizimadas pela motosserra, muitas vezes a pedido de moradores que consideram sua presença inconveniente por soltarem folhas e galhos ou “facilitarem a entrada de ladrões” nas residências.

Aos poucos, as árvores foram desbastadas, sofreram corte raso, deixando de existir

Perdas ambientais

O que se perde ao suprimir as árvores são os inúmeros benefícios que elas proporcionam. Árvores regulam a temperatura ambiente, criando sombra e reduzindo os efeitos das ilhas de calor.

Elas também melhoram a qualidade do ar ao filtrar poluentes como dióxido e monóxido de carbono e ao reter partículas em suspensão, que são nocivas à saúde, como o pó preto do minério.

Galhos e gravetos foram tudo o que sobrou: meros restos, que podem ser transformados em lenha para alimentar a fogueira das vaidades

A poesia ainda é necessária

Por fim, e mais uma vez citando Drummond, ao sublinhar que “de tudo fica um pouco”, assim, desse triste episódio do corte das árvores da Vila Técnica Areão, fica a poesia de Regina Jourdan.

Sensibilizada pela notícia, ela criou uma bela homenagem às árvores, perpetuando sua memória na arte de um poema.

Leia:

Árvore
Regina Jourdan

E a árvore vai abaixo,
Vai deixar de estar lá.
Vai cair de pé ou deitada,
Com a dignidade que puder.

Uma a uma, plantada,
Com jeito e amor,
Nos tempos de outro dia.
Cresceu. Cresceram.

Pareciam estar sendo inoportunas,
Até perigosas para uns
E para outros também.
Mas, do coração de quem plantou,
Estão sendo ceifadas
Com muita dor.

E,
Quando o dia chegar,
Uma solução vão encontrar,
Para que a lembrança fique no lugar,
Para um novo tempo plantar:

Tempo de aceitação,
Compreensão,
Colaboração,
Respeito e atitude.

Vai, árvore,
Fica a gratidão.

RLMJ, BH – 27/03/2025

Reprodução

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