A montanha pulverizada ainda pode render dividendos para Itabira
Carlos Cruz
No momento em que o prefeito Ronaldo Magalhães (PTB) se prepara para ingressar com vários processos contra a empresa Vale cobrando direitos, e condicionantes, que não foram concedidos pela mineradora, transcrevo abaixo trecho de uma entrevista concedida pelo poeta Carlos Drummond de Andrade à revista Pau Brasil, em abril de 1986.
A transcrição desse trecho é oportuna pela sua atualidade, mesmo tendo transcorridos mais de três décadas de sua publicação. Comprova, mais uma vez, como o itabirano, em sua maioria, sempre fechou os olhos aos desmandos da mineradora, que mantém a poluição na cidade em níveis elevados, assim como a degradação de sua paisagem (Cauê, Esmeril, Conceição).
E que se prepara, inexoravelmente, para deixar o município com buracos – e muitos problemas, se nada for feito de imediato para reverter esse triste quadro. As minas lavráveis devem exaurir em 2028, conforme a empresa anunciou à Bolsa de Valores de Nova Iorque.
Em contrapartida, diz a Vale que irá trazer minérios de outras localidades, como Conceição do Mato Dentro, para ser concentrado em Itabira. Ou seja, acena para a sua continuidade no município para além da exaustão de suas minas.
Só que, nesse processo, virão os rejeitos que ficarão por aqui depositados, seja impactando novas áreas, ou entulhando as hoje chamadas Minas do Meio, incrustadas na degradada Serra do Esmeril.
Se isso ocorrer, como de fato já vem ocorrendo, Itabira pode ter enorme prejuízo, embora a medida seja apresentada pela empresa como sendo ambientalmente correta, por não impactar novas áreas.
Mas o fato é que a disposição de rejeito das usinas nas cavas da Mina do Meio pode dificultar – e até impedir – o acesso às águas dos aquíferos Cauê e Piracicaba no futuro próximo.
Esse acesso, conforme já anunciaram hidrogeólogos da empresa no passado recente, só seria possível pelo fato de a mineração ter alcançado esses aquíferos, que estariam a mais de 100 metros de profundidade.
E que Itabira, diziam eles, após a exaustão das Minas do Meio (e também Cauê, como já ocorreu), se transformaria em um dos municípios mineiros com maior disponibilidade de recursos hídricos. Isso tanto para consumo humano (como já ocorre com as Três Fontes), como também para atrair novas indústrias.
Tudo isso, porém, já pode estar comprometido com a decisão de dispor rejeito nas cavas exauridas. Tanto é que a Prefeitura pretende viabilizar uma parceria público-privada para fazer transposição de água do rio Tanque para abastecer a cidade – e assim atrair novas indústrias.
Custo/benefício
É preciso ter claro que a Vale, ao trazer minério de outras localidades para beneficiar em Itabira, continuará fazendo uso do mesmo volume de “água nova” para o processo de beneficiamento em suas usinas.
Se isso hoje se justifica pelo número de empregos gerados (mais de 4 mil entre diretos e contratados), impostos, royalties e oportunidades de negócios, como será a compensação só com a concentração de minérios vindos de outras localidades?
Muito pouco, talvez algo mais de 500 empregos diretos, se tanto, uma fatia dos royalties (a maior parte fica com o município onde se dá o fato gerador, no caso Conceição do Mato Dentro) – e parte também insignificante de ICMS.
Esse custo/benefício precisa ser reavaliado. Que as compensações sejam muito mais que esses parcos dividendos, até para que se pague a dívida histórica, as perdas incomparáveis.
É o que pretende fazer o prefeito com as ações cobrando alguns dos direitos de Itabira. E que ainda não foram reconhecidos, pela via da negociação, pela mineradora.
“Hoje minha cidade vive a sorte de cidade espoliada”
Leia a seguir trecho da entrevista com o poeta Carlos Drummond de Andrade, publicada na revista Pau Brasil, uma publicação bimestral sobre Ecologia e Cultura, que era (ainda é?) editada pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAAE) de São Paulo. A entrevista foi republicada pelo jornal O Cometa, na edição de abril de 1986.
Pau Brasil: O minério, como o senhor, tem origem de seu gentílico nas minas, que ainda hoje são a forma mais deletéria de exploração da natureza. Que significado vê nisso? Como situa a relação do homem com seu meio ambiente natural? Haveria, subjacentemente nessa relação, um conflito entre o homem e a natureza? O que se deve entender por “dominar a natureza”?
Carlos Drummond de Andrade: De fato, sou mineiro duplamente, por ter nascido no estado desse nome e porque minha cidade natal foi, inicialmente, mina de outro e de ferro, que agora curte (no sentido de padecer) as agruras da exaustão.
Hoje minha terra vive a sorte da região espoliada, com os intestinos à vista, sob o pó de minério que suja os corpos e torna as almas sombrias. Um morador de lá disse ao Jornal do Brasil:
“As casas estão trincando, as vasilhas caem no chão na hora do ‘fogo’, as crianças e os velhos vivem com gripe e pneumonia. Não adianta fechar portas e janelas: meia hora depois de qualquer limpeza, pode-se escrever com o dedo sobre o pó depositado nos móveis.”
A concentração média suportável é de 80 microgramas de poeira em suspensão. Itabira acusa o máximo de 240 microgramas por metro cúbico, informa aquele jornal. Esse inferno de vida rende muitas divisas ao Brasil, fato de que se gaba a empresa estatal Companhia Vale do Rio Doce. E não adianta protestar.
Só um jornalzinho valente, O Cometa Itabirano, reclama contra a perversidade de pagar dívida externa (que nem assim consegue saldar-se) à custa da vida de inocentes. Uma vasta rede de interesses emudece parte da população que deveria unir-se contra esse estado de coisas. Dominar a natureza, tal como praticamos no Brasil, é esmaga-la.
A Montanha Pulverizada
Carlos Drummond de Andrade
Chego à sacada e vejo a minha serra,
a serra de meu pai e de meu avô,
de todos os Andrades que passaram
e passarão, a serra que não passa.
Era coisa dos índios e a tomamos
para enfeitar e presidir a vida
neste vale soturno onde a riqueza
maior é sua vista e contemplá-la.
De longe nos revela o perfil grave.
A cada volta de caminho aponta
uma forma de ser, em ferro, eterna,
e sopra eternidade na fluência.
Esta manhã acordo e
não a encontro.
Britada em bilhões de lascas
deslizando em correia transportadora
entupindo 150 vagões
no trem-monstro de cinco locomotivas
– o trem maior do mundo, tomem nota –
foge minha serra, vai
deixando no meu corpo e na paisagem
mísero pó de ferro, e este não passa.
Bem oportuna e atual a sua matéria, Carlos.
Caberia, não obstante, uma entrevista mais detalhada com o advogado Denis Lott, para que o mesmo pudesse detalhar com mais exatidão, esse trabalho de Assessoria ao qual foi contratado para a prestação de serviços
Obrigada por esta matéria. Mas compreenda, querer mais exploração de minério é gostar de sofrer. Eu odeio a Vale. Eu odeio exploração mineral que destrói montanhas e mata pessoas numa guerra hibrida. Mas uma cidade que nunca deu a grita deve mesmo é sofrer até o fim. E no fim de tudo Itabira é uma grande bobagem entupida de minério, não serve mais porque não é capaz de olhar e tratar a própria chaga. Itabira é um desalento.