A Cidadezinha e a guerra da Tríplice Aliança – Parte 4
Combate Naval do Riachuelo, pintura de Victor Meirelles
Quarta parte e a guerra não terminou. Aqui transcrevemos a guerrinha entre Liberais e Conservadores. Na Assembleia Provincial, em 4 sessões foi discutido o caso de Virgílio José Barbalho, pelo batalhão conservador.
Outra cizânia entre os dois partidos se dava na igreja, no Te-Deum. Naturalmente que em uma guerra a corrupção é justificada como “urgências de guerra”, em mais de dois anos de guerra, em 1867 o senado propõe a criação de uma comissão (hoje, seria CPIs) para investigar os dispêndios exorbitantes investidos no conflito.
“O combate consumiu 614 mil contos de réis dos cofres imperiais, de acordo com o historiador Francisco Doratioto, professor da UnB, a cifra equivale à soma dos orçamentos públicos dos 11 anos anteriores à guerra”.
Urra! Viva os valentes soldados russos! (Cristina Silveira, uma Z)
Na Assembleia Provincial
O pedido de CPI apresentado no Senado em 1867: “Requeiro que se nomeie uma comissão especial de inquérito para colher nas repartições públicas e nos testemunhos particulares, tomando depoimentos se necessário for, as informações as mais completas sobre as causas da prolongação da guerra contra o Paraguai” (Arquivo do Senado) Fonte: Agência Senado
Deputado Benjamin – Contra a liberdade individual o governo do Partido Liberal cometeu horríveis atentados. Tratarei de alguns. O comandante superior interino da cidade Itabira, Cunha Athayde, por motivo frívolo e reprovado, condenou um moço de nome Barbalho a oito dias de prisão.
E porque o preso clamava das grades da cadeia contra a injustiça que sofria, foi intimado por ordem do mesmo comandante superior a sofrer mais oito dias de prisão, e, como o infeliz moço continuasse a bradar contra o atentado de que era vítima, a mesma pena de prisão, por mais oito dias, foi-lhe sendo intimada (oh! oh!) e assim ele permaneceu na prisão durante onze meses!
Duque-Estrada Teixeira – Onze meses!
Pinto de Campos – É incrível!
Benjamin – A Câmara vai ver como procedeu a este respeito o ministro de 3 de agosto, presidido pelo liberal sr. Zacarias. O infeliz Barbalho, logo que foi preso, dirigiu uma queixa ao presidente da província contra o comandante superior e pediu ser aliviado da iníqua prisão que sofria.
O governo provincial não deu providencia alguma. Então a vítima recorreu ao governo Imperial. Este também não deu providencia alguma. Foram publicadas no Constitucional as queixas do desgraçado Barbalho. Produziram profunda sensação no espírito de todos, menos no dos governantes.
Abrindo-se a Assembleia Provincial de Ouro Preto o distinto e ilustrado dr. Claudino Pereira da Fonseca, e expôs-me o atentado de que era vítima o infeliz Barbalho, com todas as circunstâncias.
E declarou-me que vinha tratar de livra-lo da pena que sofria ilegalmente. Pus à sua disposição a minha palavra na tribuna da Assembleia Provincial e as colunas do Constitucional. Sendo aceitos os meus serviços, combinamos logo os meios.
O sr. Machado tinha entrado em exercício poucos dias. Não podia deixar de comover-me pela sorte da vítima. Saiu um artigo no Constitucional a este respeito e foi-lhe dirigida uma petição.
A ordem de soltura foi expedida ao comandante superior interino Cunha Athayde. Este homem sem entranhas não quis cumprir a ordem. Em uma carta o sr. Claudino levou ao conhecimento do sr. Machado a resistência que opusera o comandante superior à sua ordem. O sr. Machado não deu providências. O comandante superior, insinuando de Ouro Preto, declarou, em ofício ao governo, que Barbalho era guarda nacional designado.
Vozes – É incrível!
Benjamin – O sr. Machado mandou uma escolta busca-lo à cadeia da cidade de Itabira e recolhe-lo ao xadrez do quartel.
Com um atestado firmado pelos oficiais do comando superior da cidade de Itabira, que examinavam os substitutos oferecidos pelos guardas nacionais designados, com uma certidão da secretaria militar, provamos que Barbalho tinha se isentado do serviço de guerra dando substituto por si.
Não fomos atendidos.
O sr. dr. Claudino ofereceu um, dois, três substitutos, e, finalmente, 2:500$ pela exoneração do infeliz preso.
(Trocam-se muitos apartes.)
O sr. Machado mandou metê-lo na leva de recrutas, e remeteu-o para esta corte.
Muitas vozes – Oh! oh!
Benjamin – Como o sr. ex-ministro da Guerra tinha o costume de fazer embarcar repentinamente os recrutas e designados por motivo político (muitos apoiados), resolvemos remeter os documentos pelo correio ao sr. dr. Luiz Carlos da Fonseca, membro distinto desta Câmara, e que sinto estar ausente.
O desgraçado Barbalho não embarcou para o Paraguai; mas o sr. Paranaguá obrigou-o a dar outro substituto.
(Trocam-se apartes.)
O sr. ex-ministro da Guerra estranhou o procedimento do ex-presidente de Minas Gerais, mas seu oficio desapareceu da secretaria da Guerra e da secretaria da dita província.
O comandante superior interino Cunha e Athayde não foi suspenso e nem sequer advertido. (Oh! oh!)
Os documentos que provam a ilegal prisão de Barbalho durante onze meses, que ele já havia dado um substituto por si, que o sr. Machado não permitiu-lhe que desse outro substituto, que o remeteu preso para esta corte, estão inseridos em um discurso que na sessão de 1867 proferi na Assembleia Provincial. [Anais do Parlamento Brasileiro, 5/8/1869. BN-Rio]
Arruaça no Te-Deum I
Mariana, 20 de dezembro de 1867 – A guerra sendo questão de honra para todos os brasileiros amantes de seu país, o governo a tem tornado odiosa, servindo-se dela como pretexto por meio de seus, pela maior parte, desmoralizados agentes para inúmeras vexações, perseguições à adversários políticos, e inauditas atrocidades, que não teriam explicação, mesmo quando legalmente estivessem suspensas todas as garantias, não respeitando-se ao menos os sagrados recintos, a senectude, e o pudor feminino no furor infrene de vexar, molestar e perseguir, quando tratando-se da mais santa das causas, para a qual nenhum verdadeiro brasileiro recuse o seu auxilio, toda a moderação, o mais esclarecido espírito de justiça deveria presidir as medidas que a necessidade reclama.
Há poucos dias presenciamos um espetaculoso contristador, que por desgraça nossa deu-se na sede do bispado, perante respeitáveis ministros de Cristo.
Quando celebrava-se um Te-Deum, foi invadida a igreja por soldados, que procuravam prender para recruta a um aprendiz de João Lúcio, que já se sabe, não é da sucia, fazendo-se grande ruído a ponto de perturbar o ato religioso, que se celebrava; e a não ser a intervenção de dois ou três sacerdotes, se teria verificado a prisão para vergonha nossa.
Poucos dias antes tinha-se prendido a um idiota na mesma igreja, o qual sendo remetido para aí, foi julgado incapaz. [Constitucional (MG), 3/1/1867. BN-Rio]
Arruaça no Te-Deum II
Itabira, 13 de março de 1868 – Congratulo-me com o Constitucional pelos heroicos feitos de 19 do passado nos quais tão brilhantemente se traduziu o patriotismo e abnegações de nossos correligionários; pois quem for razoável e imparcial reconhecerá que se os chefes gloriosos de nossos exércitos de mar e terra são conservadores, a maioria daqueles se compõe de conservadores voluntários da pátria, designados ou recrutados; honra e gloria a estes bravos que com verdadeira abnegação, depondo no altar da pátria seus justos ressentimentos foram nos charcos do Paraguai reivindicar a honra nacional tão vil e traiçoeiramente menosprezada por aquele cacique, e mais uma vez ostentando perante o estrangeiro a bandeira brasileira, a elevarão tão alto quanto pudesse ser admirada e vitoriada pelas nações do mundo civilizado.
Alguns liberais daqui já de véspera sabiam da notícia, mas não transpirava; com a chegada do correio é que ela se espalhou e os conservadores daqui, que esperam o fim da guerra como urgente necessidade do país e termo de seus sofrimentos contínuos, foram os primeiros que de suas portas, fazendo subir ao ar numerosos e repetidos fogos anunciaram a toda a cidade e sua circunvizinhança o grande acontecimento.
Então os liberais assim arrancados da toca pelo próprio povo que, sobranceiro a caprichos políticos, cruzando as ruas da cidade saudava o dia nacional e vitoriava seus heróis, soltaram algumas bombas e reunindo a música das assuadas saíram em multidão, e depois do orador repetir seu aranzel em uma ou outra porta de liberais segredavam ao ouvido do oráculo a quem de seu partido daria vivas, e lá saíra o invadido Porto Alegre; dizem-me mesmo que chegaram a saudar o Asa Negra, mas o povo, não se envolvendo nesta reserva, prorrompia em vivas aos heróis do dia, marques de Caxias, visconde de Inhaúma, barão da Passagem e Maurity, os quais eram então entusiasticamente correspondidos.
Os conservadores mais pronunciados se abstiveram de acompanhar esta ostentação, porque a aparição da música na rua lhes associa a lembrança dos insultos que ela por tantas vezes também dirigida por seus chefes lhes são prodigalizado; assim o seu verdadeiro prazer e entusiasmo se traduzem em felicitações aos amigos, depois de anunciarem os primeiros, o grande feito.
Não compareceram também ao Te Deum porque o sr. vigário já no último quartel da vida ainda se não compenetrou de que o seu reino não é o deste mundo, de que a sua missão, principalmente como pároco, é a de reconciliar suas ovelhas ministrando-lhes indistintamente os socorros espirituais e franqueando-lhes os ofícios divinos no templo do Deus vivo, perante o qual todos somos iguais, não há progressistas e conservadores, não há senhores e escravos; mas nem sempre assim acontece, pois um fato bem recente melhor o prova.
Dispondo a lei que apurada a eleição e titulados os eleitores se cante um Te Deum, cujas despesas do altar fará o vigário e as demais a Câmara assim não acontece; por escarnio aos eleitores conservadores estes foram convidados; mas comparecendo ao templo, ali não encontraram mesa, assentos e o de mais que a lei recomenda para toda a dignidade deste ato solene.
A igreja estava simples como nos dias ordinários, e depois da missa conventual que era a hora designada, retirando-se todo o povo, os conservadores ali esperaram com irrisão do próprio sacristão, que queria fechar o templo, até que alguns se resolveram a se dirigir ao vigário, que já despido se achava na sacristia muito ao fresco, lhes respondeu que não havia Te Deum por não haver música, como se não havendo música não se possa dar graças a Deus.
É verdade que seu coadjutor dissera em público levianamente que tendo vencido alguns conservadores não havia de que dar graças a Deus, e assim aconteceu; mas a lei recomenda que o vigário cante o Te Deum e não que a música toque.
Por tanto faltando as suas obrigações de pároco para satisfazer a seu rancor político fique-lhe a gloria deste seu ato censurado pelos próprios liberais moderados, e os conservadores se limitaram, em quanto as coisas se não mudarem, a comparecer na matriz estritamente para o cumprimento dos preceitos da igreja.
Inclusa lhe remeto a apuração dos votos para senador como para membros da Assembleia Provincial. A guerra aos históricos e conservadores foi excessiva; o sr. vigário até deserdou a seu filho Martinho Campos, segundo dizem, e renunciando as antigas relações de amizade com os Ottonis, adotou por filho o sr. Silveira Lobo [deputado] et reliqua. É bem agradável o sol que nos aquece hoje. [Constitucional (MG), 28/3/1868. BN-Rio]
Essa guerra foi a própria desgraça!
O Brasil saiu falido dela e o Paraguai praticamente inexistente.