Biblioteca Nacional reverencia Carlos Drummond de Andrade

CDA: Caio verticalmente e me torno notícia.

O jornalista Regis Farr, do JB, cobriu a grande celebração que a Biblioteca Nacional preparou para o seu leitor compenetrado, usuário da cadeira n. 4 da Sala de Leitura. Da reportagem, “Quatro gerações beijam Drummond”: recortamos algumas informações para ilustrar a fala de gratidão do poeta Drummond à Biblioteca.

Carlos Drummond: paraninfo da escola de música, 1942 (Foto: acervo Caderno de Leituras). No destaque, a Biblioteca Nacional (Foto: André Melo/Ministério da Cultura)

 … A homenagem de ontem aos 80 anos: um público formado por quatro gerações aplaudiu e beijou Carlos Drummond de Andrade; seguindo-o pelos corredores da Biblioteca Nacional, tocou-o e estendeu-lhe dezenas e dezenas de pedaços de papel para autógrafos, dados com canetas emprestadas.

“De início, revelou, “eu fiquei meio assustado, mas agora estou achando bom. Afinal, quem não gosta de receber carinho?”

Calça marinho e paletó impecavelmente branco, tendo sempre a seu lado a filha Maria Julieta, o poeta disse que não faria um balanço de sua obra, por ser um processo continuo, e que seu 80⁰ aniversário não será comemorado em família: “Afinal, fazer 80 anos não é nenhum ato de bravura, nenhum gesto heroico. É apenas uma contingência.”

Mas emocionou o poeta a descida das escadas da Biblioteca: no hall e nas escadarias, crianças, adolescentes, adultos e senhoras, comprimidos, levantaram suas mãos para o aplauso a Drummond.

“Oh! que maravilha!”, suspirava, entre eles, o escritor Antônio Carlos Villaça. Endossavam os vivas da homenagem Aurélio Buarque de Holanda, Afonso Arinos de Mello Franco, Tristão de Athayde, Paulo Mendes Campos, Marcos Vinícius Vilaça, Josué Montello, entre outros.

Mãos nos ombros de Maria Julieta ou cruzadas, Drummond esboçou um sorriso amarelo e o gesto de reprovação de um avô a arte do neto a José Guilherme Merquior, que chamou de “o maior poeta brasileiro”. [Jornal do Brasil, 27.10.1982]

Com todo o cuidado possível, Drummond retirou do bolso de seu paletó uma folha de papel, dobrada em quatro, era seu discurso de agradecimento, lido com uma voz tomada pela emoção (Cristina Silveira).

Eis o discurso:

Sr. Secretário de cultura, Marcos Vinícios Vilaça

Sr. Subsecretário do Patrimônio Histórico e Artístico, Irapoan Cavalcanti de Lyra II

Sra. Diretora da Biblioteca Nacional, Célia Ribeiro Zahar

Meu caro Merquior

Minhas amigas e meus amigos

Ao ter notícia de que se preparava esta exposição, depois da surpresa natural, ocorreu-me uma explicação que até agora não acho de todo fora de propósito:

Discurso de CDA na Biblioteca Nacional na homenagem aos seus 80 anos

Certamente é mais uma forma simpática de assimilar o Ano Internacional do Idoso. Sim, porque sou um dos brasileiros que, pelo simples fato de existir, atesta que em nosso país a vida humana vai alcançando maior duração.

Depois, encontrei outro motivo para este ato de requintada cordialidade: a administração cultural do país distingue, através da minha pessoa, os inumeráveis usuários da Biblioteca Nacional, que incessantemente se alimentam de seus serviços para a criação intelectual, e dos quais é símbolo inesquecível Raymundo Magalhães Júnior.

Ao longo da vida, tenho frequentado esta casa, senão com a assiduidade que desejaria, pelo menos com um amor que vem desde o dia remoto em que subi os seus degraus e pude reverenciar o seu então diretor, mestre Rodolfo Garcia. Aqui reuni material para alguns trabalhos, e no silêncio destas salas passei horas saborosas, dessas que a gente não sente que estão passando e que, paradoxalmente, nunca se esquecem.

Resta, ai de mim, o último e discutível fundamento desta exposição: lembrar o meu serviço literário. Obviamente, não estou habilitado a julgá-lo, mas tenho fortes razões para afirmar que não sou o escritor que veem em mim, e sim alguém que, com razoável gosto pela literatura, procurou dar o seu recado sem maiores lampejos, e com evidentes limitações de formação cultural, buscando apenas não faltar ao sentimento de liberdade e justiça – o que, de resto, deve ser peculiar aos que escrevem para o público, mesmo que, como é o caso, não tenham pretensão de doutriná-lo.

Ainda aqui, prefiro acreditar que a Secretaria de Cultura e a Biblioteca Nacional, como o meu caro Merquior, pretendem consagrar mais que um determinado escritor, a figura do trabalhador de letras, representada acidentalmente num deles que conseguiu chegar aos 80 anos acreditando na literatura como fator de entendimento entre os homens.

Aos que promoveram este ato, e aos que a eles assistem, o meu coração profundamente agradece. (Carlos Drummond de Andrade)

| Tão logo terminou seu agradecimento, Drummond viu-se cercado por amigos, admiradores, abraços, cumprimentos e pedidos de autógrafos. O cerco ao poeta era tanto que ele teve que ser “sequestrado” de seus admiradores, indo para o gabinete da diretora. Lá, na porta, formou-se imensa fila. Por longo tempo, com uma caneta emprestada daqui outra dali, não fez outra coisa senão dar autógrafos. Cansado, preocupado, Drummond pediu, por fim:

– Deixem-me ir para casa. Minha mulher está doente e eu não gosto de deixa-la só. |

O agradecimento do poeta

Na crônica Mirante, na Coluna DRUMMOND, do Caderno B do JB de 30/10/1982, o poeta escreve suave, talvez, contagiado pelas tantas homenagens de celebração de seus oitent’anos de vida.

O cronista escreveu em Mirante três assuntos: Passarinho: sobre a pintora Estela Antunes e os beija-flores; Darcy: festeja os sessent’anos do brasileiro Darcy Ribeiro; Octogenário: palavras de agradecimento às manifestações que recebeu do povo carioca nos 80 anos.

DRUMMOND – Mirante – Octogenário

“Profundamente comovido” ficou sendo expressão de boca e papel, sem significar mensagem de coração. Mas como encontrar outra, na perplexidade que me deixaram as absurdas, de tão doces, provas de afeto e generosidade que cercaram este inexperiente octogenário (porque não há experiência possível no caso)?

A impressão que tenho é a de que estão celebrando previamente o centenário de alguém que usa o meu nome e que não sabe se aguenta no rojão ou explode de felicidade imerecida. Outras horas, me sinto bebê mimado, acarinhado, lambuzado de ternura, desejoso de não crescer, a fim de eternizar esse instante de sonho.

Sinto-me póstumo e recém-nascido, fora dos quadros da miúda realidade. A custo volto a mim, ao meu eu cotidiano, mas volto siderado de emoção, de efusão amorosa por tanto amor que me deram. A todos todos todos: pena que eu não saiba agradecer. Gaguejo, emudeço… de gratidão.

Carlos Drummond de Andrade

 

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