A banalidade do mal: o que faz uma pessoa queimar uma floresta propositalmente?
Incêndio criminoso na área do Pontal, Itabira, Minas Gerais
Foto: Carlos Cruz
Por Rosângela Trajano
EcoDebate – O fogo que já vinha há algum tempo destruindo parte das nossas florestas, neste último fim de semana deixou um grande desastre ambiental em Mato Grosso com mais de 20 mil focos de incêndio espalhados pelo Estado, o Amapá, o Pará, o Amazonas, o Mato Grosso do Sul e Tocantins.
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontam que entre os dias 1º de janeiro e 25 de agosto, foram registrados 107.133 focos de queimadas no país em 2024. O número representa um aumento de 75% em relação ao mesmo período de 2023.
Quando queimamos as nossas florestas destruímos árvores centenárias, matamos animais silvestres e assustamos a população rural que não tem para onde ir com as suas crianças, idosos, mulheres grávidas e animais. Foi isso que podemos ver no estado de São Paulo nos últimos dias 24 e 25 de agosto de 2024.
O fogo se alastrou no interior paulista e assustou muitos produtores rurais que perderam suas plantações e foram prejudicados por incêndios quem segundo as autoridades, 99,9% foi causado pela ação humana e sendo suspeito de serem criminosos.
É triste saber que alguém queima florestas de propósito ou por uma questão de ignorância. Até a noite de 26 de agosto, já havia sido presas quatro pessoas, todas acusadas de atearem fogos criminosos nas nossas florestas. É sobre isso que quero conversar mais com você, leitor(a).
O que faz uma pessoa queimar uma floresta propositalmente, deixando um rastro de dor e desespero nas famílias por onde esse fogo vai passando?
Aulas foram suspensas, crianças e idosos foram parar nos hospitais com problemas respiratórios, estradas foram bloqueadas por causa da fumaça. Usinas fecharam as suas portas e produtores rurais assustados gritavam por um socorro que custou a chegar. Por que custamos tanto a salvar vidas no nosso país?
Essas pessoas presas acusadas de atearem fogos de propósito nas nossas florestas estavam a mando de quem? Ou simplesmente decidiram fazer um foguinho aqui e acolá e pronto? É difícil descobrir o que leva uma pessoa a andar com um galão de querosene nas mãos e uma caixa de fósforos para causar mal a tanta gente.
Não consigo me conter que sejam inocentes, pois a maldade alheia já ultrapassou o seu limite faz algum tempo e como dizia a nossa grande filósofa judia Hannah Arendt, é a banalidade do mal sendo feita de uma forma cruel e sem se dar conta de que se estar verdadeiramente o cometendo com as próprias mãos.
Fica dentro de mim uma desconfiança de que esses homens estavam cumprindo ordens de alguém, não sei quem, mas eles nem sabiam na verdade o que estavam fazendo. Como dizia Arendt, é uma multidão incapaz de fazer julgamento morais, apenas cumprem o que lhes mandam fazer. Vamos aguardar as investigações.
A banalidade do mal para Arendt é o ato elaborado sem o pensar, sem o refletir, sem o buscar argumentos, simplesmente agir sem tomar por si as consequências daquilo que se está sendo feito sendo levado por ordens ou um pensamento retrógrado ao bem. O homem pratica o mal sem dar por conta de que está o fazendo.
Ademais, perdemos um brigadista em Mato Grosso e mais dois funcionários de uma usina paulista que tentavam parar o fogo numa tentativa desesperada para que não cometesse mais danos à população. Tivemos os nossos heróis, mas as queimadas continuam no Pantanal e na Amazônia.
Em São Paulo, a baixa umidade do ar, os ventos, o clima seco contribuiu para que o fogo se alastrasse e causasse grandes danos aos produtores rurais.
Combinado com todos esses fatores vem o problema humano, pessoas que fazem fogueiras em acampamentos inapropriados, soltam balões mesmo tendo uma lei proibindo este tipo de ação e bitucas de cigarros jogadas em qualquer local provocaram incêndios gigantescos principalmente na cidade de Ribeirão Preto.
É o mal absoluto que cada um trazemos dentro de nós que está agindo ou estão sendo comandados por uma força maior?
A situação de severa estiagem que já vinha comprometendo a safra nas cidades de Pintagueiras e Bauru, também foi um agravamento para que o fogo se espalhasse e tomasse dimensões gigantescas.
As queimadas criminosas deixam um profundo lastro de dor e severos problemas à população rural. As pessoas entraram em desespero ao verem seus animais e suas plantações sendo queimadas e sem poderem fazer nada. O fogo se aproximando das suas casas, queimando seus gados e tomando proporções impossíveis de serem controladas.
Por mais esforços que as autoridades tenham feito nesse fim de semana, a situação não pôde ser contida, infelizmente. Ficou a dor da perda das plantações, o prejuízo de mais de 1 bilhão no agronegócio segundo autoridades paulistas e várias pessoas feridas.
Os hospitais ficaram lotados com pessoas sem poderem respirar direito. O drama dos paulistanos é grande para recuperar tudo o que foi perdido com essas queimadas.
Precisamos de um plano e da ação urgente das autoridades federais e municipais para que possamos parar com essas queimadas ou perderemos as nossas florestas e teremos um grave problema nos próximos dias com o tempo ficando cada vez mais quente e seco.
É triste saber que num país de tantas árvores bonitas, animais silvestres quase em extinção estejam sendo mortos por ações de homens perigosos à nação.
É importante desde cedo educar às nossas crianças para que valorizem as florestas com suas fauna e flora, despertando-as para os perigos de colocarmos lixo em qualquer lugar, queimarmos lixo próximos de florestas e coisas que podem alastrar o fogo para outros locais.
As crianças precisam saber o quanto as florestas são importantes para o nosso bem-viver e isso só pode ser ensinado na escola pública.
Não adianta só culpar o senhorzinho que estava queimando um lixo à beira da estrada, o homem que estava com um litro de querosene e fósforos nas mãos e os demais que foram presos, pois além da ação humana temos a ação desfavorável do clima seco que proporciona grandes desastres ambientais nas nossas queimadas. A não ser que esses homens estivessem causando o mal obedecendo ordens superiores e sem darem conta da dimensão dos seus erros.
As cadeias produtivas mais afetadas foram bovinocultura de corte, bovinocultura de leite, produção de cana-de-açúcar, fruticultura, heveicultura (cultivo de seringueiras) e apicultura. São dessas produções agrícolas que vêm os nossos alimentos para à mesa.
Os homens e as crianças necessitam urgentemente serem educadas para respeitarem os produtores dos seus alimentos, a conhecerem de perto essas plantações, verem o quanto é difícil a vida de alguns produtores rurais.
Não é somente apagar o fogo e ponto final. É uma questão maior, muito mais gigante do que possamos imaginar.
Os países lá fora olham para o Brasil consternados porque sabem que podemos e temos tecnologias que podem evitar estas queimadas, podemos salvar as nossas florestas e ainda está em tempo de elaborarmos projetos e planos em busca disso.
A formação de crianças e adultos que aprendam de uma vez por todas a não fazerem fogueiras em locais secos e, principalmente, a não soltarem fogos de artifícios próximos das florestas assustando os animais silvestres e que podem causar queimadas.
As queimadas desse fim de semana nos convocam para juntos pensarmos numa educação ambiental para além da escola, mas para aquelas pessoas que querem somente queimar uma pequena área para construírem uma casinha e acabam causando grandes incêndios florestais.
Não é somente dando mais dinheiro ao homem do campo para ajudá-lo com as perdas geradas com as queimadas nas suas fazendas, usinas e plantações. É também educando a todos com programas na televisão e rádio, conscientizando-os de que não se deve colocar fogo em lugar algum.
Precisamos atuar como guardiãs das nossas florestas e buscarmos salvar o máximo que pudermos de árvores e animais silvestres, não deixando que isso se repita. No Brasil, costuma-se resolver problemas quando eles já estão grandes demais. Não é assim que funciona. Faz anos que as queimadas no Pantanal e na Amazônia vêm nos alertando dos seus perigos.
Por mais que as autoridades queiram afirmar que os incêndios não são criminosos, é difícil de acreditar que haja tantas queimadas apenas por clima seco e baixa umidade do ar em várias regiões do país.
Estão queimando as nossas florestas criminosamente, sim, para roubarem a nossa madeira, para abrirem estradas clandestinas e principalmente para criarem garimpos no meio da selva amazônica. Claro que em São Paulo os incêndios tiveram outras causas, mas tudo está interligado.
Tudo mata e destrói a nossa fauna e flora que são tão necessárias à sociedade. Que não precisemos ver mais cenas dramáticas com as desse último fim de semana e que as crianças possam verdadeiramente serem educadas para amarem o meio ambiente, para que possam preservá-lo como se fossem as suas próprias vidas.
Só sabe o que é um incêndio numa floresta quem já conviveu de perto com ele e eu já tive esta experiência com uma pequena floresta próxima da minha casa que em todo verão, através da ação humana, seja por ignorância ou por falta de educação ambiental, as pessoas soltavam fogos de artifícios ou lançavam bitucas de cigarro nela causando grandes incêndios que nos deixavam sem condições de respirar. E que quase matou idosos e crianças se não fosse a ação rápida dos bombeiros.
Vi nesses diversos incêndios da minha pequena floresta vários animais silvestres correndo desesperados pelas ruas, entrando dentro das casas dos moradores para se salvarem do fogo.
Mais uma vez o verão se aproxima, a vegetação está seca e um novo incêndio pode acontecer a qualquer momento próximo da minha casa. Temo pelas pessoas idosas e pelas crianças que sofrem agonizando com a fumaça e sem contar com as cinzas que o vento traz por dias para dentro das nossas casas sujando tudo.
Se os incêndios não são criminosos esses dois homens pegos com querosene e fósforos nas mãos no estado de São Paulo só podem ser totalmente ignorantes ao atearem fogos em florestas. Por que fariam isso? Com qual finalidade?
Perguntas que ainda não temos respostas, mas sabemos que políticas públicas e educacionais sendo levadas às populações mais carentes sobre a importância da preservação ambiental podem evitar que esses homens continuem fazendo isso.
Não é apenas prendendo essas pessoas por algum tempo, mas educando-as para uma preservação das florestas que só estão lá para nos ajudarmos a respirar melhor e nos dar o nosso alimento.
Para mim, tudo é uma questão de educação ambiental. É claro que o nosso país tem muitos outros fatores para elencar sobre as queimadas, mas se pudermos fazer a lição de casa com as nossas crianças desde pequeninas quem sabe possamos ver menos incêndios gigantescos como estes deixarem de acontecer num futuro próximo.
Se investirmos em tecnologias nas nossas escolas técnicas com pesquisas e equipamentos que detectem focos de incêndios assim que eles começarem nos mais distantes locais.
É triste falar sobre as queimadas nas mais diferentes regiões do nosso país, porém é mais triste saber que podemos fazer algo para evitar que novos incêndios aconteçam e estas lições estão dentro das nossas casas ensinando às nossas crianças e idosos que não devemos fazer fogo em qualquer local, que o fogo pode matar, que o fogo é perigoso.
E o mais correto no ditado que sempre foi dito pelos nossos avós “onde há fumaça, há fogo.” Tanto se fala e tão pouco se faz. Pensemos nas nossas ações e reflitamos para que deixemos de ser fumaça para evitarmos o fogo das nossas florestas.
*Rosângela Trajano é articulista do EcoDebate, poeta, escritora, ilustradora, revisora, diagramadora, programadora de computadores e fotógrafa. Licenciada e bacharel em filosofia pela UFRN e mestra em literatura comparada também pela UFRN.
É pesquisadora do CIMEEP – Centro Internacional e Multidisciplinar de Estudos Épicos. Com mais de 50 (cinquenta) livros publicados para crianças, ministra aulas de Filosofia para crianças na varanda da sua casa, de forma voluntária. Além disso, mora pertinho de um mangue aonde vai todas as manhãs receber inspiração para poetizar.