Ribeirão São José continua abandonado e Prefeitura quer fazer reforma que é obrigação da Vale

Carlos Cruz

A Prefeitura deve licitar nos próximos meses as obras de restauração do conjunto arquitetônico (casas de máquinas e do administrador) da usina hidrelétrica Ribeirão São José, tombado como patrimônio histórico e paisagístico municipal. Os recursos sairão do Fundo de Gestão Ambiental (Fega).

O local está abandonado, sofrendo com vandalismo e furto de peças valiosas (leia aqui. aqui e aqui). É o que pode, inclusive, impedir que volte a funcionar como parque temático de geração de energias alternativas, conforme foi projetado e prometido pela Vale como uma de suas compensações ambientais pelo desmatamento para abrir as suas minas no passado.

A casa das máquinas e o ribeirão São José: abandono com poluição permanece no local (Fotos: Carlos Cruz)

A usina está localizada a 15 quilômetros de Itabira pela MGC-120, sentido Nova Era, passando por uma nada conservada estrada vicinal. No local era para ser instalado o Parque Natural Municipal Ribeirão São José, que só existe em lei.

Elaborado em 2004 por uma equipe multidisciplinar da Universidade Federal de Viçosa, contratada pela Vale, o projeto de restauração e implantação do parque foi aprovado pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico (Comphai) e pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema). Entretanto, quase nada do que foi previsto saiu do papel.

Muitos equipamentos foram furtados, comprometendo o projeto de fazer a usina voltar a funcionar. No local exala um forte cheiro de óleo, possivelmente de ascarel, substância altamente tóxica.

Ficou só no projeto conceitual e em uma maquete apresentados à comunidade. Ambos ficaram “esquecidos” nos arquivos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que se nega a apresentar a este site os detalhes do que estava programado, mesmo após insistentes solicitações dirigidas ao superintendente de Meio Ambiente, Renato Couto.

Para a implantação do parque, a Vale se limitou a adquirir 329,31 hectares de terras ao redor, além de ter repassado recursos para manutenção de aceiros e pagamento de vigilância no local por um período de dez anos.

Findo esse prazo, sem vigilante, o parque foi saqueado no ano passado, o que voltou a se repetir neste ano, sob negligência e omissão das autoridades municipais.

Vale diz ter feito a sua parte…

Quebradeira na casa das máquinas continua

Procurada pela reportagem, por meio de sua assessoria de imprensa, a Vale apresentou uma resposta padrão, dizendo que todas as condicionantes da Licença de Operação Corretiva (LOC), aprovada em 18 de maio de 2000 (completou, portanto, 18 anos neste mês), foram cumpridas.

“Como atendimento à LOC, a Vale celebrou com a Prefeitura Municipal de Itabira um Convênio de Cooperação Técnica e Financeira em 2003″, diz a nota.

“Esse convênio previa, entre outros itens, ações de implantação e manutenção do parque, a serem desenvolvidas pelo Município, mediante repasse de recursos financeiros da ordem de R$ 190 mil anuais por 10 anos por parte da Vale. O convênio foi encerrado, como previsto, em 2014, com a Vale tendo quitado plenamente os repasses determinados.”

Para a Vale, “as condicionantes relativas à LOC foram consideradas cumpridas pelo órgão ambiental responsável”.

Mas não é o que se constata

Trata-se de uma meia verdade, um sofisma, como se pode constatar pelo fato de o parque não ter sido efetivamente implantado, mesmo tendo sido objeto de um outro convênio firmado com a Prefeitura, em 2003, como parte de revalidação da referida LOC, conforme parecer da Superintendência de Meio Ambiente (Supram).

E mais equipamentos podem ser surrupiados. Até a porta de entrada foi furtada

“A Vale S.A. por meio do Relatório de Acompanhamento das Condicionantes informou em 03/2012 que celebrou em 09/07/2003 junto à Prefeitura Municipal de Itabira um Convênio de Cooperação Técnica e Financeira, para fins de cumprimento das condicionantes 34, 37 e 38 visando o apoio à implantação e manutenção das Unidades de Conservação no âmbito do município de Itabira/MG.” (leia links no fim desta reportagem).

Assim como fez no relatório apresentado aos órgãos ambientais para obter a LOC, a Vale diz ter feito algo que não existe.

Na ocasião da audiência pública, realizada no centro cultural em 12 de fevereiro de 1998, a mineradora apresentou documento informando ter construído áreas de lazer no bairro Praia e no poço Água Santa.

Foi motivo de chacota na audiência, uma vez que se tratavam de obras fantasmas, e que só foram construídas anos mais tarde.

 

Condicionantes não cumpridas

Com relação ao alegado cumprimento integral da LOC, o ex-secretário de Meio Ambiente Arnaldo Lage já havia contestado essa afirmação numa reunião da Supram-Leste, realizada em Governador Valadares, em 24 de setembro de 2012.

Segundo ele foi registrado em ata, pelo menos três das 52 condicionantes ainda estão pendentes. Entre elas, o ex-secretário relaciona a implantação de todas as unidades de conservação (só foram instalados os parques do Limoeiro, em Ipoema, e do Intelecto), assim como a viabilização das alternativas de captação de água para abastecimento na cidade e atração de novas indústrias.

Casa do administrador também foi destruída

Outra condicionante que ele relaciona como não tendo sido cumprida está a instalação de uma central de resíduos sólidos, que também permanece pendente.

Pode-se acrescentar ainda o não cumprimento da condicionante que trata da implantação de cinturão verde entre as minas e ao longo da ferrovia.

Nesse caso, é fácil confirmar: basta verificar ao longo da estrada de ferro no perímetro urbano e ao redor das minas a inexistência de um cinturão verde, que deveria ser de manutenção permanente.

No entanto, o órgão ambiental estadual renovou a licença para a mineradora operar as minas de Itabira, mesmo sem ter cumprido a íntegra das condicionantes.

Secretaria é omissa, mas ex-secretário apresenta relatórios

Cachoeira (ao fundo) se for despoluída pode servir para lazer

Como a Secretaria Municipal de Meio Ambiente se nega informar a este site sobre os compromissos para implantar o Parque Ribeirão São José, a reportagem buscou o histórico das negociações com o também ex-secretário de Meio Ambiente, Nivaldo Ferreira dos Santos.

Assim como fez Arnaldo Lage, ele também contesta a afirmação da mineradora de que todas as condicionantes foram cumpridas. Conforme conta, a implantação das unidades consta também do parecer da Supram emitido em 2012, como parte do processo de revalidação da LOC, ocorrida naquele ano.

“A Vale S.A. por meio do Relatório de Acompanhamento das Condicionantes informou em 03/2012 que celebrou em 09/07/2003 junto à Prefeitura Municipal de Itabira um Convênio de Cooperação Técnica e Financeira, para fins de cumprimento das condicionantes n.º 34, 37 e 38 visando o apoio à implantação e manutenção das Unidades de Conservação no âmbito do município de Itabira/MG.”

Convênios

Esse convênio, segundo Nivaldo Ferreira, está identificado na Prefeitura como “Convênio LOC”. Entretanto, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, agora sob gestão da secretária Priscila Braga, se nega a prestar informações a este site.

Obrigações da Vale e da Prefeitura na implantação do parque

É nesse convênio que está prevista a implantação das unidades de conservação, a saber: Parque Natural Municipal Ribeirão São José, Parque Natural Municipal do Alto Rio Tanque, Reserva Biológica Mata do Bispo, APA Santo Antônio, APA Piracicaba, Parque Municipal Mata do Limoeiro (que virou parque estadual).

Dessas unidades, somente os parques do Intelecto e do Limoeiro foram implantados.

“No período em que estive à frente da Secretaria de Meio Ambiente (2013 a 2016) defendi, juntamente com a nossa equipe técnica, que fosse usado o mesmo procedimento do Parque Natural Municipal do Intelecto, com a assinatura de convênios específicos para cada unidade de conservação”, recorda o ex-secretário, que complementa:

“A Vale parece querer que esse convênio LOC seja ignorado e esquecido, de forma a evitar o comprometimento da empresa com a implantação e manutenção das demais unidades de conservação municipais que estavam previstas e comprometidas.”

Ainda segundo ele, foi em 2004 que Prefeitura e Vale firmaram “convênio de manutenção”, com prazo de vigência de dez anos. Foi para esse convênio que a mineradora alega ter repassado recursos anuais no montante de R$ 190 mil, em valores da época, totalizando R$ 1,9 milhão. Só que esses recursos foram destinados à manutenção do “parque” – e não para a sua implantação, o que efetivamente não ocorreu.

“Entre 2013 e 2016 tentamos renovar o ‘Convênio Manutenção’. Na ocasião, a Vale ainda devia, até o final de 2016, a décima parcela desse convênio, relativa ao ano de 2013”, disse Nivaldo Ferreira, informando ainda que a renovação não ocorreu. “Essas negociações com a Vale precisam ser retomadas e concluídas pelo atual governo”, defende. “Pelo que tenho conhecimento, a Vale não repassou recursos para a implantação do parque Ribeirão São José.”

Crise é pretexto

Projeto conceitual foi elaborado pela Universidade Federal de Viçosa, com recursos da Vale

Ainda de acordo com Nivaldo Ferreira, Vale e Prefeitura recuaram e interromperam as negociações para viabilizar a instalação do parque Ribeirão São José em consequência da crise de 2008/09, quando ocorreu a redução das atividades minerárias.

Pois agora é hora de reiniciar essas negociações. Isso sob pena de o projeto do parque se perder para sempre e a Vale ficar mais uma vez com fama de Pinóquio, ao manter a afirmação de que todas as condicionantes da LOC foram cumpridas integralmente.

Cabe à Prefeitura e ao Codema cobrarem o cumprimento integral dessas condicionantes e dos acordos posteriores. Para isso, o governo municipal pode utilizar do artifício de não conceder novas anuências para futuros licenciamentos ambientais da mineradora no município.

“A minha leitura é de que a Vale tem a obrigação de implantar todas as unidades de conservação. Afinal a condicionante é dela e não da Prefeitura. Mas, infelizmente, esse não tem sido o entendimento dos órgãos ambientais de Minas Gerais”, lamenta o ex-secretário municipal de Meio Ambiente.

Parque é para virar laboratório de energia renovável

O Parque Natural Municipal Ribeirão São José só existe em lei – e está abandonado. Pelo projeto elaborado pela Universidade Federal de Viçosa, contratada pela Vale, próximo do conjunto arquitetônico seria edificado um centro experimental de educação ambiental.

Projeto prevê a instalação de um parque temático de geração de energia renovável

Pela sua origem histórica, seria um parque temático de fontes renováveis de energia. O projeto também valoriza o lazer e a contemplação da natureza, em um local onde se tem vegetação abundante da Mata Atlântica, além de uma cachoeira.

Para o parque consta também a prática de esportes radicais como arvorismo e trekking. Espaços de convivência ofereceriam aos visitantes oficinas e palestras, com lanchonetes e loja de artesanato.

Com isso, seria incentivado o microempreendedorismo e a produção artesanal e a produção agropecuária no entorno do parque. Haveria, ainda, uma biblioteca e um centro de pesquisa com laboratório.

Inhotim

Mas a Vale, infelizmente, preferiu investir vultosos recursos no Instituto Inhotim, propagandeado como um dos mais importantes acervos naturais e da arte contemporânea do Brasil. Afinal, dá mais visibilidade para o marketing da empresa. Hoje, o instituto está sob investigação federal, acusado de lavagem de dinheiro.

Em Brumadinho, a Vale investiu recursos numa antiga mina da Itaminas. E deixou de investir no parque Ribeirão São José e nas outras unidades de conservação em Itabira, como parte de pagamento de seu passivo ambiental no município. Isso para compensar as perdas florestais que ocasionou no município onde nasceu e iniciou as suas atividades, tornando-se uma das maiores mineradoras do mundo.

Para saber mais, acesse:

http://www.reunioes.semad.mg.gov.br/down.asp?x_caminho=reunioes/sistema/arquivos/material/&x_nome=Item_9.1._Vale_S.A.pdf

http://www.reunioes.semad.mg.gov.br/down.asp?x_caminho=reunioes/sistema/arquivos/material/&x_nome=9.2_PT_Reserva_Biol%F3gica_Mata_do_Bispo.pdf

 

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3 Comentários

  1. Com essa mineradora é como dizia meu pai:
    -se eles escreverem, não leia;
    e se assinarem, corra ao Cartório para registrar o documento porque senão perderá o valor.
    Pelo visto, o acordo das Licenças Operacionais Corretivas – LOC – não foi registrado no Cartório pela Prefeitura Municipal de Itabira…

  2. E da população de Itabira, existem grupos de cidadãos defendendo a preservação do patrimônio da Cidade? O que fazem para mobilizar a opinião pública e para acompanhar o Convênio de Cooperação Técnica e Financeira?

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