Lembranças de um filho de militante político
*Rafael Jasovich
O tempo era a década de 1970. Ditaduras sangrentas governavam na América Latina, sequestros, tortura, desaparecidos e muitos exilados.
O garoto de 9 anos estava brincando com bonecos de super-heróis. E na sua fértil imaginação eles ganhavam todas as batalhas contra o mal (representado por homens de uniforme militar parecido com os soldados de seu pais).
Filho de uma família disfuncional morava com os avós, uma tia e a mãe num bairro de classe média. Seu pai exilado morava longe da família.
Ele era um bom leitor – tinha esse hábito herdado do pai e da mãe.
Tinha a coleção completa do autor Emilio Salgari com seu herói Sandokan (pirata que os mais velhos lembrarão). Nas suas brincadeiras, ele era Sandokan – o pirata lutando contra os ingleses (emblemático).
Sua vida transcorria com uma quase normalidade, escola, tarefas, futebol e brincadeiras com os seus heróis no quarto.
Ele tem o primeiro contato com o conceito da morte, na leitura do último capitulo – seu herói morre depois de uma sangrenta batalha, ele simula a morte caído no chão de seu quarto.
Com seu pai a comunicação era praticamente nula, só alguns presentes que recebia nos aniversários, uma bicicleta vermelha, um Atari, uma bola de futebol….
A mãe vivia apreensiva temendo que a feroz ditadura se vingasse na família pela atividade política de seu marido.
Um dia ouvindo atrás da porta a conversa da mãe que comentava com a tia sobre a possibilidade das forças de segurança invadirem o apartamento e levarem eles presos ou a uma morte segura e inexorável; ele tem o segundo contato com o conceito da morte.
Foi dormir preocupado e na sua mente ainda infantil começou a se implantar o medo, tão pequeno. E com uma sensação que ele não sabia definir, mas com certeza era angústia ante o desconhecido. A morte inexorável era uma ideia muito distante de sua realidade.
Vieram as férias e a família vai passar uma pequena temporada na praia.
Um dia a beira-mar, ele e a mãe juntos construindo um castelo de areia, vê uma expressão triste nos olhos da pessoa mais querida.
Tudo vem à tona e ele pergunta – Mãe você vai morrer? a mãe demora um pouco para responder e disse – não agora, vou morrer quando estiver bem velhinha e você não precisar mais de mim.
O garoto pensa um pouco e pergunta – meu pai morreu? A mãe reponde: – não, ele mora longe e não pode voltar porque os soldados maus não deixam.
A partir desse momento ele esperou o pai por longos anos.
*Rafael Jasovich é jornalista, advogado, secretário e fundador da Associação Gremial de Advogados da Capital Federal, membro da Anistia Internacional