A Cidade e as cartas do Poeta aos seus conterrâneos

Por Cristina Silveira, do Rio

[A lendária Itabira]
Rio 22/3/18, finalmente o dia nasceu com as águas de março fechando o verão. Refresca, alimenta o ar, o solo da cidade Abatida, Derrotada. Tempo bão, para caçar documentos, aventura instigante de um assunto que puxa o outro. A palavra a repercutir no cérebro e conduzir a outros patamares de busca, como um mar de histórias a explorar.

Quando o poeta Drummond era vivo, em Itabira o seu nome provocava controversa pública.

De um lado, os que louvavam a poesia e a crônica publicada nos jornais diários.

CDA, mesmo ausente de sua terra natal, informava-se sobre o que nela ocorria por meio de cartas trocadas com seus conterrâneos (fotos: acervo de Cristina Silveira)

Do outro lado, os assombrados da notícia falsa. Falavam que Carlos Drummond era Rico e não fazia Nada por Itabira; era Dono de um edifício em Copacabana, que se chamava Itabira, e não fazia Nada por Itabira. Também falavam que era Sócio de uma fábrica de sabão e não fazia Nada por Itabira. A fábrica existiu, na entrada do Rio via-se a placa enorme, fundo azul e duas palavras em branco: “Sabão Itabira”.

Sabão não limpa consciência e o ato de desqualificar que tanto diverte, morre de ignorância.

A falação maldosa era tática de guerra para apoderar e destruir a memória, a cultura do território a ser expropriado, explorado, depredado pelo colonizador. Quase conseguiram, não fosse uma outra Pedra no meio do caminho, o jornal O Cometa Itabirano, que combateu o bom combate e reconduziu o poeta à Cidadezinha.

[Itabira precisa descobrir o Jornal O Cometa Itabirano. Ainda é tempo!]

Carta ao Cometa: agradecimento pela homenagem no Salão Nacional de Humor, prêmio Carlos Drummond de Andrade, com o tema O Brasil e as eleições, em 1982

Em 14 de setembro de 1983, o Cometa anuncia na capa da edição 56:

Drummond, exclusivo para o Cometa, escreve: MEU PAI.

[pois é, pois é, o poema Lira Itabirana /O Rio? ÉDoce. A Vale? Amarga/. Também exclusivo pro Cometae descoberto pelos PIGs em 2015, no rompimento da barragem da Samarco/Vale em Mariana. Abestalhados com a novidade do século passado, colocou-se em dúvida a autoria do poema, a lisura do Cometa. Rapidinho comprovou-se a verdade, o poema é de um Itabirano para Itabiranos via O Cometa Itabirano]

A Cidadezinha Qualquer que o poeta nunca esqueceu em seus poemas, cartas, nas reminiscências (foto: Miguel Bréscia)

Em Meu Pai, Drummond agradece a homenagem, que deu nome a uma avenida de Itabira para Carlos de Paula Andrade, seu pai. Vivamente sincero, o poeta esclarece a razão da desdrumondização da avenida que seria Carlos Drummond de Andrade.

“….. Apesar de meu pronunciamento, criou-se esta situação paradoxal: o filho, que, por circunstância da vida, não tivera oportunidade de servir à comunidade itabirana no dia-a-dia da convivência e do trabalho, recebia indevidamente o preito devido ao pai, que por longos anos se empenhara em contribuir com o seu esforço produtivo, e com a sua atividade pública nessa mesma Câmara, para o ressurgimento de Itabira, então mergulhada em triste abandono”

Os arquivos implacáveis do poeta, como apresenta o Inventário do Arquivo de Carlos Drummond de Andrade (1910-2002) conservados na Casa de Rui, testemunham a disponibilidade do cidadão Carlos para os assuntos de Itabira.

Fotomontagem de Genin com carta de Drummond ao jornal O Cometa: “Às vezes fico achando que sou uma invenção de vocês.”

Este fundo CDA, consta de 14.564 documentos, sendo 2.252 correspondências. Nesta série estão classificadas 143 cartas, de 31 signatários da Cidadezinha e de Itabira. E observa-se que, da Fundação Cultural CDA não há registros no inventário.

Da Prefeitura Municipal de Itabira, registra-se dois telegramas de 1938, sobre a criação da Biblioteca Pública Municipal, e, em 1976-77 envia dois cartões convites para inauguração da avenida Carlos Drummond de Andrade.

Quase silêncio na morte da filha Maria Julieta. Apenas duas pessoas expressam solidariedade ao conterrâneo, Terezinha Quintão Vieira e o poeta Amarílio Damasceno. Não há registro de manifestação da Prefeitura, da Câmara, da Biblioteca Pública e nem mesmo da FCDA.

A lista abaixo pode ter faltas, algum nome despercebido aos olhos da caçadora. No final da lista, a transcrição dos telegramas e das cartas com os pedidos ao cidadão Carlos, um itabirano. Pedidos atendidos e agradecidos.

O cidadão Carlos Drummond de Andrade foi chefe de gabinete do ministro da Educação. Significa que influenciou diretamente no poder da República e a favor da nação brasileira. Apenas um exemplo de visibilidade mundial: o prédio do MEC no Rio, Palácio Gustavo Capanema.

Esta obra é tão importante para a arquitetura modernista, que Le Corbusier ao receber a notícia de que o projeto seria construído, espalmou a mão na mesa e bradou em brasileiro: puta que pariu, eles conseguiram! Este “eles conseguiram” tem um nome essencial, Carlos Drummond de Andrade.

Em resposta ao Cometa, Drummond se recusa a participar da divulgação do Encontro Nacional de Cidades Mineradoras, realizado em Itabira, em 1984. “Cheguei à triste conclusão de que disso tudo sairá o mesmo de sempre, o mesmo que saiu do projeto da Cidade Educativa, bafejado pela UNESCO: nada de nada.” E conclui, peremptoriamente: “Minha velhice experiente me ensinou umas tantas coisas. Uma delas: descrença em nossos homens públicos.” Poucos dias depois, CDA envia ao jornal os poemas O Maior Trem do Mundo e Lira Itabirana. Precisava de contribuição maior?

A lista de missivistas:

Camilo Alvim, 1938 (2 telegramas). Sobre a criação da Biblioteca Municipal de Itabira;

¨Câmara Municipal de Itabira, 1955 (2 cartas). Agradecimento e convite;

Prefeitura Municipal de Itabira, 1976-77 (2 cartões). Convite para inauguração da avenida Carlos Drummond de Andrade;

Colégio N. Senhora das Dores ao Pedro Drummond, 2002 (1 carta). Pede autorização para musicar o poema Uma Casa para a comemoração dos 80 anos do colégio. V. tb. Irmã Reis;

Irmã Reis, Éder A. de Sousa, 1973 (1 carta). Solicita um poema para a comemoração de 50 anos do Colégio Nossa Senhora  das Dores;

Terezinha Quintão Vieira, 1987 (1 carta). Pesar pela morte de Maria Julieta;

Amarílio Damasceno, 1987 (1 carta). Pesar pela morte de Maria Julieta;

Joana D’Arc Tôrres Assis, 1978 e 1987 (2 cartas). Feliz aniversário. Considerações de ordem pessoal. Pedido de encontro. Em 1998, Joana escreve a Pedro Drummond pedindo autorização para publicar livro sobre o poeta;

Miriam de Sousa Brandão, 1977 e 1982 (9 cartas). Agradecimento pelo apoio que o poeta deu ao Festival de Inverno. Sobre o projeto de construção do Centro Cultural. Notícias da inauguração do Centro Cultural, descrição dos espetáculos, teatro, shows e a emoção de todos. Agradece remessa de livros;

Maria Glaucia Drummond de Alvarenga, 1980 (1 carta). Divagações;

Zoraida Dinis, 1978 (2 cartas).Agradece remessa de livro e poema dedicado a ela. Anexo do poema “Hino a Itabira”;

Maria Luísa Sampaio, 1986 (1 carta). Oferece, como presente, um Baú de prendas diversas de Itabira, com lista dos presentes;

Gemaria Pinto de Sousa, 1977-78 (3 cartas). Feliz aniversário. Pedido para utilizar seus poemas em cartões postais da cidade, desenhados pela artista;

Piedade Maria Neves, 1972 (1 carta). Elogia a obra literária do poeta;

Dora Torres Sampaio, 1980 (1 carta). Comenta poema de CDA e relata um caso passado com o pai, Carlos de Paula Andrade;

João Alfredo Torres Sampaio, 1986 (1 carta). Elogio a poesia de CDA. Comentário sobre No meio do caminho. Informa ter identificado o poeta, adolescente, em fotografia;

Rosemary Penido – 1987 – Pede autorização para publicar versos do poeta em cartões feitos por ela;

Luís de Oliveira Fonseca, 1954 (1 carta). Comentário sobre crônica de CDA no Correio da Manhã, sobre o golpe contra o presidente de Minas, Olegário Maciel, em 18.8.1931;

João Bruno Tôrres, 1931 (1 carta). Carta a Julieta Drummond de Andrade. Informando que foi registrado na ata do S. S. São Vicente de Paula, um voto de pesar pelo falecimento de Carlos de Paula Andrade;

Elias de Paula Andrade (tio do poeta), 1935-36 (2 cartas). Notícias familiares. Pedido de favores junto ao ministro Gustavo Capanema;

Carlito Andrade, Sebastião Carlos de Oliveira Andrade, 1987 (3 cartas). Sobre o (I) Encontro da família Andrade, na bela fazenda Florença. Agradecimento à sugestão do poeta para escrever sobre a família. Remessas de lembranças do Encontro dos Andrade. Preocupação com a saúde de Maria Julieta; [Carlito e Elias estão na série Correspondência familiar].

Cornélio Pena, s.d. (1 carta). Agradece o livro Brejo das Almas. Dificuldade em marcar encontro com o poeta, para tratar do prefaciar para o seu livro;

Luís Camillo de Oliveira Neto, 1929-1942 (10 cartas, uma delas para Dolores Drummond). Comunica a morte do pai. Remessas de livros. Agradecimentos. Sua vida em Limeira. Sobre a sua saúde. Considerações sobre a formação do partido Aliança Liberal. Remessa de cartas a serem entregues a Gustavo Capanema;

João Camilo Pena, 1969 e 1978 (2 cartas). Comentário a crônica de CDA. Solicita autorização para transcrever trechos de poemas, em cartão de natal da Cemig;

Antonio Camilo de Oliveira, 1944-1982 (53 cartas). Comentário à nomeação de CDA para chefe de gabinete de Gustavo Capanema. Pedido de favor. Agradecimento pela remessa de livros. Convite para CDA participar do Teatro de Arte, como fundador. Elogios a produção intelectual de CDA.  Agradecimentos. Felicitações pelo prêmio Walmap de Literatura. Notícias pessoais. Preocupação com a saúde de Maria Julieta;

João Camilo de Oliveira Torres, 1944 a 1971 (5 cartas). Comenta e elogia a obra do poeta. Pedido para que se interesse pela sua mudança de emprego;

¨João de Oliveira Torres, 1938-39 (2 cartas). Agradece a remessa de livros para a Biblioteca Municipal de Itabira, pede que o poeta interceda junto ao presidente da República, Getúlio Vargas, a respeito da exploração das jazidas do minério de ferro de Itabira (obs. Carta também assinada por Altivo Drummond de Andrade e João Gonçalves);

¨José Hindemburgo Gonçalves, 1955-196 (17 cartas). Comunica que uma comissão de deputados mineiros está solicitando ao presidente da República a transferência da sede da CVRD do Rio de Janeiro para Itabira. Pedido para CDA escrever sobre o assunto. Agradecimento por crônicas de CDA. Relato de sua luta para que a sede da CVRD se instale em Itabira.

Lúcio Vaz Sampaio, 1979-1984 (11 cartas). Remessa do jornal O Cometa Itabirano. Projeto para alterar o nome da av. CDA para o nome de seu pai. Comunica sobre os festejos em Itabira para comemoração dos 80 anos do poeta. I Salão Nacional de Humor. Convite ao Ziraldo. Elogios A lição do amigo e Boca de luar. Pedido de visita. I Encontro Nacional de Cidades Mineradoras. Agradecimentos. [Anotações de CDA no corpo das cartas];

Márcio Sampaio, 1962-1967 (3 cartas). Feliz aniversário. Agradece encontro com o poeta e sua apresentação a editora Pongetti. Solicita ao poeta ler os originais de seu livro para fazer a apresentação. Cópia do Poema para Drummond viajar Memórias;

Renato Sampaio, 1967-1985 (10 cartas). Avenida CDA. Recordações de infância em Itabira. Pedido de colaboração de CDA ao jornal A Tribuna. Remessa de A Fotografia na parede (livro do Renato). Pedido de um texto para inauguração do Centro Cultural de Itabira. Remessa de fita gravada com poemas musicados de CDA. Exposição de Inimá de Paula e solicitação de um texto para o catálogo. Comenta sobre o livro Lição de Pedramor; [Anotações de CDA no corpo das cartas].

A primeira carta:

Itabira, 14 de maio de 1955.

Ilmo. Sr.

Dr. Carlos Drummond de Andrade

Rua Joaquim Nabuco, 81 – Rio de Janeiro

Ilustre conterrâneo,

Tenho o prazer de comunicar a V.S. que a Câmara Municipal deste município, reunida extraordinariamente, resolveu, por unanimidade de votos, manifestar-lhe gratidão do povo itabirano pela de defesa que tem empregado em prol de seus anseios nesta campanha pelo cumprimento dos estatutos da Cia. Vale do Rio Doce.

Comunico-lhe, outrossim, que na mesma reunião, ficou deliberado fazer um apelo a V.S. no sentido de que continue, com o brilho e o destemor que lhe são peculiares, a prosseguir nos esforços necessários à obtenção da vitória final e da qual é artífice indispensável.

Apresento a V.S. os protestos de minha consideração,

Joaquim Morais de Brito

Vice-presidente da Câmara Municipal, em exercício

A segunda carta:

Câmara Municipal de Itabira

  1. 2/55 (G.P.C.M.I.)

Assunto: Envio agradecimentos e convite.

Serviço: Secretaria da Câmara (R.P.)

Itabira, 21 de julho de 1955 Exmo. Sr.

Dr. Carlos Drummond de Andrade

Ilustre poeta e jornalista

Rio de Janeiro – DF

Prezado senhor,

A Câmara Municipal de Itabira, agradecida pelo bom êxito de sua embaixada junto ao Exmo. Sr. Presidente da República, vem apresentar a V. Excia. os sinceros agradecimentos pela cooperação que lhe dispensara, desejando-lhe, outro sim, prosperidade em seus labores encetados em prol do progresso do Brasil, que é o escopo de todas os brasileiros, como V. Excia., que pugnam pela grandeza incondicional desse país.

Aproveitando-me da ilimitada gratidão de V. Excia. para com os interesses de Itabira, venho trazer-lhe o convite desta casa para compor a comissão de itabiranos que se honrará de receber, e dentro em breve, a visita honorífica de Exmº Sr. Dr. João Café Filho – DD Presidente da República.

Cordiais saudações,

Joaquim Morais de Brito

Vice-Presidente da Câmara Municipal em exercício.

Primeiro telegrama:

Itabira, 24 de junho de 1938.

Ao Dr. Carlos Drummond de Andrade

Ministério da Educação – Rio de Janeiro.

Comunico caro amigo. Criei Biblioteca sob seu patrocínio e Luis Camillo, abraços, Camilo Alvim.

Segundo telegrama:

Itabira 3 de dezembro de 1938.

Ao Dr. Carlos Drummond de Andrade

Ministério da Educação – Rio de Janeiro.

Somente agora regressando Belo Horizonte posso acusar recebimento livros enviados caro amigo Biblioteca Municipal de Itabira – antecipo agradecimentos. Espero apresentar-lhe pessoalmente ensejo sua próxima vinda esta cidade – Sua valorosa doação representa ato civismo digno mais sinceros aplausos gratidão por itabiranos. Afetuoso abraço, Camilo Alvim

 

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3 Comentários

  1. 2018 foi a ultima vez que botei os pés na Casa de Ruy. Depois a chapa ficou fervendo com bozos destruindo os acervos da instituição. Depois da posse do querido proletário retornarei a nossa querida Biblioteca Nacional.

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