Por Itabira perder prazo, Copam deixa de realizar audiência pública antes de licenciar Itabiruçu
Carlos Cruz
A barragem do Itabiruçu, construída na década de 1980 para conter rejeito e fornecer água para o complexo Conceição, pode até ainda não figurar no Guinness World Record, o livro dos recordes mais badalado do mundo, como sendo a maior do planeta em contenção de resíduos de minério de ferro. Mas, com certeza, em breve tomará esse título da barragem do Pontal, ambas localizadas em Itabira.
É que ao atingir a cota 850, cujo processo de licenciamento já foi formalizado na Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), esse recorde será enfim batido por essa barragem. Itabiruçu foi primeiramente licenciada quando atingiu a cota 813, no âmbito da Licença de Operação Corretiva (LOC) do complexo minerador local, no início deste século.
Antes, porém, de bater esse recorde, terá de ser aprovada a licença definitiva de seu alteamento para a cota 833, concedida pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), o que deve ocorrer em abril. As obras desse alteamento já foram concluídas com base em uma autorização provisória. Em discussão na semana passada, o pedido de licenciamento definitivo foi retirado de pauta para mais esclarecimentos.
“Precisamos promover várias audiências públicas em Itabira para debater com a Vale uma série de questões de interesse da comunidade, inclusive sobre o alteamento de barragens”, propôs o presidente da Câmara, vereador Neidson Freitas (PP), na reunião dessa terça-feira (27), quando foi aberta uma rodada entre os edis de “malhação” da Vale.
“Como pode o itabirano ficar tranquilo residindo em um local em que corre risco de ser afetado no caso de ocorrer rompimento de barragem?”, perguntou o vereador.
“A Vale diz que as barragens são totalmente seguras. Em Mariana ela dizia a mesma coisa”, comparou, referindo-se ao rompimento da barragem de Fundão, que dizimou o distrito de Bento Rodrigues na tarde de 5 de novembro de 2015, deixando 19 mortos – e um rastro de destruição pela bacia do rio Doce, com o despejo de 62 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério. A barragem era da Samarco, uma joint-venture das mineradoras Vale e BHP Billinton (leia mais aqui).
“Não dá para a empresa ficar se reunindo separadamente com moradores dispersos para falar de Plano de Contingência. É preciso fazer uma audiência com participação de toda a cidade”, cobrou Neidson Freitas.
Só que essa braveza, no caso do licenciamento de um novo alteamento da barragem Itabiruçu, ocorre fora do prazo de validade. Segundo resposta da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) a este site, já se encerrou o prazo para solicitar a realização de audiência pública para que tenha efeito legal.
Conforme sustenta o órgão ambiental estadual, o prazo teria sido aberto em 23 de dezembro, encerrando-se em 8 de fevereiro deste ano. “Como não houve, nesse processo, solicitação de audiência pública no prazo normativo de 45 dias, conforme prevê a Deliberação Normativa Copam nº 12/1994, não será realizada audiência, nos termos daquela deliberação”, respondeu a Feam.
Anuência
Anteriormente, para que ocorressem esses sucessivos alteamentos da barragem também não houve audiência pública. Embora o órgão ambiental licenciador tenha dito que o prazo para que fosse solicitada tenha se encerrado, ela deveria ter sido agendada pelo próprio Copam, que é o órgão licenciador.
Sobre a necessidade da audiência pública, não requerida por Itabira em tempo hábil, o superintendente de Meio Ambiente da Prefeitura, Renato de Carli Almeida Couto, generalizou:
“Durante o processo de licenciamento ocorrem audiências públicas, cujo objetivo é sanar dúvidas e informar a todos os interessados sobre as atividades que são realizadas”, respondeu evasivamente, por meio da assessoria de imprensa da Prefeitura.
“Após o requerimento de 2013, não foi protocolado nenhum pedido de anuência referente a novo alteamento da barragem”, assegura o superintendente de Meio Ambiente da Prefeitura.
É importante salientar que a única audiência pública realizada pelo Copam, em Itabira, para licenciar empreendimentos da Vale, ocorreu no longínquo dia 12 de fevereiro de 1998, dando início ao processo de Licença Operacional Corretiva (LOC) do Distrito Ferrífero de Itabira.
Reforço
No entanto, o vice-presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), Sydney Almeida Lage, conta que várias reuniões foram realizadas pelo órgão ambiental municipal com dirigentes da Vale.
“Padovezi (ex-diretor de Ferrosos Sul) e Fernando Carneiro (ex-gerente em Itabira) estiveram reunidos com a gente. E o que solicitamos à Vale foi atendido”, afirma, referindo-se às reuniões ocorridas com a mineradora antes de o Codema conceder a necessária anuência para o Copam enfim licenciar o alteamento já realizado da barragem para a cota 833.
Segundo ele, pode até ter faltado comunicação com a população itabirana, mas nenhum questionamento ficou sem resposta. E que, diante das medidas tomadas, e do “rigor técnico na construção de barragens”, ele não vê risco de rompimento ou de ocorrer acidente com Itabiruçu que possa afetar propriedades e moradores vizinhos.
Ainda de acordo com o conselheiro do Codema, a Vale fez um reforço de suas barragens logo após o acidente de Mariana, tendo empregado “alta tecnologia à laser”, para se fazer o rastreamento das condições estruturais de suas barragens. “No caso do Itabiruçu, foi feito um reforço da base, injetando concreto. Tudo isso foi informado ao Codema.”
De acordo com a Vale, a barragem Itabiruçu é responsável pela contenção dos rejeitos e acumulação de água para atendimento às usinas Conceição I e Conceição II. “O seu não licenciamento implicaria na paralisação desses empreendimentos, responsáveis por grande parte da produção da Vale em Itabira”, salienta a mineradora.
Plano de Contingência
Em cumprimento ao Plano de Atendimento a Emergência para todas as barragens, a Vale informa que está instalando equipamentos de alertas sonoro (alto-falantes), conforme previsto pela legislação, em vários pontos da cidade que podem ser impactados por um eventual rompimento de suas barragens.
“A Vale, em conjunto com a Defesa Civil de Itabira, está promovendo o aprimoramento dos planos existentes. As informações técnicas coletadas em levantamento feito ao longo do ano passado serão apresentadas às comunidades para continuidade do processo de melhoria dos planos de atendimento a emergência”, informa a empresa em nota da assessoria de imprensa, sem no entanto adiantar quando e de que forma essas informações chegarão à sociedade itabirana.
Vegetação
Para elevar mais uma vez a altura da barragem do Itabiruçu, a Vale assegura que a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), de 221,36 hectares, existente na área de expansão da barragem, será preservada.
No entanto, a Reserva Legal de 357,71 hectares, que havia sido averbada no passado, será realocada para outra área com o mesmo tamanho e equivalência ecológica.”Todas as ações acatarão o que determina a legislação vigente”, assegura a mineradora em nota enviada a este site.
Por seu lado, também em resposta à reportagem, a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) informa que as medidas compensatórias dessa supressão florestal estão sendo analisadas para que sejam incluídas no licenciamento ambiental.
“Essas medidas terão de ocorrer de acordo com o Termo de Compromisso de Compensação Florestal Minerária (TCCFM n° 019/2016), pelo qual a Vale assumiu as obrigações compromissárias, referentes ao alteamento da barragem de Itabiruçu com uma área de 349,60 hectares, segundo o artigo 75 da Lei 20.922/2013, analisado no processo.”
Antecedentes
Com a regularização ambiental da barragem do Itabiruçu, ocorrida com a LOC, segundo confirma a Feam, a empresa assumiu compromissos para compensar as intervenções ambientais, com a implantação de unidades de conservação no município, a saber: Parque Natural Municipal do Campestre, Parque Natural Municipal do Ribeirão de São José, Reserva Biológica da Mata do Bispo, Estação Ecológica da Mata do Limoeiro, Parque Natural Municipal do Alto do Rio Tanque.
No entanto, somente as unidades de conservação do Campestre, que virou Parque Natural Municipal do Intelecto – e o Parque Estatual Mata do Limoeiro, em Ipoema, foram integralmente instaladas. As demais tiveram as áreas adquiridas pela mineradora, mas faltam ainda os equipamentos necessários para a instalação dessas unidades.
Para viabilizar o Parque Natural Municipal Ribeirão São José, por exemplo, a empresa se comprometeu a reformar as casas de máquinas e do administrador, além de colocar os maquinários da usina hidrelétrica em funcionamento. Isso, porém, até a presente data não ocorreu.
Fora o atraso e a inoperância do CODEMA e da Câmara Municipal de Vereadores de Itabira, além de não ter sido feita a reforma no Parque de São José, era hora de exigir dessa mineradora que garanta o abastecimento de água potável aos moradores da cidade.
A intenção é trazer água do Rio Tanque, mas quem paga essa conta da instalação?
E a manutenção dessa nova adutora e os muitos motores elétricos ligados, quem paga essa conta? Mais uma vez serão os moradores da cidade em suas contas d´água?