Festa para a cultura memorialística itabirana com o relançamento do livro Retratos na Parede
Carlos Cruz*
Há quase seis anos após o seu lançamento em Belo Horizonte e em Itabira, na Casa do Brás, em 23 de julho de 2012, pela Autêntica Editora, o livro Retratos na Parede, com fotos históricas do jornalista, latinista, tabelião, juiz de paz e fotógrafo Brás Martins da Costa (1866-1937) e com o poema Imagem, Terra, Memória, último escrito por Carlos Drummond de Andrade (1902-87) versando sobre a sua terra natal, foi relançado nessa sexta-feira (2), no Hall Cultural Bristol Itabira Hotel.
Com um público formado por admiradores desses dois célebres itabiranos, o relançamento foi marcado por palestra e noite de autógrafo com um dos idealizadores e organizadores do livro, o engenheiro, urbanista e memorialista Altamir José de Barros, responsável juntamente com o amigo jornalista Robinson Damasceno dos Reis, falecido em 2014, pela recuperação dos 250 daguerreótipos (negativos) em películas de vidro com as fotografias do TiBrás.
Altamir Barros é também o idealizador do Memorial Carlos Drummond de Andrade e um dos fundadores do jornal O Cometa, onde publicou, pela primeira vez as primeiras fotos reveladas dos quase 300 daguerreótipos descobertos em um baú, na casa de Brás, preservadas pelas suas filhas Ninita e Lelê Martins da Costa, essa última, célebre professora de francês em Itabira.
“Foi uma viagem no tempo e uma emoção muito grande revelar esses negativos e descobrir a luz que neles estava preservada por mais de 80 anos”, definiu Altamir Barros, em palestra após a noite de autógrafo.
Segundo ele, Retratos na parede é resultado de um trabalho iniciado em 1982, quando já dispunham de quase 200 fotos reveladas com personagens e imagens de uma cidade antiga, com pouco mais de 5 mil habitantes.
Com tantas preciosidades garimpadas no baú do tempo, a consequência natural foi a publicação dessas fotos em livro, com a primeira edição intitulada No Tempo do Mato Dentro, com o poema até então inédito do itabirano mais ilustre, já no final de sua vida.
Reeditado, ampliado e melhorado sob coordenação editorial da historiadora itabirana Mariza Guerra de Andrade, que na apresentação do livro destacou a importância da recuperação desse magnífico acervo fotográfico. “Esse conjunto de imagens é de grande importância pelo seu valor de fonte historiográfica, considerando a raridade desse tipo de documento preservado, na virada do século XIX para o século XX, na região central da então Província e depois Estado de Minas Gerais, parte conhecida como o Mato Dentro.”
Poema inédito
Altamir contou ao público presente ao relançamento a emoção que Robinson e ele sentiram quando receberam de volta a “boneca” do livro, deixada com Drummond, com o poema Imagem, Terra, Memória.
“Quando pedimos a sua colaboração, não ousamos pedir um poema, pois poesia é algo sagrado, que não se encomenda. Para nossa surpresa, 40 dias depois recebemos a ‘boneca’ de volta com esse belo poema memorialístico. Quando terminamos de ler, Robinson falou:’ Taí, Altamir, se a gente não conseguir editar o livro, já temos um vídeo pronto com esse poema’.”
A primeira edição intitulada No Tempo do Mato Dentro já se encontra esgotada. Posteriormente à sua publicação, a convite do então diretor Márcio Sampaio, as fotos foram expostas no Palácio das Artes, em Belo Horizonte. E um audiovisual com as mesmas fotos foi apresentado em um concurso promovido pela Secretaria Estadual de Cultura.
Esse vídeo foi mostrado pela primeira vez em Itabira em agosto de 1984, no Encontro Nacional de Cidades Mineradoras. Regravado em DVD, o audiovisual foi novamente apresentado nessa sexta-feira, no espaço cultural do Bristol Hotel.
Itabira não tinha luz elétrica, mas já tinha um caçador de luz
Em sua palestra, Altamir Barros procurou contextualizar o início da fotografia no mundo no fim do século XIX. Pouco tempo depois a arte de fotografar foi trazida para as terras matodentrenses pelo vanguardista Brás Martins da Costa, esse “itabirano” natural de Bom Jesus do Amparo, nascido na fazenda do Rosário, filho do segundo casamento de Guarda Mór-Custódio com Maria Cândida Teixeira, filha do primeiro governador da província de Minas Gerais, José Teixeira da Fonseca Vasconcelos. Portanto, Brás era neto de governador, de descendência mais importante do que se pensava.
“Ele era um caçador de luzes com uma máquina pesadíssima presa no tripé e que não autorizava o movimento de pessoas e objetos fotografados. Como as câmeras fotográficas naquela época não tinham como controlar a velocidade, era preciso que os fotografados ficassem parados. É daí que vem esse costume que se mantém de posar para o fotógrafo”, definiu e contou Altamir Barros.
Para contextualizar o surgimento do fotógrafo Brás Martins, o engenheiro e memorialista itabirano fez uma retrospectiva do início da criação de Belo Horizonte, “uma cidade planejada, talvez a primeira do país, primazia que disputa com Recife, um contraponto ao barroco de Ouro Preto”. Com largas avenidas, descreveu, Belo Horizonte representava a modernidade chegando ao país e às montanhas mineiras. “Como diziam os alemães, os ares da cidade libertam”, exaltou Altamir.
Foi nessa Belo Horizonte recém-inaugurada que Brás Martins da Costa conheceu o fotógrafo Olindo Belém (1873-1950), em seu estúdio fotográfico Notre Dame. É dele a primeira foto tirada do fotógrafo itabirano.
Sob influência de Olindo, definido pelo memorialista Pedro Nava (1903-84) como “o fotógrafo da sociedade belo-horizontina”, Brás Martins se tornou o primeiro e mais notável fotógrafo de Itabira do Mato Dentro, onde editou também o jornal O Correio de Itabira. “Brás comprou toda a parafernália fotográfica disponível na época e montou um estúdio em Itabira. O resultado são essas fotos memoráveis.”
Como Brás anunciava em sua publicidade, ele só fotografava aos sábados, domingos e dias santos. Fotografava pessoas, festas religiosas,costumes. É dele a célebre foto de Drummond menino com o triciclo, que depois virou escultura pelas mãos do artista Genin Guerra, fixada em frente da Fazenda do Pontal.
“Os fotógrafos da época gostavam de tirar fotografias panorâmicas. É de Brás a primeira foto panorâmica de Itabira de 1899, com o fotógrafo caçando luz em uma cidade ainda sem energia elétrica e nem água encanada. Com seus 5 mil habitantes, a fotografia já se fazia presente”, destacou o memorialista e urbanista itabirano.
Antecedentes na fotografia
De acordo com Altamir Barros, a fotografia deu um salto no fim do século XIX quando a Kodak inventou o papel no formato que se popularizou em todo o mundo, já a partir de 1895. Os negativos eram de vidro e os fotógrafos passavam o dedo neles e depois lambiam para saber de qual lado estava a emulsão. “Foi daí que veio o apelido de lambe-lambe para designar os fotógrafos.”
Em 1915, um outro passo importante para a evolução da fotografia foi dado com o lançamento de uma máquina menor, a célebre Leica. Já em 1920, outro salto homérico se deu com a mesma Kodak ao lançar negativos com suporte em celulose. Os filmes passaram a ser rebobinados e a câmera fotográfica a ter velocidade, tornando-se mais prática e com mais recurso. “A fotografia passa a ter caráter artístico, evoluindo ainda mais com o uso da lente grande angular alemã”, descreveu Altamir Barros, em seu breve relato histórico da evolução fotográfica no mundo.
Entre os mais importantes dessa época, ele destacou o fotógrafo de guerra húngaro Robert Capa (1913-54). Outro fotógrafo famoso da época foi Henri Cartier-Bresson (1908/2004), que já andava com uma máquina no bolso. Em 1947, conta Altamir Barros, Cartier-Bresson fotografou Mahatma Gandhi (1869-1948), líder pacifista indiano. “Gandih foi assassinado logo após essa entrevista.”
Brás Martins foi contemporâneo e acompanhou toda essa evolução. Sorte dos itabiranos, e também de todos que apreciam a poesia de Drummond e a arte da fotografia, pois agora podem conhecer e apreciar essas belas fotos da gente itabirana do início do século passado, das festas religiosas, das fábricas e paisagens de uma época que se foi, mas que foram congeladas pelo caçador de luzes na escura Itabira do Mato Dentro.
“Fecho este álbum. Ou nele me fecho?/Em uma luminosa onde converso e valso,/Discuto compra e venda, barganha, distrato,/Promessa de santo, construção de cerca/Briga de galo, universais assuntos?/Os sete cavalheiros se despedem./Só agora reparo:/Vai me guiando Brás Martins da Costa,/Sutil latinista, fotógrafo amador./Repórter certeiro,/Preservador da vida em movimento./Vai-me levando ao patamar das casas/Ao varandão das fazendas,/Ao ínvio das ladeiras, à presença/patriarcal de Seu Zé Batista,/Ao semblante nobre do Dr. Ciriry,/Às invenções de Chico Zuzuna,/Aos garotos descalços de chapéu,/A todo o aéreo e passado e sigilo/Que pousa, intato, no retrato./A fotoviagem continua/Ontem-sempre, mato adentro./Imagem, vida última dos seres.” (CDA).
Espaço aberto às artes itabiranas
O projeto Hall Cultural Bristol Itabira Hotel foi inaugurado em 14 de dezembro do ano passado – uma iniciativa de seu sócio-proprietário, o empresário Jânio Bragança.
A primeira exposição foi com os trabalhos da Associação Flores do Carmo, que congrega 13 mulheres associadas do distrito de Senhora do Carmo – e que tem apoio da Fundação Vale, por meio do projeto Equidade de Gênero. “É uma coleção inspirada no tropeirismo, que marca a nossa história e os nossos costumes”, descreveu na ocasião a artesã Marcilene da Conceição Souza.
De acordo com Jânio Bragança a ideia é oferecer aos turistas incidentais e a negócio que vêm à terra de Carlos Drummond de Andrade uma mostra daquilo que Itabira tem de melhor nas artes e ofícios, as suas riquezas naturais e costumes. E se propõe ser uma alternativa de espaço cultural, aberto aos artistas itabiranos e convidados de outras cidades que virão expor os seus trabalhos no hall cultural do hotel.
“Estamos fechando uma agenda que breve iremos divulgar”, diz Jânio Bragança, que pensa, também, em levar o vídeo produzido com as fotos do livro para ser mostrado na feira literária de Parati (RJ), agendada para 25 a 29 de julho.
Neste ano, em sua 16ª edição, a homenageada será a escritora Hilda Hilst, que fez sua literatura em torno de temas como o amor, a morte, Deus, a finitude e a transcendência. Nada mal se Drummond se fizer presente acompanhado, ou acompanhando as fotos de Brás. Itabira estará muito representada.
Serviço
A exposição com o acervo fotográfico de Brás Martins da Costa prossegue na entrada do Bristol Hotel, na avenida Duque de Caxias, 1220, bairro Esplanada da Estação, onde o livro Retratos na Parede pode ser adquirido.
Outra opção de compra é no Clube da Leitura, no supermercado Bretas.
*Carlos Cruz é jornalista, repórter e editor do site Vila de Utopia
Ótima matéria! Vou comprar um exemplar do livro reeditado, sobre o qual Jânio Bragança já havia me falado. Itabiranos em particular e mineiros em geral aplaudem RETRATO NA PAREDE.