Vale é confrontada por prefeito de Parauapebas (PA) e movimentos sociais por sonegação fiscal e práticas ambientais enganosas
Aurélio Goiano, prefeito de Parauapebas (PA), acusou a Vale de sonegar cerca de R$ 10 bilhões em tributos municipais: “A Vale é uma mentira. É a maior sonegadora de impostos do planeta.”
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Presente como patrocinadora e promotora de obras em Belém para a COP30, a mineradora enfrenta cobranças públicas e protestos que expõem contradições entre seu discurso ambiental e sua atuação fiscal, social, ambiental e territorial
Faltou à mineradora Vale, ao investir com patrocínios e presença marcante na COP30, combinar com o prefeito da maior cidade mineradora do Brasil e com os manifestantes que ocuparam ruas, rios e espaços oficiais da conferência para denunciar sonegação de impostos e royalties – e também com propaganda ambiental enganosa.
É assim que a empresa, que buscava se promover como parceira da transição verde, está sendo confrontada por autoridades locais e movimentos sociais que denunciam práticas de sonegação fiscal, greenwashing e impactos socioambientais em territórios minerados.
Críticas contundentes
Durante um painel sobre mineração sustentável na COP30, o prefeito de Parauapebas (PA), Aurélio Goiano (Avante), acusou a Vale de sonegar cerca de R$ 10 bilhões em tributos municipais, afirmando que a empresa “não contribui com o desenvolvimento da cidade proporcionalmente à riqueza que extrai”.
Em seu pronunciamento, Goiano foi ainda mais contundente. “A Vale é uma mentira. É a maior sonegadora de impostos do planeta. Ela lucra bilhões e deixa nosso povo sem saneamento, sem saúde, sem dignidade.”
O prefeito denunciou que Parauapebas, apesar de ser um dos maiores polos de mineração do país, enfrenta crise financeira e perda de R$ 40 milhões com a Cfem (Compensação Financeira pela Exploração Mineral), o que compromete investimentos em áreas essenciais como educação, infraestrutura e assistência social.
“A empresa cava buracos, exporta o ferro e deixa crateras sociais. Não há justiça fiscal, não há justiça ambiental. E agora quer posar de sustentável na COP30?”, disparou.
Goiano também criticou a postura da mineradora diante das demandas locais. “A Vale não dialoga. Ela impõe. Ela financia obras em Belém para parecer parceira da sustentabilidade, enquanto ignora os municípios que sustentam sua riqueza.”
Diante da repercussão das declarações, a Vale preferiu não comentar publicamente as acusações, mantendo silêncio institucional durante o evento.
A ausência de resposta foi interpretada por muitos como um sinal de desconforto e reforçou a percepção de que a empresa evita o enfrentamento direto com lideranças locais e movimentos sociais.

Greenwashing e o marketing ambiental sob escrutínio público
A presença da Vale na COP30 está sendo marcada não apenas por discursos institucionais e painéis temáticos, mas também por investimentos em obras de infraestrutura em Belém, cidade-sede do evento.
Com isso, a mineradora busca se posicionar como parceira da transição ecológica, tentando associar sua imagem à agenda climática global.
No entanto, para movimentos sociais e ambientais, essa atuação foi interpretada como uma estratégia clássica de greenwashing, que consiste em uma já conhecida prática empresarial de promover ações simbólicas e campanhas publicitárias com apelo ecológico, enquanto se omitem ou disfarçam os impactos reais das atividades corporativas.

Na leitura dos críticos, o marketing da Vale exibe cenários verdes, comunidades sorridentes e slogans sustentáveis, mas ignora a realidade de territórios profundamente afetados pela mineração: desmatamento, contaminação de cursos d’água, remoções forçadas e ausência de reparações efetivas.
A tentativa de “lavar a imagem” diante da comunidade internacional foi confrontada por manifestantes que denunciaram a distância entre o discurso ambiental e a prática extrativista.
É assim que, para os movimentos sociais e ativistas ambientais presentes na COP30, a Vale tenta se reposicionar como uma empresa “verde”, mas sem alterar sua lógica de exploração predatória, baseada na maximização de lucros e na externalização dos custos socioambientais.
A conferência, ao reunir vozes globais e locais, acabou por escancarar essas contradições, colocando o marketing ambiental da mineradora sob intenso escrutínio público.
Críticas históricas de um itabirano ilustre

Um dos exemplos mais emblemáticos dessa contradição é Itabira (MG), berço da mineração de ferro no Brasil e cidade natal de Carlos Drummond de Andrade, que já nos anos 1940/50 – e posteriores denunciava, em crônicas e poemas, a exaustão do território e a omissão da empresa quanto às compensações econômicas, sociais e ambientais.
Desde 1942, a cidade de Itabira vem sendo explorada intensamente, sem que haja proporcional retorno em infraestrutura, saúde pública ou preservação ambiental.
A crítica do poeta permanece atual: o minério sai, a riqueza se esvai, e o vazio social permanece, a exemplo do que registrou no poema Lira Itabirana, publicado originalmente na edição de dezembro de 1983 do jornal O Cometa Itabirano, e assinada como Drummond, o velho itabirano:
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
II
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
III
A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.
IV
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?
O posicionamento da Vale
Diante das manifestações na COP30, em nota oficial, a Vale reafirmou seu “compromisso com a sustentabilidade e o diálogo com comunidades locais”.
A empresa destacou investimentos em projetos ambientais e sociais, como reflorestamento e capacitação de lideranças comunitárias, mas não respondeu diretamente às acusações de sonegação nem às denúncias de greenwashing.
Protestos escancararam o conflito socioambiental
A COP30 está sendo palco de manifestações intensas de povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas e ativistas ambientais. Uma das ações mais emblemáticas foi a “barqueata” no rio Guamá, que reuniu milhares de pessoas em embarcações para denunciar os impactos da mineração e exigir justiça climática.
Outro protesto ocorreu dentro da Zona Azul da conferência, área restrita a delegações oficiais, onde ativistas denunciaram a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e pediram a tributação de bilionários.
O ato terminou com repressão policial e feridos, revelando o clima de tensão entre sociedade civil e interesses corporativos.
Quando o marketing não basta
A COP30 revelou um descompasso entre o discurso corporativo da Vale e a realidade enfrentada por comunidades mineradas.
A tentativa de se promover como parceira da transição verde esbarra em denúncias graves e na ausência de respostas concretas e aplicáveis na prática. A presença da empresa em obras e painéis não tem sido suficiente para conter o desgaste de imagem provocado por vozes locais e internacionais.
A conferência, que se propunha ser também uma vitrine de boas práticas, tornou-se um espelho das contradições que permeiam o setor mineral brasileiro, quando lucros bilionários convivem com desigualdade, impactos ambientais e falta de transparência fiscal e corporativa.
A Vale, ao ser confrontada em pleno palco global, precisa, uma vez por todas, aprender que não basta financiar a festa: é preciso prestar contas aos convidados oficiais — e também aos que esperava não encontrar nesse palco de repercussão mundial.









