“Alguns anos vivi em Itabira, principalmente nasci em Itabira”
Nesta sexta-feira (31), em que celebramos os 123 anos de nascimento do poeta-maior, um pouco de Drummond para que jamais nos esqueçamos de lembrar
Ilustração: Genin
“Isto posto, declaro que nasci em Itabira, Minas Gerais, no ano de 1902, filho de pais burgueses que me criaram no temor a Deus”. Assim depõe Carlos Drummond de Andrade numa pequena autobiografia, divulgada há anos por uma revista e, em seu devido tempo, incorporada às “Confissões de Minas”.
Anteriormente já dissera, em verso: “Fui, julgo eu, o único brasileiro que nasceu assistido por um anjo; o famoso anjo torto, desses que vivem na sombra, que lhe ordenou: Vai, Carlos! ser gauche na vida.”
Condenou-o também, o anjo, a ser poeta, e grande poeta – mas isto Carlos não conta. Não talvez por modéstia, mas por timidez; e principalmente por ser itabirano, isto é, triste, orgulhoso: de ferro.

Eu não sou um Bicho-do-mato
|o apelido de bicho-do-mato, até onde alcançou a minha pesquisa, surgiu em 1962 quando o poeta ganhou a segunda capa na revista Visão|
Fama:
… Mas eu ganhei uma fama que, sinceramente, acho um pouco exagerada, injusta até: uma fama de Bicho-do-mato. Todo mundo diz que eu sou inacessível. Existe, entretanto, uma coisa chamada telefone, que funciona como uma janela, uma porta de entrada nos fundos da casa, pela qual entra qualquer assaltante.
O Carlito:
… Eu fui um menino solitário, melancólico, oprimido pela educação tradicional, embora essa educação fosse ministrada com maior carinho por parte de meus pais. Eu era muito introspectivo e tinha desde pequeno, o gosto pela leitura – de jornais, revistas. Tinha uma vaga ideia do que pudesse ser a literatura, para a qual me sentia atraído, sem ter elementos nem formação especial pra isso. E tive a surpresa de descobrir que, ao mesmo tempo em que me dedicava à literatura de maneira canhestra e deficiente, eu me sentia mais em paz comigo mesmo. Eu procurava, talvez, tirar de dentro de mim aquelas sombras, aquelas coisas ancestrais, aqueles medos, aquela incompatibilidade com o mundo que me cercava.
O Desadaptado:
… Eu era uma pessoa completamente inadaptada à vida social, não conseguia viver bem, não sabia me explicar e também não explicava a outras pessoas.
Escrever:
… Eu gostava de ser jornalista, gosto até hoje.
… Eu fui um autodidata, o que eu faço é poesia tirada praticamente da minha experiência pessoal. A medida que o tempo foi passando é que, fui sentindo maior consciência da dificuldade de escrever; sentindo como as palavras enganam a gente; que nós não devemos obedecer à facilidade com que elas nos acodem. Fui apurando tudo isso pelo gosto da literatura, e, sobretudo, pela leitura dos poetas, mas me falta uma formação literária razoável. Não foi por culpa dos meus pais, que me deram todas as oportunidades de estudar. Eu era vadio, mesmo. Comecei a namorar desde cedo; eu gostava mais de namorar do que de estudar.
Dolores Dutra de Andrade:

Ela apareceu em BH em 1920. Eu fui a um cinema e ela estava lá com a família. Eu olhei para ela, que correspondeu ao meu olhar. Eu a acompanhei até a porta de casa e quando ela viu que eu estava acompanhando, virou o rosto. Não quis maior intimidade. Foi um problema! Tive de comparecer a uma quantidade de vezes à casa dela até ela verificar que eu tinha… boas intenções. O namoro durou muitos anos: eu não tinha condições de casar. Ela trabalhava. Era uma das primeiras mulheres de Minas Gerais a exercer uma função prática, secretaria de uma fábrica de calçados. Mas quando eu me casei, achei que, de acordo com os preconceitos de família, minha mulher não podia trabalhar. Coisa de 1925.
Ditadura de 1964:
… Tomaram o poder simplesmente para exercer um novo tipo de ditadura férrea. Os militares são inteiramente responsável pelo que houve no Brasil, pelo descalabro financeiro, pela dívida externa, pelas dificuldades de pagamento, pelo rebaixamento da qualidade de vida. São os únicos responsáveis: mandaram e desmandaram, tiraram fora os políticos, simularam a existência de um congresso para aprovar ou não aprovar projetos. Nunca houve isso no mundo.
A Vida é a Vida:
… Eu nunca tive pretensões a nada na vida, nunca pretendi ser rico, poderoso nem mesmo feliz. E, na medida do possível, acho que vivi uma vida tranquila. Eu posso ter errado muitas vezes. Isso acontece.
[Trechos de entrevista concedida a Cora Rónai para o Correio Braziliense em 1/11/1982]









