Morre Hermeto Pascoal, o “bruxo” da música universal
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Gênio da improvisação, músico multi-instrumentista transforma o cotidiano em música onde ninguém espera , no ruido das águas, no gesto, no instante, no silêncio
O Brasil, e o mundo, se despede do genial Hermeto Pascoal, que morreu neste sábado (13), cercado por familiares e músicos. Ele estava internado no Hospital Samaritano Barra, onde faleceu aos 89 anos, em decorrência de falência múltipla dos órgãos, causada por complicações respiratórias relacionadas à fibrose pulmonar em estado avançado.
Reconhecido como um dos maiores nomes da música instrumental mundial, três vezes vencedor do prêmio Grammy Latino, Hermeto construiu uma obra singular, marcada pela liberdade criativa, pela fusão de estilos e pela capacidade de transformar qualquer som em arte.
Nascido em Lagoa da Canoa, Alagoas, Hermeto foi autodidata e multi-instrumentista. Albino, não pôde trabalhar na roça e desde cedo desenvolveu uma escuta aguçada para os sons da natureza.

Tocava piano, flauta, saxofone, sanfona, chaleira, brinquedos, animais e até o silêncio. Chamava sua música de “universal”, rejeitando rótulos como jazz, erudito ou popular.
Miles Davis o considerou “o músico mais impressionante do mundo”. Hermeto gravou com o norte-americano em Live-Evil e seguiu uma carreira prolífica, com mais de 35 discos lançados, três Grammys Latinos e reconhecimento internacional.
Em 2016, compôs uma música por dia durante um ano inteiro, reunidas no projeto Calendário do Som.
Itabira foi palco desse gênio

Itabira teve o privilégio de receber Hermeto em dois momentos marcantes. Em 1984, durante o Festival de Inverno, ele e sua banda, com Itiberê Zwarg e outros músicos de altíssima performance, realizaram três shows seguidos no teatro do Centro Cultural.
Embora o roteiro musical fosse o mesmo, cada apresentação foi única, moldada pela improvisação do criativo músico e banda.
Na última apresentação, no show de domingo, Hermeto surpreendeu: com instrumentos acústicos, ele e os músicos convidaram o público para uma caminhada musical pela avenida Daniel Grisolia, contornando a praça Nico Rosa e retornando ao teatro, encerrando três dias mágicos de espetáculo musical que marcou a história cultural de Itabira.

O sagrado e o profano em harmonia
Em 2000, Hermeto Pascoal volta à Itabira para outro show memorável, também no Festival de Inverno, dessa vez tendo como palco a Igreja Nossa Senhora da Saúde.
A apresentação contou com a participação do padre Elídio, que tocou ganzá na percussão, num gesto de participação e comunhão sonora. Foi um momento de fusão entre o sagrado e o profano, entre o rito e o improviso, que transformou a Igreja da Saúde em palco de transcendência, um momento mágico.
A noite com Hermeto entrou também para a história do festival como uma das mais singulares já vividas em Itabira.

Legado e despedida
Hermeto deixa seis filhos, 13 netos, dez bisnetos e uma obra que desafia o tempo. Em vida, dizia: “Se estou respirando, já estou fazendo som”.
Hoje, o mundo respira mais silenciosamente, mas o som que ele deixou continua ecoando nas chaleiras, nos pássaros, nas cachoeiras, nas lembranças de quem o viu transformar tudo em música, como foram os itabiranos e visitantes que tiveram esse privilégio.
O corpo de Hermeto Pascoal será velado neste domingo, 14 de setembro, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em cerimônia aberta ao público das 10h às 15h. O sepultamento ocorrerá no Cemitério São João Batista, em Botafogo, às 17h, em cerimônia reservada à família e amigos próximos.
*Com informações de O Globo e O Tempo.