11 de setembro de 2025: o dia em que o Brasil puniu quem tramou contra a democracia
Fotos: Reprodução/ Agência Brasil
Em data marcada por tragédias históricas no Chile e nos Estados Unidos, o STF condena Jair Bolsonaro e seus aliados por tentativa de golpe. Voto de Cármen Lúcia sela o destino jurídico do ex-presidente, enquanto Fux revela contradições e omissões
Nessa quinta-feira, 11 de setembro de 2025, o Brasil viveu um momento histórico de grande importância para a democracia. Por quatro votos a um, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado, formação de organização criminosa armada e dano ao patrimônio público.
Seus principais aliados também foram sentenciados com penas que variam de 16 a 26 anos, exceto Mauro Cid, que foi beneficiado por delação premiada e cumprirá pena em regime aberto.
O voto da ministra Cármen Lúcia foi firme, técnico e carregado de simbolismo. “A Constituição não é uma sugestão, é um pacto civilizatório”, afirmou, ao acompanhar os votos já proferidos por Alexandre de Moraes e Flávio Dino.
Ela destacou o papel de Jair Bolsonaro como instigador e comandante da tentativa de ruptura institucional, e reafirmou que “não há democracia sem responsabilidade, nem responsabilidade sem consequência jurídica”.
Seu voto não apenas consolidou a maioria pela condenação, como também representou uma resposta institucional à misoginia e ao autoritarismo que marcaram a trajetória do ex-presidente.
Na sequência, o ministro Cristiano Zanin reforçou a gravidade dos atos, apontando que a tentativa de golpe não foi um improviso, mas uma ação coordenada, estruturada e financiada com o objetivo claro de subverter a ordem constitucional.
Zanin destacou que os réus atuaram com divisão de tarefas, uso indevido de recursos públicos e mobilização de forças paralelas para intimidar instituições. Seu voto foi direto, técnico e alinhado à jurisprudência internacional sobre crimes contra a democracia, encerrando qualquer dúvida sobre o caráter criminoso da empreitada bolsonarista.
As contradições de Luiz Fux
Em contraste, o voto do ministro Luiz Fux expôs uma série de incongruências que desafiam a lógica jurídica. Fux absolveu Bolsonaro e outros seis réus do núcleo político, alegando que não houve crime de conspiração nem organização criminosa.
No entanto, condenou Braga Netto e Mauro Cid, dois dos principais operadores da mesma trama. Se não houve organização criminosa, como justificar a condenação de seus integrantes? Se não houve tentativa de golpe, por que punir os que a operacionalizaram?
Fux parece ter construído um voto para agradar a dois mundos, o jurídico e o político. E, de quebra, também ao governo de Donald Trump, aliado declarado de Bolsonaro.
Ao absolver o ex-presidente e seu núcleo político, mesmo diante de provas robustas e da gravidade institucional dos fatos, o ministro tornou-se o novo “mito” para os bolsonaristas, que já o celebram como voz dissonante no Supremo.
Não por acaso, sua movimentação desperta especulações sobre uma possível carreira política após sua aposentadoria compulsória do STF, marcada para abril de 2028. A recepção calorosa de lideranças do PL e convites para disputar uma vaga no Senado pelo Rio de Janeiro indicam que Fux pode estar pavimentando esse caminho – e seu voto, mais político que jurídico, parece ter sido o primeiro passo.
Ao livrar o ex-presidente, mesmo diante de provas robustas, o ministro dá sinais de que está mais preocupado em preservar relações internacionais e interesses pessoais do que em cumprir seu papel constitucional. Fux mantém patrimônio nos Estados Unidos e, ao evitar a condenação de Bolsonaro, busca blindagem diplomática contra possíveis sanções.
Golpe frustrado é atentado à democracia
A tentativa de golpe não se consumou por um motivo claro: a ausência de apoio da Aeronáutica e do Exército, que resistiram à pressão do núcleo bolsonarista. Mas o fato de não ter sido bem-sucedida não a torna menos grave. Como afirmou o relator Alexandre de Moraes, “não foi um domingo no parque, foi uma tentativa organizada de golpe”.
A ministra Cármen Lúcia reforçou esse ponto com uma observação incisiva: “Se tivesse havido êxito na empreitada golpista, esta Corte não estaria aqui hoje, porque não haveria mais Constituição, nem Estado Democrático de Direito.”
Sua fala escancarou o risco real de ruptura institucional e evidenciou que o julgamento só foi possível porque as instituições resistiram. A democracia sobreviveu. E agora cobra o preço de quem tentou destruí-la.
Daí que a discussão sobre anistia ampla precisa ser enfrentada com responsabilidade. É legítimo debater o perdão para quem foi massa de manobra, enganado por fake news e manipulado por lideranças golpistas.
Mas os mentores, financiadores e operadores da tentativa de ruptura institucional devem cumprir suas penas. A democracia não pode ser complacente com quem tentou destruí-la, para que novas tentativas de ruptura do Estado Democrático de Direito não voltem a acontecer.
A sombra de Trump e o falso patriotismo
A influência direta do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, também merece repúdio. Suas ameaças de sanções contra ministros do STF e autoridades brasileiras em caso de condenação de Jair Bolsonaro revelam um alinhamento ideológico perigoso, que flerta abertamente com o autoritarismo e despreza as instituições democráticas.
Trump não apenas impôs tarifas comerciais e revogou vistos de magistrados brasileiros, como também acionou a Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes, classificando-o como “tóxico” para os interesses norte-americanos.
O que está por trás dessa reação desproporcional? Trump parece ter se enxergado no espelho do julgamento de Bolsonaro. Assim como o ex-presidente brasileiro, ele também tentou subverter a democracia em seu país ao incitar a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, numa tentativa de impedir a certificação da vitória de Joe Biden.
A diferença é que, nos Estados Unidos, Trump conseguiu escapar, pelo menos até agora, de uma condenação formal. Mas ao ver Bolsonaro ser responsabilizado por atos semelhantes, ele percebe que as semelhanças entre os dois casos podem reacender o debate sobre sua própria conduta e abrir caminho para novas investigações e responsabilizações.
É assim que a sua reação não é apenas diplomática: é defensiva, quase instintiva, como quem tenta impedir que o precedente brasileiro crie jurisprudência política internacional.
Mais grave ainda é ver brasileiros aplaudindo essa intervenção estrangeira, como se submissão a um governo estrangeiro fosse patriotismo. Não é. Patriotismo é defender a soberania nacional, a Constituição e o direito do povo brasileiro de escolher seus representantes sem chantagem internacional.
A tentativa de golpe foi brasileira, mas a solidariedade entre líderes autoritários é transnacional. E cabe ao Brasil, neste momento, reafirmar que sua democracia não está à venda, nem à mercê de pressões externas.
É assim que esse 11 de setembro será lembrado como o dia em que o Brasil disse não ao autoritarismo. O dia em que a Justiça se impôs diante da tentativa de ruptura institucional.
E, sobretudo, o dia em que um presidente, que homenageou torturadores, atacou mulheres e tentou se perpetuar no poder, foi condenado por seus atos. A democracia ferida, resiste e perdura.

*Valdecir Diniz Oliveira é cientista político, jornalista e historiador.