Histórica Fazenda Cubango será reconstruída em Ipoema para abrigar Memorial Elke Maravilha

Foto: Ascom/PMI

Após alerta deste site Vila de Utopia, sede Fazenda Cubango não desaparecerá do mapa

A sede da histórica Fazenda Cubango, onde viveu parte da infância e adolescência a multiartista Elke Maravilha (1945–2016), será cuidadosamente desmontada e reconstruída no distrito de Ipoema, em Itabira (MG), para abrigar a futura Casa de Cultura e Memorial dedicado à artista.

A decisão foi anunciada pela Prefeitura de Itabira, que firmou parceria com a mineradora Vale, responsável pelo custeio do projeto. O objetivo é preservar o patrimônio arquitetônico e cultural da fazenda, ameaçado pela expansão da atividade mineradora na região.

O alerta sobre o risco de desaparecimento da Fazenda Cubango, a exemplo do que ocorreu com a Fazenda do Pontal, que pertenceu ao fazendeiro Carlos de Paula Andrade, pai de Drummond, e que cedeu espaço à barragem homônima na década de 1970, foi revelado em reportagem publicada por este site Vila de Utopia, em 24 de junho de 2024.

Na reportagem, o portal noticiou a aquisição da sede e de todas as demais pequenas propriedades da comunidade do Cubango pela Vale, para implantação de pilhas de estéril – embora o uso futuro da área ainda não tenha sido oficialmente esclarecido pela mineradora.

A denúncia provocou mobilização pública no distrito de Ipoema. O prefeito Marco Antônio Lage (PSB), que já defendia a criação de um Memorial Elke Maravilha, apresentou à mineradora, em 16 de janeiro deste ano, proposta formal para salvar a sede da fazenda e transformá-la em espaço cultural no distrito que a artista considerava sua terra natal. A resposta foi positiva.

Com Eleni Vieira, Elke “brinca” com o arado/semeadura que perteceu ao seu pai, Georg Grünupp, administrador na Fazenda Cubango, hoje peça do Museu do Tropeiro, em Ipoema (Foto: Roneijober Andrade)
Desmonte técnico e reconstrução

A casa da Fazenda Cubango, construída no início do século XX com madeira de lei e barrotes de braúna, será desmontada com extremo cuidado técnico e documental, anuncia a Prefeitura de Itabira.

A operação será conduzida pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU), com apoio da Diretoria de Patrimônio Histórico e Cultural de Itabira. Todo o processo será registrado em fotografias e inventariado peça por peça, das telhas às esquadrias, do forro de taquara ao piso de ladrilho hidráulico.

Lateral da sede da fazenda Cubango com a “marca” de seu antigo proprietário Amintas Jackes de Morais (Foto: Carlos Cruz)

A arquiteta Daniela Motta, responsável pelo levantamento arquitetônico, ressalta o valor histórico da construção. “É uma casa rural, de arquitetura simples, mas carregada de significados. Representa o modo de vida do interior brasileiro no início do século passado. Pretendemos preservar tudo o que for possível, inclusive os móveis originais que encontramos no local.”

Esses móveis, pertencentes à época em que Elke e sua família habitavam a casa, já foram catalogados e estão armazenados em segurança no distrito de Ipoema, onde serão integrados ao memorial.

Replantio da jabuticabeira e homenagem às famílias do Cubango

Jabuticabeiras serão cuidadosamente retiradas e transplantadas para compor o novo quintal da Fazenda Cubango, em Ipoema (Foto: Ascom/PMI)

Além da estrutura física, o projeto prevê o replantio das jabuticabeiras centenárias que sombreavam o quintal da fazenda e que testemunharam a passagem de gerações. Serão transplantadas para compor o cenário original da casa em seu novo endereço no distrito de Ipoema.

O memorial também prestará homenagem às famílias que habitaram a propriedade ao longo do tempo, como os antigos moradores da comunidade rural – e também de Amintas, Gonçalo, Dalva, Vilma, Antônio Nazareno de Menezes, entre tantos outros moradores e moradoras da comunidade que vai desaparecer do mapa.

Elke Maravilha e as raízes itabiranas de uma artista plural
Elke Maravilha em Ipoema, participando de mais uma Mostra de Cinema, em 24 de abril de 2010 (Foto: Roneijober Andrade)

Elke Georgievna Grünupp nasceu em 22 de fevereiro de 1945, na Rússia. Chegou ao Brasil ainda criança, fugindo com a família da União Soviética após a Segunda Guerra Mundial.

Foi em Itabira, na Fazenda Cubango, que viveu parte da infância e adolescência, onde aprendeu a ler com os negros da roça, conviveu com a cultura popular e formou sua visão de mundo marcada pela liberdade, irreverência e defesa das minorias.

Na roça do Cubango, Elke teve contato com os batuques, os cabelos soltos e os saberes ancestrais que influenciaram sua estética e postura pública. Foi nesse ambiente rural que ela desenvolveu seu senso de justiça e sua paixão pela diversidade.

Elke costumava visitar o distrito de Ipoema, que considerava sua verdadeira terra natal, e mantinha laços afetivos com moradores locais até o fim da vida.

Modelo, atriz, apresentadora, tradutora e ativista, Elke transitou entre o universo da moda e da militância política. Foi presa durante a ditadura militar por defender presos políticos e tornou-se ícone da liberdade de expressão, da estética não convencional e da luta LGBTQIA+.

Sua imagem exuberante, marcada por vestidos coloridos, colares extravagantes e discursos contundentes, permanece como símbolo da resistência cultural brasileira. Elke faleceu em 16 de agosto de 2016, aos 71 anos.

Memorial como espaço vivo de cultura e diversidade
Marco Antônio Lage com Elke Maravilha em Ipoema, na Mostra de Cinema em que a artista foi homenageada em 24 de abril de 2010 (Foto: Roneijober Andrade)

A reconstrução da casa onde Elke viveu é mais do que uma ação de preservação arquitetônica. Trata-se de um gesto de reconhecimento à sua história e à contribuição que ela deu à cultura nacional.

O Memorial Elke Maravilha permitirá que o público conheça suas origens, vivencie sua trajetória – e se inspire em seu legado. Oficinas de teatro, moda, cinema e beleza estão previstas, transformando o local em mais um polo cultural e turístico de Ipoema.

Durante visita recente à Fazenda Cubango, o prefeito Marco Antônio compartilhou uma memória pessoal na rede social. Disse ele:

“Elke costumava se hospedar na minha fazenda, a Boi Tempo. Certa vez, ela comentou que já não tinha mais onde guardar seu acervo de vestidos e colares. Sugeri: ‘Vamos fazer um museu da Elke aqui em Ipoema’. Ela respondeu, com seu jeito único: ‘Não, só depois de morta’. Anos depois, entrei em contato com a família e propus criar o memorial. Nunca imaginei que ele pudesse ser na própria casa onde ela viveu. Agora, o sonho se concretiza.”

 

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