Mineradoras, poder público e sociedade: a hora de se reinventar
Foto: Carlos Cruz
Por Denes Martins da Costa Lott*
Não é mais possível adiar o debate público sobre o futuro dos territórios minerados. Os sinais de esgotamento da mineração tradicional se avolumam: reservas se exaurem, barragens se tornam passivos permanentes e comunidades, antes economicamente dependentes das minas, enfrentam o fantasma da estagnação. É fato incontestável o majoramento dos custos de produção das minas mais antigas, o que torna provável a inviabilidade da continuidade da atividade nos níveis atuais em pouco tempo.
O fechamento de mina, embora tecnicamente tratado em planos formais, ainda é política pública ausente. Em que pese a Lei nº 7.805/1989 já preveja a obrigatoriedade de Plano de Fechamento de Mina, e o DNPM (hoje ANM) venha regulamentando o tema desde 2008, o assunto foi recentemente reforçado pelo novo Código de Mineração e seu decreto regulamentador, bem como pela Deliberação Normativa do Estado de Minas Gerais que trata do PAFEM (Plano Ambiental de Fechamento de Mina).
Ainda assim, falta engajamento dos entes públicos na governança desse processo. Vale lembrar que o encerramento das atividades extrativas impacta diretamente a arrecadação, o emprego e o tecido social local. Mais do que nunca, é hora de aprimorar a fiscalização e torná-la mais sofisticada e tecnológica. Algumas ferramentas de telemetria já disponíveis, permitem o monitoramento da movimentação de minério por meio de sensores, câmeras e medidores de volume instalados em pontos estratégicos. Esses sistemas, de operação relativamente simples, fornecem dados úteis sobre a quantidade de material transportado, subsidiando ações de controle por parte dos municípios e facilitando parcerias com órgãos como a ANM e o Ministério Público.
A Contribuição Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) tem função compensatória, mas pode – e deve – ser instrumento de transição econômica. Municípios mineradores precisam requalificar o uso dessa receita, hoje muitas vezes dilapidada em custeio da máquina pública. É hora de canalizar a Cfem para fundos estruturantes, como os fundos soberanos e intergeracionais já em estudo e formatação por alguns municípios. Esses fundos podem financiar projetos de diversificação econômica, proteção ambiental e valorização do patrimônio histórico-cultural. É também hora para que os projetos para usos futuros das áreas trabalhadas saiam das gavetas e estejam públicos, em processo de escolha para implantação.

A experiência de Itabira é emblemática. Berço da Vale, enfrenta, após décadas de exploração intensiva, o desafio de reimaginar seu futuro. O que se fará com os ativos minerários desativados? Como recuperar áreas degradadas e ressignificar espaços como a Fazenda da Conceição? A fazenda foi construída pelos ingleses, que deixaram no local a lembrança de seu trabalho em algumas lápides; serviu de moradia a Israel Pinheiro, primeiro presidente da Vale, que ali, por diversas vezes, recebia Juscelino Kubitschek e sua família, à época prefeito de Belo Horizonte.
Por anos, a casa também recebeu hóspedes ilustres, diretores da Vale, compradores internacionais de minério e autoridades políticas, sendo palco de encontros estratégicos que envolviam a alta administração da empresa. Hoje, encontra-se abandonada pela Vale e supostamente interditada pela ANM por estar situada em uma ZAS (Zona de Autossalvamento).
Seguem, no link abaixo, imagens de drone que documentam essa situação:
https://drive.google.com/drive/folders/1sn8NpvkADPP3gb-RdcPYm3BGiymhGfnt?usp=sharing

Nesse contexto, é urgente que os municípios mineradores se posicionem também como agentes fiscalizadores da atividade mineral. A Constituição já lhes assegura competência suplementar para legislar sobre assuntos de interesse local, inclusive ambientais. Como já dito, é viável — e necessário — que essas cidades instalem equipamentos de monitoramento da produção mineral, capazes de gerar dados confiáveis sobre volumes transportados e comercializados.
Esses instrumentos de controle, baseados em tecnologias de sensoriamento e monitoramento remoto, são acessíveis e podem representar um salto na transparência e na justiça fiscal. Municípios não podem mais ser espectadores — precisam ser coparticipantes ativos da governança mineral.
Nesse contexto, o papel das mineradoras também precisa ser revisto. É claro que elas tem responsabilidade – não só técnica, legal e jurídica, mas também histórica, moral e principalmente financeira. O legado mineral não pode ser apenas ruínas e crateras. Deve haver contrapartidas que extrapolem condicionantes ambientais: é preciso pensar em reparação territorial e construção de um novo ciclo econômico.
A Amig-Brasil, como entidade que congrega os municípios mineradores, pode e deve liderar esse debate. Seu congresso anual é espaço privilegiado para fomentar diretrizes, articular boas práticas e cobrar protagonismo dos governos federal e estadual e promover no país uma reinvenção territorial com mais justiça e sustentabilidade.
Cabe a nós, sociedade civil, juristas, técnicos e gestores públicos, fazer da transição mineral um projeto coletivo, com planejamento, dignidade e horizontes.

*Denes Martins da Costa Lott, advogado especializado em Direito Minerário e Ambiental, ex-secretário de Meio Ambiente de Itabira, atual secretário da Comissão de Direito Ambiental e Direito Minerário da OAB de Itabira. Atuou por mais de duas décadas na Vale e é autor do livro ‘O Fechamento de Mina e a Utilização da Contribuição Financeira por Exploração Mineral’ (Editora Del Rey)