Donos de postos querem se juntar ao Cade em ação contra cartel de distribuidoras; privatização da BR abriu espaço para abusos no mercado
Foto: Carlos Cruz
Empresários do setor de combustíveis estão se mobilizando para participar como terceiros interessados na investigação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) contra distribuidoras como Vibra (ex-BR Distribuidora), Raízen (Shell) e Ipiranga, acusadas de práticas anticompetitivas e formação de cartel.
A iniciativa, que já reúne donos de postos em Minas Gerais, Mato Grosso e Paraná, busca pressionar o órgão regulador com provas e relatos sobre cláusulas abusivas, reservas de mercado e restrições à concorrência.
Mas o caso vai além da disputa comercial: expõe os efeitos da privatização da BR Distribuidora, realizada em 2021 durante o governo Bolsonaro, que retirou do Estado um dos principais instrumentos de regulação indireta do mercado de combustíveis.
A empresa, que ainda opera sob a bandeira Petrobras, não tem mais vínculo com a estatal, o que contribuiu para o avanço de práticas abusivas que hoje são alvo de investigação.
Cartel, contratos abusivos e reservas de mercado
Segundo o Cade, essas distribuidoras teriam firmado um pacto de “não agressão”, impedindo que abordassem postos recém-desvinculados da concorrência por até um ano.
A prática, somada à imposição de contratos com exclusividade de até 15 anos, exigência de compra de volumes irreais e multas milionárias por descumprimento, criou um ambiente de reserva de mercado e sufocou a concorrência.
O advogado Antônio Fidelis, que representa dezenas de postos em ações contra as distribuidoras, afirma que os contratos comerciais impostos são “leoninos” e que a multa por não atingir o volume contratado pode chegar a R$ 38 milhões.
“O cartel gera um problema social, afetando não só os postos de gasolina, mas também o consumidor final. Por isso é extremamente importante que os proprietários dos postos se habilitem como interessados no processo do Cade, subsidiando o órgão com informações relevantes para que a investigação evolua de forma eficiente”, diz o advogado.
Itabira e o cartel dos postos de gasolina
Em cidades como Itabira (MG), onde o fluxo de veículos é intenso por conta da mineração, o preço da gasolina está entre os mais altos do país. O cartel, portanto, começa nas distribuidoras e termina nos postos comerciais, que também precisam ser investigados por manter práticas lesivas ao consumidor.
Levantamentos da ANP mostram que o litro da gasolina comum na cidade de Drummond, e da Vale, ultrapassa R$ 6,00, enquanto em cidades vizinhas como João Monlevade e Ipatinga, os preços variam entre R$ 5,40 e R$ 5,60.
A diferença de preços na concorrência é mínima, o que sugere que, além do cartel entre distribuidoras, há também combinação de preços entre postos locais, especialmente em cidades menores com poucos estabelecimentos e alta demanda.
O consumidor, nesse cenário, é duplamente penalizado: pela falta de concorrência entre distribuidoras e pela cartelização entre revendedores.
Privatização e ausência de controle estatal
Antes da privatização, a BR Distribuidora atuava como uma espécie de “freio de mercado”, ajudando a conter abusos e garantir que reduções no preço do petróleo fossem repassadas ao consumidor.
Com a venda da estatal, esse papel desapareceu. Hoje, mesmo com sucessivas quedas nos preços internacionais do petróleo, os valores nas bombas seguem elevados – reflexo de um mercado dominado por interesses privados e pouca transparência.
A mobilização dos donos de postos junto ao Cade é um sinal de que até mesmo agentes do setor reconhecem os excessos do modelo atual.
Mas a discussão não pode se limitar à responsabilização pontual: é urgente repensar o papel do Estado no setor de combustíveis e avaliar os impactos da privatização da BR Distribuidora sobre o bolso do consumidor brasileiro – fruto das políticas neoliberais adotadas no passado recente.