Como hienas diante da crise, bolsonaristas festejam a retaliação dos EUA contra o Brasil e a ascensão do Brics

Arte: Gael Monteiro/
Reprodução

Medida pode desestabilizar a economia brasileira e desafiar a hegemonia norte-americana, mas antes pode mergulhar o Brasil em desemprego

Por Valdecir Diniz Oliveira*

Sob o pretexto de defender o ex-presidente golpista Jair Bolsonaro (PL), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump anunciou, em carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que irá impor, a partir de 1º de agosto, uma tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras.

A medida, se concretizada, ameaça setores estratégicos, escancara um ataque à soberania nacional e evidencia o alinhamento dos aliados do ex-presidente com o projeto autoritário norte-americano.

O mais estarrecedor é que esses aliados comemoram publicamente a decisão, mesmo sendo uma afronta à autonomia do país e uma ameaça à economia brasileira.

A comemoração bolsonarista e o paradoxo da submissão

A celebração nas redes sociais escancara o paradoxo político: a submissão de quem já bateu continência à bandeira dos Estados Unidos.

O próprio Bolsonaro, acompanhado por seus aliados, festeja a retaliação. Em postagem no X, escreveu: “Trump mostra que o mundo ainda tem líderes que defendem a liberdade. A perseguição está sendo exposta.”

Seu filho, Eduardo Bolsonaro, foi além: “Medida justa! O Brasil está sendo tomado por uma ditadura judicial, e Trump dá o recado.”

Essas manifestações foram repercutidas por seguidores do ex-presidente, os mesmos que estimularam nas redes uma tentativa de golpe, frustrada pela ausência de apoio do Exército e da Aeronáutica.

A adesão ideológica dos bolsonaristas ultrapassa os limites da racionalidade patriótica. Afinal, o que estão celebrando? Uma sanção que pode desestabilizar a economia, provocar desemprego, queda de arrecadação e impacto profundo sobre a população mais vulnerável?

Até o vetusto Estadão rompe o silêncio e esculhamba os sabujos

Em editorial publicado sob o título Coisa de mafiosos, o jornal Estado de S. Paul, que tem sido historicamente aliado a pautas conservadoras e crítico ao PT, condenou com veemência a atitude de Trump e o alinhamento bolsonarista.

“Trump usa a ameaça de impor tarifas comerciais ao Brasil para obrigar o País a se render a suas absurdas exigências […] Não há outra conclusão a se tirar dessa mixórdia: trata-se de coisa de mafiosos.”

O texto desmente também a alegação de desequilíbrio comercial. “Os EUA têm um robusto superávit comercial com o Brasil […] Trump mentiu descaradamente na carta para justificar a medida drástica.”

A crítica do Estadão atingiu os bolsonaristas que celebraram a agressão. “Vestir o boné de Trump, hoje, significa alinhar-se a um troglodita que pode causar imensos danos à economia brasileira […] Que o Brasil não se vergue diante dos arreganhos de Trump, de Bolsonaro e de seus associados liberticidas.”

Tarcísio de Freitas com boné MAGA (Make América Great Again) em apoio a Donald Trump (Foto: Reprodução @tarcisiogdf – 20.jan.2025 /Instagram)

O editorial também menciona o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), possível candidato da extrema direita à sucessão de Lula. O jornal classificou como “alinhamento vexaminoso” seu gesto de cumprimentar Trump usando o boné da campanha Make America Great Again, slogan político popularizado por Donald Trump durante sua candidatura presidencial em 2016, e reutilizado em 2020 e novamente em 2024.

O slogan foi originalmente usado pelo ex-presidente Ronald Reagan em 1980. Evoca uma ideia de retorno a uma era supostamente próspera e poderosa dos Estados Unidos. No contexto trumpista, ele passou a representar uma plataforma política marcada por nacionalismo econômico e protecionismo, restrição à imigração, conservadorismo cultural e religioso, além da rejeição ao multilateralismo e às instituições internacionais.

Retaliação política disfarçada de ajuste comercial

A medida punitiva foi anunciada pouco depois do avanço do julgamento de Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal e da ascensão do Brasil como protagonista do Brics, com a ex-presidente Dilma Rousseff à frente do Novo Banco de Desenvolvimento.

Trump, que ainda repete teorias conspiratórias sobre fraude eleitoral nos EUA, parece enxergar em Bolsonaro seu reflexo político. São líderes que não reconhecem derrotas, atacam instituições e estimulam rupturas democráticas.

A tarifa representa, portanto, não apenas uma retaliação comercial, mas também um ataque direto à soberania brasileira e à construção de novas alianças internacionais.

Mercado em alerta e impactos iminentes

O impacto na economia brasileira foi imediato: o dólar futuro subiu para R$ 5,63 e o dólar à vista fechou em R$ 5,58. Há expectativa de queda na Bolsa e tensão nos setores exportadores.

A sobretaxa coloca em risco setores como o agronegócio (carne bovina, café, soja), a mineração (ferro e níquel) e a indústria (aço, celulose, químicos). Essas áreas sustentam milhões de empregos diretos e indiretos.

A alta repentina nas tarifas pode levar à redução de exportações, investimentos e demissões em massa. Isso ocorre justamente quando o Brasil caminhava para o pleno emprego.

E é isso que os bolsonaristas comemoram.

Mentiras sobre a balança comercial

Trump alegou que “a balança comercial está desequilibrada em favor do Brasil”. Mas os dados oficiais contradizem a afirmação.

Os EUA têm superávit comercial com o Brasil há mais de uma década. Em 2023, esse superávit foi de US$ 12,6 bilhões, segundo o Departamento de Comércio dos Estados Unidos.

Mais uma mentira lançada como argumento para justificar uma medida autoritária e desproporcional.

Resposta do governo brasileiro

O governo Lula reagiu com firmeza. Em pronunciamento oficial, o presidente declarou que “o Brasil não será subordinado a nenhuma potência.” E prosseguiu: “O julgamento do ex-presidente seguirá seu curso legal, e a soberania do povo brasileiro será respeitada.”

A resposta jurídica está sendo construída a partir da Lei da Reciprocidade Econômica, que permite sanções equivalentes quando há medidas unilaterais contra o Brasil.

Além disso, o Ministério da Economia avalia medidas junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) e reforça acordos com países do Sul Global, Ásia e África.

O objetivo é ampliar a atuação brasileira no Brics e abrir novos mercados para os produtos brasileiros, fortalecendo sua independência comercial.

O novo tabuleiro geopolítico

A reação de Trump revela o incômodo da hegemonia norte-americana diante da emergência de blocos alternativos ao sistema financeiro ocidental.

O Brics propõe um novo arranjo econômico, com menos dependência do dólar e mais cooperação entre países em desenvolvimento.

A resposta de Trump é simbólica: uma tentativa de sabotar esse movimento, um claro sinal de decadência da potência norte-americana e seu projeto hegemônico.

Quem ganha com essa retaliação?

Certamente não ganha o povo brasileiro, que poderá sofrer com inflação, desemprego e queda na qualidade de vida. Tampouco o povo norte-americano, que verá os preços de alimentos e commodities brasileiras subirem.

Ver bolsonaristas comemorando essa medida é, na prática, celebrar o desemprego, o enfraquecimento da soberania nacional e desejado por eles, retrocesso do Estado Democrático de Direito.

Alinham-se, com suas pautas conservadoras e reacionárias, mesmo que para implementá-las seja preciso destruir o projeto de país com medidas golpistas, algo que já fracassou aqui no Brasil, mas cujas sementes continuam germinando mundo afora.

O “ovo da serpente” já eclodiu e seus filhotes se espalham pelo planeta, impulsionando o avanço de partidos neofascistas, e até neonazistas, em diversas partes do mundo, sob uma ameaça distópica que paira sobre democracias fragilizadas pela ação desses grupos reacionários.

A conferir os próximos desdobramentos.

*Valdecir Diniz Oliveira é cientista político, jornalista e historiador

 

 

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